Ideação suicida: o que é, prevenção e tratamento

ideacao suicida

O suicídio é um problema que continua bastante presente na sociedade atual. O suicídio é um fenómeno complexo e multifacetado que resulta da interação de fatores de ordem fisiológica, antropológica, psicológica, biológica e social. Dada a sua complexidade, nem sempre é fácil compreender o suicídio e as suas implicações.

Além disso, no universo do suicídio existem várias dimensões, que vão desde a ideação suicida à tentativa de suicídio e ao suicídio consumado. É importante distinguir entre estes conceitos, uma vez que é possível que muitas pessoas tenham ideação suicida sem efetivamente consumarem uma tentativa de suicídio.

Este artigo pretende assim explicar de forma mais completa e clara o que é o suicídio e a ideação suicida, referindo ainda algumas formas de prevenção.

O que é a ideação suicida?

A ideação suicida, também conhecida como pensamentos suicidas, consiste em pensar sobre a morte e o suicídio. Estes pensamentos suicidas podem incluir apenas pensar sobre morrer, desejar “desaparecer”, ou até mesmo considerar e planear o suicídio. Obviamente que estes pensamentos variam em termos do grau de risco.

Alguém que pensa sobre o suicídio ou até que o sofrimento que sente é tão intenso que preferiria morrer, pode não ter de facto intenção de se suicidar. Por outro lado, se os pensamentos passam para o planear o suicídio, o grau de risco da sua concretização já é maior.

Os leques de ideações suicidas variam de pensamentos suicidas passageiros, pensamentos suicidas extensos, a um planeamento detalhado.

A ideação suicida está geralmente associada a depressão e outros transtornos do humor (tais como transtorno bipolar). No entanto, também pode surgir por outros transtornos mentais e eventos de vida, que podem aumentar o risco de ideação suicida. Por exemplo, muitas pessoas com transtornos de personalidade borderline apresentam comportamentos e pensamentos suicidas recorrentes.

Quais os pensamentos na ideação suicida?

Muitas pessoas em algum momento da sua vida pensam em cometer suicídio. Alguns dos pensamentos suicidas mais comuns são:

  • Não consigo parar a dor;
  • Não consigo pensar;
  • Não consigo decidir;
  • Não vejo nenhuma saída para a minha vida;
  • Não vejo nenhuma solução para o problema;
  • Nunca nada vai melhorar;
  • Não consigo dormir, comer ou trabalhar;
  • Não consigo afastar a tristeza;
  • Não consigo ver o futuro sem sofrimento;
  • Não valho nada;
  • Não estou aqui a fazer nada;
  • Estou sozinho.

Estes pensamentos suicidas podem obviamente variar de situação para situação, de pessoa para pessoa, mas é frequente existirem elementos de desesperança, sendo que a pessoa tem dificuldade em projetar o futuro de uma forma diferente ou positiva. É também comum o sentimento de desespero e de não conseguir suportar o sofrimento sentido.

O estado mental suicida pode ser caracterizado pela ambivalência no que diz respeito à confusão de sentimentos, a contraposição entre o desejo de viver e o de morrer, isto é, a pessoa visualiza a morte como único método e solução para o sofrimento, no entanto ainda mantém o desejo de viver. Por isso, o apoio emocional e o tratamento adequado são fundamentais para reduzir o risco.

Aspetos psicológicos do suicídio

Existem diferentes fases no desenvolvimento da intenção suicida, iniciando-se com a ideação suicida ou pensamentos suicidas. Posteriormente pode ser concebido um plano, que pode ser implementado por meios imaginários ou realistas, até, finalmente, poder culminar numa tentativa suicida.

Existem três características principais do estado em que se encontra a maioria das pessoas sob risco de suicídio:

  • Ambivalência: é a atitude interna característica das pessoas que pensam sobre o suicido, ou que apresentam ideação suicida. Quase sempre querem ao mesmo tempo alcançar a morte, mas também viver. O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita a prevenção do suicídio. Muitas pessoas em risco de suicídio estão com problemas e dificuldades e ficam nesta luta interna entre o desejo de viver e a vontade de terminar com o sofrimento sentido. O apoio emocional e o apoio especializado podem incrementar o desejo de viver e diminuir a ideação suicida e o risco de suicídio;
  • Impulsividade: o suicídio pode ser um ato impulso. Como qualquer outro impulso, o impulso de cometer suicídio pode ser transitório e durante apenas alguns minutos ou horas. Normalmente, é desencadeado por eventos negativos do quotidiano. Conseguindo gerir esta crise, as pessoas que rodeiam o indivíduo ou o profissional de saúde podem diminuir o risco de suicídio;
  • Rigidez ou constrição: o estado cognitivo de quem apresenta ideação suicida é, geralmente, de constrição. A consciência da pessoa passa a funcionar de forma dicotómica: ou tudo ou nada. Os pensamentos, os sentimentos e as ações são constritos, ou seja, constantemente pensam sobre suicídio como a única solução e não são capazes de perceber outras maneiras de sair do problema. Pensam de forma rígida e drástica: “o único caminho é a morte”, “não há mais nada a fazer”. Análoga a esta condição é a “visão em túnel”, que representa o estreitamento das opções disponíveis de muitos indivíduos.

