Desejo sexual: níveis, disfunções e intervenção

desejo sexual

O desejo sexual diz respeito à vontade ou “drive” sexual, que conduz as pessoas a se envolverem em atos de cariz sexual, com vista a satisfazer esse desejo. É uma experiência subjetiva de intenção, impulso ou desejo sexual, constituída por pensamentos e fantasias.

Compreender o desejo sexual é fundamental para uma sexualidade saudável, uma vez que a falta de desejo pode estar na origem de disfunções sexuais. Mesmo não existindo uma disfunção, há por vezes a vontade de um desejo sexual mais presente.

Assim, neste artigo pretendemos explicar o que é o desejo sexual, que fatores interferem no mesmo e como pode ser potenciado.

O que é o desejo sexual?

O desejo sexual diz respeito a um conjunto de pensamentos, fantasias, intenções ou impulsos que medeiam a vontade de envolvimento em atos de cariz sexual. É uma experiência subjetiva, que varia de pessoa para pessoa.

O que provoca o desejo não é dependente meramente de fatores externos, uma vez que para uma pessoa algo pode suscitar desejo, e para outra não. Mesmo na mesma pessoa, alguém que normalmente lhe suscita desejo pode noutro momento não suscitar, porque por exemplo a pessoa se encontra cansada, zangada ou com algum outro afeto negativo.

Assim, o desejo depende intrinsecamente do indivíduo, embora também seja influenciado por fatores externos, relacionais e sociais.

Podemos incluir no desejo sexual três fatores:

  • Impulso – corresponde à ativação fisiológica que ocorre através dos sistemas endócrino e neurológico. Nos seres-humanos fatores anatómicos, fisiológicos e neuroendócrinos regulam o comportamento sexual e geram predisposições comportamentais para os estímulos eróticos. A testosterona é a hormona relacionada com o desejo sexual em ambos os sexos. O impulso diz respeito à ativação, à tendência para atuar e agir mediante o impulso. Algumas situações em que este impulso se manifesta são na fase de enamoramento, quando as pessoas se apaixonam (a dopamina produzida nestas situações faz com que haja um desejo de passagem à ação a nível sexual) e na fase da ovulação feminina, na qual o desejo sexual aumenta já que é o momento mais propício à fecundação;
  • Motivo – corresponde à fase psicológica do impulso sexual. Representa a disposição para a atividade sexual e manifesta-se pela integração do impulso sexual na personalidade e pensamento da pessoa, exigindo assim um “consentimento pessoal” para a ativação sexual, uma disposição para satisfazer o impulso sexual. Por isso, esta fase dependerá muito da própria história e educação sexual da pessoa, das suas crenças face ao sexo, que estarão relacionadas com a sua socialização e com o contexto em que se insere, bem como a relação que tem com o/a parceiro/a, etc;
  • Anseio – corresponde à representação sociocultural do desejo sexual e significa o desejo de efetivamente envolver-se numa atividade sexual, sendo independente do impulso e do motivo. Representa assim a influência do contexto social em que a pessoa se insere, pelo que as crenças sobre o desejo sexual vão ter um papel importante. Ou seja, se nos encontrarmos num contexto onde o desejo sexual é reconhecido e aceite, vai existir um incentivo a satisfazer esse desejo. Por outro lado, se o contexto diz que por exemplo a mulher não tem desejo sexual, é normal que esta não vá concretizar os seus desejos. Isto acontece em culturas mais repressivas para o sexo feminino, por exemplo. Um outro exemplo poderia ser estar numa situação de envolvimento sexual com várias pessoas ao mesmo tempo (orgia). A representação social de que isso é “errado” poderia aniquilar o impulso e o motivo e a levar a pessoa a não se envolver nessa atividade sexual.

As principais regiões cerebrais que estão envolvidas no desejo sexual são as regiões fronto-temporal-parietal e subcortical. Estas são zonas responsáveis por mecanismos como a satisfação, a emoção, as memórias e a representação mental. Também existem fatores genéticos associados ao desejo sexual, como por exemplo a produção de hormonas e neurotransmissores, como é o caso da testosterona e da dopamina.

