Doenças psicossomáticas: quando o corpo pede para ser ouvido

doenças psicossomáticas

Podem sintomas físicos, dores e inclusivamente doenças orgânicas estar relacionados com a mente? A doença pode ser uma manifestação no corpo de problemas emocionais? E têm as emoções o poder de desencadear sintomas, doenças, que doem e se fazem sentir no organismo? Falamos de doenças psicossomáticas, ou quando o corpo interpõe pela mente, que pede desesperadamente para ser ouvida.

A ligação corpo e mente

Doença. Mal-estar. A estas palavras associamos, quase de imediato, males de que o nosso corpo padece. Visualizamos e imaginamos médicos, estetoscópios, exames e todo um rol de procedimentos médicos.

Muitas vezes consideramos corpo e mente como entidades separadas. Para as doenças da mente já não visualizamos o estetoscópio, os exames e procedimentos. Imaginamos antes um divã, um profissional de saúde que ouve, e receitas prescritas com medicação que intervêm nos males da mente.

No entanto, mente e corpo estão intrínseca e inevitavelmente conectados. Frequentemente quando não cuidamos da saúde física os males ressentem-se no nosso bem-estar mental. No entanto, o contrário também é verdade. Quando a saúde mental está comprometida, isso pode refletir-se no corpo.

O que são as doenças psicossomáticas?

Taquicardia, tremores, enjoos e dores de estômago, problemas gástricos, contraturas e dores musculares, pressão alta e palpitações, dor ou dificuldade em urinar, ardência na pele, problemas dermatológicos, impotência sexual ou alterações no ciclo menstrual, enxaquecas, alterações na visão e no equilíbrio, alterações na motricidade… Tudo isto são sintomas puramente físicos que sinalizam ou advêm de causas puramente orgânicas, certo? Não necessariamente.

Falo, aqui, das doenças psicossomáticas ou dos transtornos de somatização. Ocorrem quando a pessoa apresenta sintomas físicos, que podem ser múltiplos e diversos, que têm origem no sofrimento psicológico e não numa doença orgânica, ou que podem estar na origem de uma doença orgânica:

  • Sistema nervoso: cefaleias e enxaquecas, dores na vista, dormência, formigamentos e simulação de doenças neurológicas;
  • Pele: irritações, coceira e problemas dermatológicos provocados pelo sistema nervoso;
  • Músculos e articulações: dores, tensão e contraturas;
  • Dor de garganta: inflamação nas amígdalas e sensação de nó, como se a garganta ficasse fechada;
  • Sistema circulatório: dor no peito, palpitações, pressão arterial alta e sintomas parecidos com os do enfarte;
  • Sistema respiratório: falta de ar e sensação de sufoco;
  • Estômago: dor, náuseas, gastrites e úlceras gástricas;
  • Intestino: prisão de ventre ou diarreias;
  • Sistema urinário: dor e dificuldade em urinar e doenças urológicas;
  • Problemas sexuais: diminuição do desejo sexual, alterações no ciclo menstrual, impotência e dificuldade em engravidar.

Geralmente, e desafortunadamente, os problemas de saúde física são mais valorizados e atendidos rapidamente do que os problemas de saúde mental. Apressamo-nos a ir ao médico se surgem repentinamente sintomas físicos, mas podemos viver meses e até anos com o sofrimento emocional sem procurar ajuda profissional.

Quais as suas possíveis causas?

Como vimos, a doença psicossomática ocorre quando o corpo reage às condições atuais de vida, de saúde e de desequilíbrio emocional. De uma forma geral, qualquer mudança significativa pode constituir um fator potenciador deste tipo de sintomatologia:

  • Problemas do foro profissional: seja por excesso de trabalho ou pela falta dele, em situações de desemprego, ou mesmo em situações de transição de carreira ou insatisfação laboral;
  • Traumas e eventos ou situações marcantes;
  • Violência psicológica: por exemplo nos conflitos amorosos, bullying na escola, violência doméstica, entre outras situações;
  • Ansiedade e tristeza persistentes.

Por que processo passa quem padece desta doença?

Sendo a causalidade estabelecida pela própria pessoa que algo de errado se passa com o seu corpo, a estratégia é procurar um médico. Perceber e compreender o que se passa. Para que, a tempo e horas, seja prescrita alguma medicação ou tratamento que mitiguem prontamente o problema. Mas o tempo passa e as respostas não vêm. Ou são inócuas: não há nada de errado. Está tudo bem nos exames. Não há nenhuma gastroenterite que justifique os enjoos, vómitos e dores de estômago. A TAC mostra que nada justifica as enxaquecas e os outros sintomas neurológicos. Não existe nada na coluna que dê resposta às dores persistentes e incomodativas. O que sentimos? Alívio? Num primeiro momento sim. Afinal, lutamos incessantemente por ter saúde. Para que nada nesta máquina incrível esteja danificado. Mas depois vem a dúvida, e a angústia. Porque se não há causa, também não há remédio.

