Consultas à distância: sim, não ou talvez?

consultas à distância

Num mundo cada vez mais globalizado, onde o digital impera e podemos estar em todo o lado a todo o momento, cada vez mais a comunicação à distância é uma realidade. E essa realidade também já penetrou o mundo laboral e, especificamente, o contacto com o público. Já nos habituamos a diversos serviços que são prestados por telefone.

No entanto, a utilização destas metodologias no âmbito da saúde e de outras áreas (como o aconselhamento jurídico, por exemplo), é mais recente. Por isso, tem suscitado inúmeras questões e feito emergir a necessidade de compreensão desta nova realidade. Este artigo pretende esclarecer alguns destes aspetos, quer para potenciais clientes quer para profissionais que ponderem o recurso a esta metodologia de trabalho e atendimento.

Em que áreas é ou pode ser usada a intervenção à distância?

Realizar aconselhamento e/ou intervenção a um cliente à distância pode ser realizado em várias áreas, mediante características específicas, não o podendo ser em outras. Por exemplo, no âmbito médico existem tipos de atendimento que não podem ser feitos à distância, por carecerem de uma análise física mais aprofundada do paciente. Por outro lado, outros tipos de atendimento podem ser realizados por recurso a esta via. A análise da possibilidade e exequibilidade, bem como da eficácia, deste tipo de metodologia carece sempre de um adequado juízo do profissional. Algumas das áreas em que este tipo de método pode ser utilizado:

  • Intervenção psicológica;
  • Aconselhamento e atendimento médico ou de enfermagem (triagem básica de sintomas, acompanhamento e monitorização de pacientes ou o aconselhamento farmacológico – por exemplo);
  • Assistência social;
  • Apoio jurídico;
  • Terapia da Fala;
  • Fisioterapia;
  • Entre outros.

Para decidir se a intervenção à distância tem condições para ser realizada o profissional deve realizar uma série de questões e ponderar alguns fatores:

  • Possuo os recursos e meios necessários que me permitam comunicar com a pessoa da forma o mais eficaz possível?
  • Tenho suficiente literacia digital para utilizar estes meios?
  • A intervenção à distância é adequada para este paciente ou cliente em específico?
  • Consigo, de forma remota e à distância, fornecer uma intervenção baseada na evidência?
  • O utente ou cliente possui os recursos necessários para que seja feita uma intervenção remota?
  • O utente ou cliente, bem como eu enquanto profissional, beneficiamos de condições físicas e de privacidade que permitam este tipo de intervenção?

Que meios podem ser utilizados nas consultas?

A comunicação à distância pode ser feita através de diferentes meios. Está incluída, na comunicação à distância, recursos como os smartphones, os tablets, os computadores ou outras plataformas digitais; a realização de comunicações via videoconferência, email, chat, sites, blogs ou redes sociais. A informação transmitida pode ser escrita ou incluir imagens, sons ou outro tipo de dados. A comunicação pode ser síncrona, com várias pessoas envolvidas e a comunicar em tempo real (por exemplo, videoconferência) ou assíncrona (por exemplo, troca de emails).

A escolha dos meios ou recursos a utilizar varia conforme os objetivos que se pretende alcançar, as circunstâncias, as características do profissional, do cliente e do atendimento ou intervenção. Podem ser usados diversos recursos em complementaridade. Por exemplo, o profissional pode atender o cliente por videoconferência e depois transmitir informações ou materiais diversos através do e-mail.

Quais as vantagens e razões para intervir à distância?

