Cuidados paliativos: o que são e a quem se destinam?

o que são os cuidados paliativos

Os cuidados paliativos são um tipo de cuidados associados a diminuir o sofrimento quando a cura total não é possível. Todos conhecemos a existência dos cuidados paliativos, no entanto dada a sua complexidade por vezes pode ser difícil compreender de que modo funcionam. Simultaneamente, existem frequentemente dúvidas e receios quando se fala deste tipo de cuidados. Como tal, este artigo pretende ajudar a esclarecer algumas destas questões explorando o que são os cuidados paliativos.

O que são os cuidados paliativos?

O termo paliativo vem do latim “palium”, sendo que paliar é cobrir, diminuir o sofrimento das doenças incuráveis. Segundo a Organização Mundial da Saúde, os cuidados paliativos consistem numa assistência proporcionada por uma equipa multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, perante uma doença que ameaça a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.

Os cuidados paliativos baseiam-se em conhecimentos inerentes às diversas especialidades da saúde, possibilidades de intervenção clínica e terapêutica nas diversas áreas de conhecimento da ciência médica e de conhecimentos específicos.

Quais os princípios dos cuidados paliativos?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza alguns princípios que orientam a equipa multiprofissional em cuidados paliativos:

  • Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis: para isso é necessário conhecimento específico para a prescrição de medicamentos, adoção de medidas não-farmacológicas e abordagem dos aspetos psicossociais e espirituais, uma vez que todos estes fatores podem contribuir para a exacerbação ou atenuação dos sintomas.
  • Afirmar a vida e considerar a morte um processo normal da vida: os cuidados paliativos resgatam a possibilidade da morte como um evento natural e esperado na presença de uma doença que ameaça a vida, colocando maior ênfase na vida que ainda pode ser vivida.
  • Não acelerar nem adiar a morte: nos cuidados paliativos é necessário um diagnóstico objetivo e completo, o conhecimento da história natural da doença, um acompanhamento ativo, acolhedor e respeitoso e uma relação empática com o paciente e os seus familiares, para auxiliar na tomada de decisões.
  • Integrar os aspetos psicológicos no cuidado ao paciente: a doença, sobretudo quando grave e ameaçadora da vida, traz consigo uma multiplicidade de perdas e lutos. As perdas de autonomia, autoimagem, segurança, capacidade física, bem como perdas concretas e materiais como de emprego, de poder de compra e, consequentemente, de status social. Estas perdas podem ser causadoras de sentimentos de angústia, ansiedade, depressão e desesperança, o que interfere por sua vez com a evolução da doença e a intensidade e frequência dos sintomas. Deste modo, a abordagem e intervenção nestes aspetos psicológicos e emocionais é fundamental. Também o aspeto espiritual (de transcendência e de significado da vida, que pode ou não estar ligado à religião) deve ser abordado dada a sua importância para o paciente. Isto deve ser sempre adequado ao paciente, às suas crenças e aos seus princípios.
  • Oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível até ao momento da sua morte: é fundamental atender à qualidade de vida e bem-estar nos vários aspetos da vida do paciente. Problemas sociais, dificuldades de acesso a serviços, medicamentos e outros recursos podem também ser motivos de sofrimento e devem ser incluídos entre os aspetos a serem abordados pela equipa multidisciplinar. É dever dos profissionais serem facilitadores para a resolução de problemas do paciente.
  • Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e o luto: nos cuidados paliativos deve haver um foco não só no paciente, mas também nos seus familiares, uma vez que estes também sofrem e o seu sofrimento deve ser acolhido. Quando um familiar se depara com o diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida está a lidar com uma crise que implica inúmeras perdas. A perda da saúde do seu familiar e todas as perdas associadas ao processo de adaptação à doença. Cada um dos familiares do paciente terá de lidar com as perdas que caracterizam as diversas etapas da doença desde o momento de diagnóstico até à morte. Neste percurso é importante que os familiares recebam o apoio necessário por parte da equipa de cuidados paliativos.
  • Oferecer uma abordagem multidisciplinar para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindo acompanhamento no luto: no cuidado ao paciente existem inúmeros fatores que atuam concomitantemente na modificação da resposta terapêutica medicamentosa, na evolução da própria doença e na relação com o paciente e a família. O paciente deve ser observado sob todas as suas dimensões por forma a ser elaborada uma abordagem terapêutica adequada. A equipa multidisciplinar, com os seus múltiplos olhares e perspetivas, pode realizar um trabalho de forma abrangente.
  • Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença: com uma abordagem holística, observando o paciente como uma pessoa mais do que um ser puramente biológico, é possível, respeitando os seus desejos e necessidades, melhorar o curso da doença e também prolongar a vida. Vivendo com qualidade, ou seja, sendo respeitado, tendo os sintomas controlados, os desejos e necessidades atendidas e podendo conviver com os seus familiares, os pacientes podem viver mais tempo e com maior qualidade.  
  • Iniciar o mais precocemente possível os cuidados paliativos, juntamente com outras medidas de prolongamento da vida, como quimioterapia por exemplo, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar situações clínicas stressantes: os cuidados paliativos devem ser iniciados desde o diagnóstico da doença potencialmente mortal. Dessa forma é possível cuidar do paciente em diferentes momentos da evolução da sua doença. Uma abordagem precoce também permite prevenir sintomas e complicações inerentes à doença de base, além de proporcionar diagnóstico e tratamento adequados de comorbidades paralelas à doença principal.