O desejo sexual é geralmente importante para a qualidade de vida e satisfação do ser-humano. Sem desejo sexual não há atividade sexual ou prazer, o que pode fazer com que não exista uma vida sexual satisfatória, que por sua vez pode ter impacto nas outras dimensões de vida da pessoa e no seu bem-estar de uma forma global. O desejo sexual pode mesmo ser considerado um indicador importante para a saúde global e para a qualidade de vida.

Há um nível “normal” de desejo sexual?

É comum vermos como uma das principais dificuldades dos casais, sobretudo de longa duração, a falta de desejo sexual. No entanto, o que é que define a falta de desejo sexual? Qual a linha que indica que o desejo é baixo, normal ou excessivo? Há um critério objetivo?

Não existe um critério objetivo para definir o grau normal ou ideal de desejo sexual. Como indicado anteriormente, o desejo sexual é altamente subjetivo e depende de pessoa para pessoa. Como tal, aquilo que definirá um desejo sexual saudável é aquele com o qual a pessoa se sente bem e que lhe permite ter uma vida sexual satisfatória. Para uns isto pode implicar um desejo sexual muito presente numa base diária, para outros pode significar um desejo sexual presente em momentos específicos e com uma periodicidade diferente.

Não podemos classificar o desejo em termos de periodicidade, ou seja, “ter que ter desejo x vezes por dia ou por semana”. Isto porque o desejo é um processo mental, que depois vai dar origem à excitação. Como tal, não é algo que se faça ou se provoque, mas sim algo que surge associado a fatores emocionais, cognitivos e também ambientais e contextuais.

Podemos também considerar que pode existir um problema a nível do desejo sexual quando a pessoa não sente o mesmo desejo que sentia antes nas mesmas circunstâncias, e isso acaba por interferir na sua vida sexual e consequente satisfação com a mesma.

Em suma, não podemos definir critérios exatos e objetivos para o que é ou não um desejo sexual saudável, uma vez que isto pode ser variável. Aquilo que deve orientar um desejo sexual saudável e sem problemas é:

  • O facto de a pessoa conseguir sentir desejo nas situações desejadas e em que normalmente, para ela, o desejo surge;
  • O facto de o desejo sexual permitir à pessoa ter uma vida sexual satisfatória e saudável;
  • O facto de a pessoa não sentir que há fatores limitadores que interferem no seu desejo e que ela não consegue controlar, como pensamentos, emoções, ansiedade, pressões externas.

É importante também ter em conta que ao longo da vida existem variações no desejo sexual, e que este também pode ser influenciado pela idade.

O que pode causar a falta de desejo sexual?

Considerando que o desejo sexual é subjetivo e variável, as causas para a falta de desejo sexual também podem ser muito diversas. Uma das questões que muitas vezes está associada à falta de desejo sexual é a existência de problemas no relacionamento. Conflitos constantes, discussões e insatisfação com a relação podem fazer com que o desejo sexual diminua. Para além disso, é importante que exista um grau de atração entre os elementos do casal para que possa também existir desejo sexual.

A ansiedade ou pressão que por vezes está associada à sexualidade e ao sexo também podem estar na origem de problemas ao nível do desejo sexual. Por vezes a existência de expectativas irrealistas sobre o que deve ser adequado ou não em termos de desejo ou frequência da atividade sexual podem gerar ansiedade que por sua vez interfira no desejo sexual.

Falta de informação sobre a sexualidade, crenças repressivas (por exemplo religiosas ou culturais), técnicas ou práticas sexuais pobres podem também ter um peso e interferir ao nível do desejo sexual. Ter tido experiências sexuais negativas ou mesmo ter sofrido abusos sexuais pode criar entraves significativos ao nível do desejo sexual.

Não podemos esquecer que fatores de saúde podem também ter um papel importante no desejo sexual. Estes problemas podem ser ao nível da saúde física ou da saúde mental. Ao nível dos problemas físicos, algumas das situações de saúde que podem interferir no desejo sexual são: desequilíbrios hormonais, cansaço constante, stress, problemas de sono, distúrbios da tiroide, uso de determinados medicamentos, abuso de álcool ou drogas, doenças genéticas ou hereditárias, infeções, anemia, doenças autoimunes, doenças cardiovasculares, sedentarismo e obesidade, doenças sexualmente transmissíveis, esclerose múltipla ou demências.