A necessidade de intervir à distância surge por necessidade e também por disponibilidade de meios. Ou seja, uma vez que o mundo se foi modernizando e que temos hoje ao dispor inúmeros recursos que permitem uma comunicação à distância, é natural que haja um aproveitamento destas condições. Por outro lado, esta possibilidade facilita a resposta a diversas necessidades:

  • Atendimento a pessoas que se encontram em zonas mais remotas e isoladas;
  • Atendimento a pessoas que, por razões de saúde, tenham de estar isoladas e não possam contactar com outras pessoas (quarentena, isolamento);
  • Continuidade do acompanhamento a clientes que tenham iniciado um processo terapêutico e que, por alguma razão, tiveram que se deslocar para outra zona geográfica, mas querem manter o acompanhamento pelo mesmo profissional;
  • Possibilita ao profissional trabalhar com clientes de qualquer área geográfica;
  • Pessoas que pretendam manter o anonimato e que por isso prefiram esta via de intervenção (ex: figuras públicas);
  • Pessoas que possuam limitações ao nível da mobilidade e deslocação;
  • Redução de custos em termos de espaço físico;
  • Preferência por esta via por parte de clientes.

A intervenção à distância, para além de responder a estas necessidades e outras, apresenta ainda algumas vantagens importantes que não podemos deixar de referir, designadamente:

  • Redução e minimização dos obstáculos colocados pela distância física / geográfica;
  • Conforto e comodidade de profissionais e clientes;
  • Maior flexibilidade em termos de horários;
  • Maior oferta e possibilidades de acesso a especialistas, por parte de clientes, e alargamento do leque possível de clientes, por parte dos profissionais;
  • Acesso facilitado a informação diversa;
  • Redução de investimento e custo financeiro;
  • Maior possibilidade de continuidade assistencial;
  • Facilitação da troca de informações;
  • Diminuição das deslocações e dos custos e obstáculos, financeiros ou de outra natureza, que lhe estão associados.

As consultas à distância são eficazes?

Existem estudos e evidências científicas que apresentam resultados positivos da intervenção à distância, em diversas áreas como a medicina (telemedicina) ou a intervenção psicológica. No entanto, em alguns dos estudos é ressalvado que a eficácia pode ser ligeiramente mais baixa quando comparada à intervenção presencial. Ainda assim, os resultados são positivos, o que torna este tipo de intervenção um recurso importante para determinadas situações. Ainda assim, e quando possível, deve ser privilegiada a intervenção presencial, ou pelo menos alternada com a intervenção à distância, tendo sempre em conta as características específicas de cada situação, tipo de intervenção, características do cliente e do próprio profissional.

Importa ainda ressalvar que diferentes tipos de intervenção encontram-se em diferentes estádios de investigação e maturidade, requerendo mais investigação, desde o desenvolvimento básico, à avaliação e implementação dos estudos.

Quais as limitações e desvantagens das consultas à distância?

Apesar de, como anteriormente referido, a intervenção à distância comportar diversas vantagens e permitir a resposta a um leque variado de necessidades, tem também desvantagens e limitações que devem ser tidas em conta:

  • Existência de interferências no processo de comunicação: por exemplo, falhas na rede telefónica quando usado o telefone, ou falhas na internet quando o atendimento é feito por videochamada ou chat. Podem existir ainda outras interferências como a perda de dados, a existência de programas a funcionar em background enquanto está a ser feito o atendimento, que podem causar ruído e interrupções no processo de atendimento;
  • Possíveis falhas ao nível da segurança e privacidade: sabemos que a internet é um universo vasto onde circulam inúmeros dados e informações. Como tal, o acesso é também alargado e facilitado, o que dificulta a segurança e privacidade das informações que nela são transmitidas. Ou seja, nem sempre possuímos a literacia digital suficiente para nos conseguirmos proteger de forma total contra possíveis falhas ao nível da segurança no mundo cibernético. Se estivermos a falar de uma intervenção feita via telefone, o risco ao nível da segurança é minimizado mas não é inexistente (uma vez que a comunicação telefónica não é totalmente encriptada e pode, em situações excecionais, haver acesso ao conteúdo de chamadas telefónicas);
  • Limitação do acesso à informação não-verbal: frequentemente os aspetos não-verbais de um cliente são fundamentais para uma adequada avaliação e intervenção e, na comunicação à distância, a acesso a estes aspetos é limitado. Se o atendimento for feito por telefone, não dispomos de praticamente nenhum elemento não-verbal: não conseguimos ver a pessoa, a sua expressão facial, os seus gestos, etc. Inversamente também o cliente, não podendo ver o profissional, pode ver dificultada a compreensão de determinada informação. Se o atendimento é feito com recurso a videochamada, temos já maior acesso a elementos não-verbais: conseguimos ver a expressão facial da pessoa e alguns dos seus gestos. Ainda assim, o tremer das pernas, por exemplo, que não conseguimos ver numa videochamada, pode ser indicativo de nervosismo ou desconforto por parte do cliente.
  • Existência de um maior risco de abandono precoce do processo, uma vez que o vínculo estabelecido entre profissional-cliente pode ser mais enfraquecido;
  • Dificuldades no estabelecimento de uma adequada relação terapêutica e da confiança entre o profissional e o cliente / paciente.