Quem presta os cuidados paliativos?

Os cuidados paliativos são sempre prestados por uma equipa e não é possível a um profissional, que trabalhe sozinho ou não inserido numa equipa de cuidados paliativos, afirmar que os presta. Uma equipa de cuidados paliativos é um conjunto de profissionais, com formação específica na área, que trabalha de forma interdisciplinar, acompanhando cada doente e a sua família.

O funcionamento das equipas difere do contexto onde atuam, pois existem equipas domiciliárias, equipas de internamento ou equipas intra-hospitalares de cuidados paliativos. As suas funções podem ser de consultoria a outros serviços, de colaboração na prestação de cuidados a doentes à responsabilidade de diferentes especialidades médicas, ou de prestação de cuidados a doentes à sua exclusiva responsabilidade.

Nestas equipas o núcleo central é constituído por médicos, enfermeiros, psicólogos e técnicos de serviço social. Existem, depois, profissionais de outras áreas que podem colaborar com a equipa, tais como fisioterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, conselheiros espirituais e religiosos e até voluntários.

A quem se aplicam os cuidados paliativos?

Os cuidados paliativos podem ser indicados para qualquer doença crónica. Todos os pacientes portadores de doenças graves, progressivas e incuráveis, que ameacem a continuidade da vida, podem receber cuidados paliativos desde o diagnóstico.

O objetivo dos cuidados paliativos é a promoção do conforto e minimização do sofrimento quando a cura deixa de ser a finalidade da intervenção. À medida que a doença progride e o tratamento curativo deixa de ser possível ou se torna improvável, os cuidados paliativos ganham relevo, surgindo uma necessidade absoluta na fase em que a incurabilidade de torna um facto e uma realidade.

Dado que muitas vezes não existem recursos para proporcionar cuidados paliativos a todos os pacientes com doenças crónicas ou incuráveis, existem alguns critérios de recomendação para cuidados paliativos, considerando a possibilidade de indicação para aqueles pacientes que esgotaram todas as possibilidades de tratamento de manutenção ou prolongamento da vida, que apresentam sofrimento moderado a intenso e que optam por manutenção de conforto e dignidade da vida. Alguns dos critérios são:

  • A expectativa de vida avaliada é menor ou igual a seis meses;
  • O paciente opta e pretende receber cuidados paliativos, preferencialmente aos de prolongamento da vida.

Aproveitamos ainda para partilhar alguns exemplos de doenças e quadros clínicos nos quais se aplicam os cuidados paliativos (dependendo do grau e estado da doença, naturalmente):

  • Doença oncológica;
  • Esclerose lateral amiotrófica;
  • Demência;
  • Acidente vascular encefálico;
  • Deficiência mental;
  • Doença neurológica de longa duração;
  • Doença hepática;
  • Doença renal;
  • Doença pulmonar;
  • Doença cardíaca.