Ao nível da saúde psicológica ou emocional, o stress e a ansiedade, o humor deprimido ou a presença de problemas de vida e preocupações podem reduzir o desejo sexual. Se a pessoa se encontra em desequilíbrio emocional e se a sua mente se encontra preenchida por preocupações constantes, é natural que seja difícil conseguir que o desejo sexual surja ou pelo menos que permaneça igual ao que era quando o equilíbrio estava presente. Além disso, problemas ao nível da autoestima e insatisfação com a imagem corporal também podem ter um impacto significativo no desejo sexual.

Disfunções sexuais associadas ao desejo sexual

Quando se verificam problemas limitadores ao nível do desejo sexual, pode tratar-se de uma disfunção sexual. Dentro das disfunções sexuais, considera-se a este nível o transtorno do interesse ou excitação sexual feminino. Caracteriza-se pela ausência ou redução significativa do interesse ou da excitação sexual, manifestada por:

  • Ausência ou redução do interesse pela atividade sexual;
  • Ausência ou redução dos pensamentos ou fantasias sexuais ou eróticas;
  • Nenhuma ou pouca iniciativa de atividade sexual e, geralmente, ausência de recetividade às tentativas feitas pelo/a parceiro/a;
  • Ausência ou redução da excitação ou prazer sexual durante a atividade sexual em quase todos ou em todos os encontros sexuais (em contextos específicos ou em todas as situações);
  • Ausência ou redução do interesse ou excitação sexual em resposta a quaisquer indicações sexuais ou eróticas, internas ou externas;
  • Ausência ou redução de sensações genitais ou não genitais durante a atividade sexual em quase todos ou em todos os encontros sexuais.

Esta perturbação pode estar presente ao longo de toda a vida, ou seja, nunca se verificou desejo sexual suficiente, ou pode aparecer ao fim de algum tempo sendo que anteriormente a pessoa conseguia ter um desejo sexual normal.

Como avaliar a disfunção ao nível do desejo sexual?

Se se verifica uma disfunção sexual associada ao desejo sexual, é importante recorrer a um profissional, nomeadamente um especialista em saúde sexual ou sexologia, para que seja realizada uma avaliação. Pode ser importante, mediante a situação, avaliar fatores hormonais, psicológicos e fisiológicos.

Na avaliação é importante compreender questões tais como:

  • História de vida da pessoa, nomeadamente a nível familiar, experiências de infância, primeiras experienciais sexuais, adaptação à puberdade;
  • Compreender que crenças e informações a pessoa tem acerca da sexualidade e como foram adquiridas, nomeadamente que tipo de educação sexual teve, prestando especial atenção a eventuais informações e crenças repressivas que tenham sido incutidas;
  • Avaliar fatores relativos ao casal e à relação conjugal, nomeadamente padrões de comunicação, fatores de insatisfação, desequilíbrios nos níveis de desejo sexual, comunicação sobre sexo e sexualidade, problemas e conflitos, entre outros;
  • Alterações no desejo sexual ao longo da vida e fatores ou causas associadas, bem como estratégias e formas de resolução que foram aplicadas;
  • Consumo de substâncias ou medicamentos que possam interferir com o desejo sexual;
  • Presença de doenças ou condições de saúde que possam interferir com o desejo sexual;
  • Presença de problemas de vida e stressores, como problemas laborais ou conflitos interpessoais.

Qual a intervenção para a falta de desejo sexual?

A falta de desejo sexual ou a falta de interesse por atividades de cariz sexual, ou ainda a diminuição do interesse sexual, requerem uma intervenção que procura explorar as inibições e as crenças disfuncionais associadas ao sexo, que muitas vezes são perpetuadas ao longo da vida da pessoa e resultam frequentemente de uma socialização mais repressiva em relação à sexualidade, o que impede uma vivência livre do prazer sexual.

Na intervenção também se procura questionar e modificar algumas atitudes negativas em relação à sexualidade, recorrendo-se para isso à reestruturação cognitiva. É importante ajudar a pessoa a tomar conhecimento dos seus pensamentos, das suas emoções e dos seus comportamentos negativos em relação ao sexo e à sexualidade, procurando focar quais as características ou fatores não desejados.

A reestruturação cognitiva, que trabalha ao nível do questionamento e modificação dos pensamentos negativos da pessoa associados ao sexo e à sexualidade, ajuda a que esta seja capaz de identificar os seus pensamentos automáticos disfuncionais e as crenças limitadoras. Também é importante transmitir à pessoa informação correta sobre a sexualidade e a resposta sexual.