Estratégias e cuidados a adotar nas consultas à distância

estratégias e cuidados nas consultas à distância

Por forma a garantir a maior eficácia possível da intervenção à distância, devem ser tidos em conta alguns aspetos e adotados alguns cuidados e estratégias.

Identificar e verificar a identidade

Previamente a qualquer intervenção à distância é fundamental que profissional e cliente disponham de meios para verificação da identidade do outro. No caso do cliente este deve poder verificar as credenciais do profissional, em termos de formação, experiência profissional, especialização, número de cédula profissional, entre outras.

Assegurar o conhecimento dos meios tecnológicos a utilizar

Como vimos, uma das condições fundamentais para garantir a eficácia da intervenção à distância é que profissional e cliente tenham uma adequada literacia digital. Para isso, e decidido o meio pelo qual a comunicação irá ser feita, é importante que ambos de informem acerca da utilização e funcionamento deste meio. Ao profissional cabe a responsabilidade acrescida de aprofundar os seus conhecimentos e competências no domínio destas ferramentas. Profissional e cliente devem estar cientes dos riscos e limitações dos recursos utilizados.

Garantir a segurança e privacidade

Como vimos, a possibilidade de ocorrerem falhas ao nível da segurança e da privacidade do cliente e do processo são uma das limitações da comunicação à distância. Como tal, os profissionais devem adotar estratégias que minimizem estes riscos, conforme os recursos que utilizem:

No garante da privacidade e segurança dos dados do cliente é fundamental a encriptação ponta a ponta dos recursos usados. Ou seja, deve ser utilizada uma plataforma ou meio tecnológico que possam garantir a encriptação. A encriptação significa que os dados que são recolhidos não são quebrados nem transmitidos a terceiros. Para garantir esta encriptação é importante averiguar as condições e garantias de cada aplicação, programa ou plataforma em específico. Algumas recomendações específicas mediante os meios usados:

  • Para os contactos telefónicos, o telefone fixo comporta menor risco de quebra na segurança e privacidade do que os telemóveis, onde o risco é maior;
  • Para o e-mail, existem plataformas que permitem a encriptação total, como por exemplo a Protonmail;
  • Para contacto via mensagem ou chat, evitar o uso de aplicações como o facebook ou whatsapp, onde há a recolha e potencial utilização dos dados (por exemplo para efeitos de publicidade), e recorrer a outros programas com encriptação, como o Signal;
  • Para a realização de videoconferência, preferir aplicações como a Zoom (versão com criptografia ativada) ou o Skype Business (carece da compra de uma licença);
  • Para a partilha de documentos e recursos de digitais de dados clínicos recomenda-se a encriptação dos documentos, por exemplo através do programa 7-ZIP (gratuito).

É ainda importante assegurar a utilização, pelo profissional e cliente, de uma conexão segura à Internet protegida por senha, não pública ou sem segurança WiFi, bem como verificar a atualização do antivírus e propor esta verificação ao cliente.

Obter o consentimento informado

Em qualquer intervenção de saúde, médica ou psicológica, deve ser obtido um consentimento informado assinado pelo cliente ou o seu representante legal. Sendo este consentimento obtido à distância, deve ser assinado eletronicamente (pode ser feito recurso a programas que permitem a assinatura digital, como o DocHub ou o DucuSign).