Onde são aplicados cuidados paliativos?

Os cuidados paliativos podem ser aplicados em vários contextos diferentes, sendo que cada um tem as suas especificidades:

1. Cuidados paliativos em meio hospitalar

Em meio hospitalar existe a vantagem de os profissionais estarem disponíveis mais tempo, de haver maior disponibilidade de fármacos e de a logística ser adaptada ao ambiente. No entanto, existem também algumas desvantagens: horários para visitas restritos; número de acompanhantes restrito; o paciente encontrar-se entre outros pacientes com outros diagnósticos ou em outras etapas da doença; a proporção pacientes-profissionais é alta, diminuindo o tempo disponível para os pacientes.

Os cuidados paliativos em meio hospitalar podem ser feitos de três maneiras:

  • Unidade de Cuidados Paliativos – implica um conjunto de camas numa determinada área do hospital onde se trabalha os cuidados paliativos, com uma equipa treinada e capacitada para trabalhar nessa unidade. Esta unidade pode estar inserida no corpo do hospital, ou pode ser uma unidade separada e a uma certa distância da unidade central;
  • Equipa Consultora ou Volante – neste caso há uma equipa de cuidados paliativos que é acionada conforme a perceção de necessidade do médico assistente. Geralmente esta equipa não assume a coordenação dos cuidados, servindo como um grupo de suporte que orienta os profissionais que atuam com o doente.
  • Equipa itinerante – também é acionada conforme a perceção do médico assistente, mas, neste caso, a equipa assume os cuidados, podendo o médico assistente continuar também a acompanhar o caso ou não. Os pacientes podem estar em enfermarias gerais e é a equipa que se vai deslocando aos pacientes que dela necessitam.

2. Cuidados paliativos em ambulatório

Os cuidados paliativos a nível ambulatório funcionam nos cuidados de saúde primários. Existe uma sequência de consultas periódicas para permitir atender às necessidades variadas do doente. Este contexto tem várias desvantagens, como o facto de as unidades de saúde estarem muitas vezes sobrecarregadas (o que pode impedir um adequado cuidado ao doente) e o facto de existir menor disponibilidade de fármacos e procedimentos diversos nestas unidades.

3. Cuidados paliativos em domicílio

Por vezes é possível e até mesmo solicitado pelo paciente ou família que os cuidados paliativos sejam prestados no domicílio. Aqui as vantagens são a possibilixdade de atender às necessidades conforme a preferência do paciente, a maior sensação de conforto e proteção e a disponibilidade dos cuidadores direcionada totalmente ao paciente. Por outro lado, existem também algumas desvantagens, tais como o facto de a disponibilidade de fármacos poder não ser imediata e o facto de o paciente poder residir longe de cuidados de saúde mais urgentes.

Para que o paciente possa receber cuidados paliativos em contexto domiciliário deve ter um domicílio que ofereça as condições mínimas de higiene e ter um cuidador responsável e que compreende as orientações da equipa.

Quais os sintomas experienciados?

É possível identificar alguns dos principais sintomas e problemas que os pacientes em cuidados paliativos vivenciam:

  • Dor: a dor pode ser de diferentes tipos e, como tal, tem de ser abordada de uma forma complexa e tendo em conta múltiplas variáveis;
  • Dispneia (ou falta de ar): pode ser causada por doenças pulmonares, ansiedade ou complicações decorrentes da doença central;
  • Constipação/obstipação: pode ser causada por medicamentos, anormalidades metabólicas, etiologias gastrointestinais, causas neurológicas, fatores ambientes e psicológicos;
  • Depressão: dada a situação e o sofrimento do paciente, pode existir um quadro depressivo comumente caracterizado por humor deprimido, choro frequente, irritabilidade, isolamento, perda de interesse ou prazer nas atividades diárias, sensação de desesperança, impotência, incapacidade ou culpa, intenção suicida e pedido de morte assistida ou recusa dos cuidados;
  • Ansiedade: a ansiedade é também um sintoma comum nos pacientes em cuidados paliativos;
  • Fadiga: pode ser exacerbada por medicamentos, anemia, infeção, dor, depressão, falta de condicionamento físico, interrupção do sono, entre outros;
  • Anorexia: pode ser resultado de medicamentos, infeção, depressão, dor, náusea, entre outras;
  • Delírio: pode dever-se à ação de medicamentos, à dor e a outros sintomas, a anormalidades metabólicas, fatores ambientes e fatores fisiológicos;
  • Náuseas: podem ocorrer devido à ação dos fármacos, à constipação, obstrução, dor, efeitos de tumor, anormalidades metabólicas, infeção e aumento da pressão intracraniana.