Gera-se a incompreensão, própria e alheia. A pessoa não compreende o que se passa consigo, e os outros muito menos. Ou se juntam ao protesto insistente de que “algo tem de estar errado”, ou se aliam na teoria de que é a pessoa que não está bem. Se calhar inventa as dores. Se calhar não dói assim tanto. Todo este cenário vem juntar uma boa dose de sofrimento, onde ele já existe em abundância. A dor emocional não pode fazer sentir-se no corpo. Ou pode?

Pode. E faz. E em todo este cenário há uma espera prolongada e angustiante. Entre exames, ausência de resposta, procura incessante. Consultar todo um rol de especialistas. Agendamento de consultas sucessivas. Que são adiadas. Mais um mês de espera. Mais outro. Agora experimente esta medicação. Agora vai ver aquele doutor, que é muito bom. Isto já não é da minha especialidade. Marca-se consulta ali. Depois acolá. O tempo passa, as dores continuam e a incerteza também. O sofrimento psicológico, esse que está na origem do quadro, aumenta.

A importância da sensibilização para a doença

O que é que é preciso? Conhecer a existência desta realidade. Entender que a causa principal desta descompensação física que aparece no corpo, reside no campo emocional, ligado, portanto, à mente, sentimentos, afetividade. São as emoções que impulsionam o desencadeamento de um episódio, de uma crise ou do aumento e manutenção de um ou vários sintomas físicos.

Não é fácil para a própria pessoa aceitar esta realidade. Realizar a associação entre a gastrite e o episódio ou raiz emocional que a pode ter desencadeado. É preciso sensibilizar as pessoas para esta possibilidade e urgente sensibilizar também os profissionais de saúde. Compreender a complexa interação entre mente e corpo. Que as alterações emocionais interferem no sistema neuroendócrino e imunológico. E que o desequilíbrio emocional pode provocar o colapso deste sistema, resultando em perturbações e doenças generalizadas em todo o corpo: desequilíbrio psicossomático.

Como intervir e tratar doenças psicossomáticas?

Qual é a “solução”? Os tratamentos médicos são necessários quando um quadro clínico orgânico está instalado. No entanto, é fundamental entender que estes apenas remedeiam a situação e, eventualmente, atenuam sintomas. A resolução do problema tem de residir na sua origem. Não podemos tratar uma árvore embelezando as suas folhas, temos de nutri-la desde a sua raiz. Por isso, é fundamental um acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, dependendo da gravidade do quadro.

As doenças psicossomáticas têm, frequentemente, na sua origem causas como traumas, ansiedade e depressão, situações de violência física e psicológica, stress, entre outras.

Como prevenir doenças psicossomáticas?

Se este problema resulta em primeira instância do desequilíbrio emocional, existem algumas estratégias que o podem ajudar a proteger-se emocionalmente, evitando o aparecimento de sintomas e doenças psicossomáticas:

  • Pratique o autoconhecimento: reflita sobre si próprio, sobre os seus pontos fortes e debilidades, os seus objetivos e frustrações;
  • Desenvolva a sua inteligência emocional: isto é, procure reconhecer e aceitar as suas emoções, aprender a geri-las de uma forma mais adequada e eficaz, e tente compreender também como reage perante as emoções dos outros e situações diversas;
  • Reavalie a sua história: é importante ser capaz de olhar e (re)interpretar a sua história de vida, identificando os seus fantasmas e problemas por resolver;
  • Não evite nem reprima as emoções: expresse aquilo que sente, não tente negar ou suprimir as emoções negativas, nem opte pelo isolamento como estratégia;
  • Priorize o autocuidado: não se esqueça de cuidar de si e de definir o tempo para si mesmo como uma prioridade absoluta;
  • Aprenda a perdoar, a si próprio e aos outros, uma vez que carregar mágoas causa prejuízos para o seu equilíbrio emocional;
  • Lembre-se que não tem de resolver tudo sozinho, e procure ajuda sempre que necessário, inclusivamente de um profissional de saúde, que o ajudará a reavaliar a sua vida emocional.

Em suma, urge valorizar e compreender a influência que a mente tem sobre o corpo. Entender a importância do equilíbrio biopsicossocial. Sobretudo é fundamental que os profissionais de saúde olhem a pessoa como um todo. Tomando-a na sua dimensão global, enquanto pessoa e não enquanto um simples conjunto de sintomas a decifrar.

Doenças como alergias, anemias, doenças respiratórias, doenças auto-imunes, doenças dermatológicas (como psoríase, eczema, alopecia, entre outras, que tendem a ter uma forte componente emocional), doenças gastrointestinais, entre tantas outras, têm muitas vezes associados problemas emocionais. Os pacientes devem ser entendidos, ouvidos, para que possam ter um correto encaminhamento da sua problemática.

O corpo não é mero recetáculo. Ele traduz a vivência de uma pessoa, que encerra em si um conjunto de vivências, experiências, emoções. E quando ele fala, mais do que examiná-lo, é preciso ouvi-lo.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.

Adicionar comentário