No consentimento informado deve estar contemplado:

  • Forma de recolha e tratamento de dados pessoais, bem como a indicação sobre a forma de armazenamento dos registos clínicos, tendo o cliente direito de ser informado sobre o processamento, armazenamento e eliminação de todos os dados que lhe digam respeito;
  • Garante da segurança e privacidade dos dados solicitados, bem como o fim para que serão utilizados;
  • Direito à revogação do consentimento, indicando o procedimento de solicitação por escrito;
  • Regras de funcionamento fundamentais, nomeadamente, relativas à duração e periodicidade dos atendimentos, regras de pontualidade, cancelamento ou agendamento;
  • Informação sobre as condições de faturação e pagamento;
  • Estabelecimento de um plano de segurança que contemple contactos de emergência;
  • Informação sobre confidencialidade e os seus limites;
  • Explicitação dos aspetos relacionados com a tecnologia utilizada, designadamente:
    1. A plataforma ou programa utilizados;
    2. Os requisitos tecnológicos necessários;
    3. Cuidados a ter para garantir o adequado estabelecimento da comunicação e a minimização de dificuldades técnicas;
    4. Informação sobre benefícios e potenciais riscos dos recursos utilizados.

Adequar o espaço físico e garantir que não há interrupções

O espaço físico onde vai ser realizado o atendimento à distância deve ser cuidadosamente preparado. O profissional deve garantir a privacidade e o silêncio do espaço onde será realizado o atendimento, eliminando possíveis distrações e interrupções. Deve, da mesma forma, aconselhar o cliente a estar num espaço onde possa garantir estas condições. Também devem ser garantidas boas condições de iluminação e visibilidade (por exemplo, assegurar que não existem demasiados reflexos ou sombras).

Para minimizar também as distrações ou interrupções no espaço digital, o profissional deve fechar (através do Gestor de Tarefas), todos os programas que estão a funcionar em segundo plano, quer para garantir que não surgem notificações, quer para diminuir a sobrecarga na rede.

Por último, profissional e cliente devem estabelecer um plano de apoio para dificuldades técnicas. Por exemplo, caso a videoconferência surja interrupções ou a ligação seja suspensa, pode existir recurso a um telefone para restabelecimento o mais breve possível da comunicação.

Assegurar um bom contacto visual

No recurso à videoconferência deve ser garantido um adequado contacto visual com o cliente, não só para uma comunicação mais fluída mas também para que o cliente se sinta mais acolhido e confortável. Também o cliente deve procurar manter o contacto visual com o profissional. Para que isto seja garantido uma estratégia importante é que a pessoa se distancie ligeiramente mais da câmara do que habitualmente faria presencialmente. Isto irá garantir que, se existirem pequenas fugas no olhar, não sejam tão evidentes. A câmara deve ser posicionada de forma a que seja fácil olhar para o cliente no ecrã.

Acautelar possíveis situações de emergência

No início do processo de acompanhamento o profissional deve recolher, junto do cliente, contactos de emergência para recurso em situações que assim o exijam. Por exemplo, se o cliente, no decorrer de um atendimento por telefone ou videoconferência, apresentar sintomas que sinalizem uma emergência médica o profissional pode, para além de ativar os meios de emergência, estabelecer o contacto com a pessoa que o cliente definiu como contacto de emergência. O mesmo se aplicará em situações de emergência psicológica (ex: risco de suicídio). Poderá também ser importante dispor da morada física do cliente para a ativação de meios de emergência caso necessário.

Assegurar e definir os meios de pagamento

Uma vez que a intervenção e atendimento à distância impedem modos de pagamento mais tradicionais, é importante que profissional e cliente discutam o modo de pagamento e faturação das sessões, por exemplo com recurso a transferência bancária, débito direto ou outros métodos.

Garantir o cumprimento dos princípios éticos e deontológicos

É fundamental que o profissional garanta que, independentemente do meio que utiliza para atender o cliente, os princípios éticos e deontológicos da profissão devem ser assegurados.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.

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