Quando a pessoa se encontra numa relação muitas vezes é necessário intervir na dinâmica da própria relação, por exemplo para melhorar os padrões de comunicação e para promover uma comunicação mais saudável, nomeadamente ao nível da vida sexual do casal. É importante que o casal seja capaz de expressar entre si as suas preferências, desejos, anseios e fatores que agradam ou desagradam.

Na intervenção ao nível do desejo sexual muitas vezes procura-se criar no casal situações que não sejam tão exigentes e não causem tanta pressão, como por exemplo permitir que o desejo e a excitação ocorram num contexto mais livre de pressão. Neste sentido pode por exemplo ser sugerida a focalização sensorial sem penetração, ou seja, o casal explora o corpo um do outro com calma e desfrutando do momento, sem que isso leve ou tenha de levar à penetração. Também pode ser usado material erótico para explorar e elaborar fantasias e para a pessoa possa conhecer as suas fantasias e aquilo de que gosta e prefere.

Alguns exercícios de autoestimulação e masturbação podem ser também aconselhados, para a pessoa conhecer melhor o próprio corpo e sentir-se melhor nele, bem como descobrir o próprio prazer e aquilo que ativa o seu desejo sexual, num contexto mais individual e com menor pressão. Neste contexto as técnicas autoeróticas assumem um papel importante.

Algumas técnicas de treino do foco da atenção podem revelar-se úteis, como é o caso do mindfulness. Estas técnicas são utilizadas para ajudar a que a pessoa consiga focar-se no momento presente e no desfrute das sensações associadas aos estímulos sexuais e ao consequente desejo que pode surgir. Isto porque frequentemente o excesso de pensamentos e preocupações que ocupam a mente podem fazer com que o desejo sexual não tenha espaço para surgir.

Podem também ser aconselhados exercícios musculares, sobretudo no caso das mulheres, também conhecidos como exercícios de Kegel. Estes permitem à mulher adquirir uma maior consciência do seu prazer sexual, do funcionamento do órgão genital e da consciência do prazer e do orgasmo.

No caso das disfunções do desejo sexual hipoativo feminino, é usado por vezes um instrumento que se denomina EROS CTD, que consiste num instrumento colocado sobre o clitóris para aumentar a vasocongestão mediante um mecanismo de vácuo. Esta intervenção costuma só ser utilizada em último recurso e como complemento à restante intervenção.

Como aumentar o desejo sexual?

Melhorar o desejo sexual dependerá sempre dos motivos e dos objetivos de cada pessoa. É importante que o desejo sexual seja aceite e enquadrado nas necessidades de cada indivíduo e de cada casal, sabendo que não há regras definidas e únicas.

Assim, um bom desejo sexual é fundamental para o bem-estar e equilíbrio a todos os níveis. Algumas estratégias podem ajudar a potenciar o desejo sexual:

  • Desconstruir crenças e mitos errados sobre o sexo e o desejo sexual;
  • Partilhar com o/a parceiro/a desejos, fantasias, preferências e receios, adotando uma boa comunicação entre o casal;
  • Ver o sexo como mais do que a penetração, investindo na exploração do próprio corpo e do corpo do outro;
  • Encarar a sexualidade e o sexo como algo pessoal e de que pode desfrutar de forma livre;
  • Descobrir o seu corpo, os seus desejos, investir em experiências diferentes, encontrar diferentes estímulos eróticos e descobrir o que gosta e o que não gosta;
  • Diminuir o stress na vida diária e encontrar tempo para si e para o seu tempo livre e tempo de prazer;
  • Adotar um estilo de vida saudável, nomeadamente ao nível da alimentação, descanso, atividades de lazer e atividade física;
  • Trabalhar na sua autoestima e bem-estar pessoal, bem como na aceitação com o próprio corpo. A este nível, investir no autocuidado, priorizando-se e cuidando de si;
  • Não interpretar diretamente fases de menor desejo sexual do/a seu/sua parceiro/a como algo que está relacionado diretamente consigo, tentando compreender de forma empática o que poderá estar na origem da dificuldade;
  • Quebrar a rotina e aceitar novas experiências. No caso dos casais, adicionar novidades à relação, a nível geral e também a nível sexual, pode ser positivo.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.