Como comunicar nos cuidados paliativos?

A forma como se comunica com o paciente é muito importante nos cuidados paliativos. Espera-se que a comunicação adequada possa permitir:

  • Conhecer problemas, anseios, temores e expectativas do paciente;
  • Facilitar o alívio de sintomas de modo eficaz e melhorar a sua autoestima;
  • Oferecer informações verdadeiras, de modo delicado e progressivo, de acordo com as necessidades do paciente;
  • Identificar o que pode aumentar o seu bem-estar;
  • Conhecer os seus valores culturais, espirituais e oferecer medidas de apoio;
  • Respeitar e reforçar a autonomia;
  • Tornar mais direta e interativa a relação entre profissional de saúde e paciente;
  • Melhorar as relações com os entes queridos;
  • Detetar necessidades da família;
  • Dar tempo e oferecer oportunidades para a resolução de assuntos pendentes (despedidas, agradecimentos, reconciliações);
  • Fazer com que o paciente se sinta cuidado e acompanhado até ao fim;
  • Diminuir incertezas;
  • Auxiliar o paciente a enfrentar e viver o processo de morte.

Controlar e gerir a dor nos cuidados paliativos

Como vimos um dos principais objetivos dos cuidados paliativos é minimizar o sofrimento do doente. Deste modo, o controlo e gestão da dor é um foco importante. A dor é uma experiência desagradável e perturbadora e a razão mais comum para o paciente procurar cuidados de saúde.

Devem ser identificados quatro aspetos básicos da evolução da dor: a causa da dor, os mecanismos da dor, os fatores não-físicos envolvidos com a expressão de dor e a discriminação detalhada da dor (localização, duração, irradiação, fatores temporais de agravamento e alívio, impactos no sono e na capacidade funcional e intensidade).

Uma estratégia importante é a explicação, por parte dos profissionais, de fatores associados à dor, designadamente: a causa, os mecanismos e fatores que podem modificar a sua intensidade, o padrão de sono, a diminuição do cansaço e melhoria do humor. Para exemplificar, o envolvimento direto pelo tumor é a causa mais frequente de dor nos pacientes oncológicos, no entanto em 17% a dor está relacionada com o tratamento antitumoral.

Assim, é necessário identificar e tratar a causa da dor o antes possível e adotar medidas farmacológicas e não-farmacológicas. Em seguida, partilhamos alguns exemplos de estratégias não-farmacológicas, isto é, que não passam pela administração de medicamentos:

  • Técnicas de relaxamento, distração e imaginação dirigida;
  • Musicoterapia;
  • Fisioterapia e exercícios físicos;
  • Atendimento a questões psicológicas e espirituais;
  • Terapia física por aplicação de calor em casos de espasmos musculares e artralgias;
  • Terapia física por aplicação de frio em casos de dor musculoesquelética, contusão e torção;
  • Acupuntura em casos de dor devida a espasmos musculares, disestesias e nevralgias;
  • Massoterapia nos casos em que se desejam o relaxamento muscular e a sensação de conforto;
  • Neuroestimulaçao elétrica transcutânea em casos de dor por compressões tumural nervosa, óssea e em região de cabeça e pescoço.

Em suma, os cuidados paliativos são uma forma de devolver ao doente uma maior autonomia e bem-estar, procurando ter em conta não apenas a duração da vida, mas a sua qualidade.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.