O que sente a pessoa com ideação suicida?

Alguém com pensamentos suicidas encontra-se, invariavelmente, em sofrimento. As emoções associadas podem ser variáveis, sendo as mais comuns:

  • Desespero;
  • Desesperança;
  • Baixa autoestima;
  • Incapacidade de sair da situação e resolver os problemas;
  • Falta de interesse em atividades que antes eram agradáveis;
  • Aumento da ansiedade e/ou ataques de pânico;
  • Irritabilidade e agitação;
  • Sofrimento profundo.

Outros sinais e sintomas que acompanham a ideação suicida podem incluir perda de peso não intencional, desamparo, sensação de cansaço extremo, agitação, sentimento que a mente está acelerada. O aparecimento destes sintomas e a dificuldade em ser capaz de introduzir alterações na forma como a pessoa se sente ou se comporta está associado à ideação suicida. Assim, a inflexibilidade é uma característica associada, bem como os padrões recorrentes de sofrimento psicológico.

Porque é que a ideação suicida acontece?

Como indicado anteriormente o suicídio é um fenómeno complexo no qual interagem diversos fatores. O ponto em comum é sempre a existência de sofrimento emocional. A ideação suicida tem sempre origem no facto de a pessoa sentir a dor como insuportável e não conseguir equacionar outras soluções possíveis.

No entanto, existem alguns fatores de risco que contribuem para uma maior probabilidade de surgimento da ideação suicida:

  • História familiar de suicídio: pessoas que têm familiares que já tiveram historial de suicido (ideação, tentativas de suicido ou suicídio consumado) têm maior risco de apresentar ideação suicida;
  • Idade: o risco do surgimento da ideação suicida aumenta a partir da puberdade;
  • Admissão psiquiátrica prévia: o facto de a pessoa já ter necessitado de avaliação ou tratamento psiquiátrico aumenta também o risco de ideação suicida;
  • Estado emocional alterado ou instável (agitação, irritabilidade, descontrolo, agressividade);
  • Personalidade: alguns traços de personalidade podem contribuir para um maior risco de ideação suicida, nomeadamente a impulsividade ou dificuldade na resolução de problemas;
  • Pressão exterior e fatores stressantes;
  • Isolamento e recusa em falar;
  • Abandono de amigos e/ou atividades sociais;
  • Começar a despedir-se e a fazer preparativos para a morte;
  • Perda de interesse em passatempos, hobbies, trabalho, estudos, etc;
  • Envolvimento em riscos desnecessários;
  • Passar por perdas significativas recentes.

Os distúrbios psiquiátricos são dos principais fatores de risco para a pessoa apresentar ideação suicida, uma vez que estão associados a elevado sofrimento psicológico, aumentando assim consideravelmente o risco de ideação suicida.

Os distúrbios que aumentam o risco de ideação suicida incluem:

  • Perturbações de ansiedade;
  • Perturbações do espectro autista;
  • Perturbações depressivas;
  • Perturbação bipolar;
  • Perturbação de défice de atenção e hiperatividade;
  • Perturbação de stress pós-traumático;
  • Perturbações de personalidade;
  • Psicoses;
  • Paranoia;
  • Esquizofrenia;
  • Perturbação por uso de substâncias;
  • Perturbação disfómica corporal e disforia de género;
  • Perturbação da conduta e do comportamento.

Também as circunstâncias de vida podem incrementar o risco de ideação suicida, assim como conduzir ao desenvolvimento de algumas das perturbações psiquiátricas indicadas anteriormente.

Alguns dos eventos que podem incrementar o risco de ideação suicida são:

  • Historial de abuso na infância ou adolescência (físico, emocional e/ou sexual);
  • Abuso de álcool;
  • Expressão minoritária de género e/ou sexualidade (pessoas com identidade de género ou orientação sexual distinta da normativa);
  • Desemprego;
  • Condições físicas: doença crónica ou dor crónica, diagnóstico de doença terminal, doenças orgânicas incapacitantes, lesões desfigurantes, epilepsia, neoplasias malignas, HIV…;
  • Morte de pessoas próximas;
  • Fim de algum relacionamento significativo;
  • Mudanças significativas no padrão de vida;
  • Situações de bullying ou cyberbullying ou assédio no local de trabalho;
  • Ideação ou tentativas anteriores de suicídio (ter tido uma tentativa de suicídio anteriormente é um dos indicadores mais fortes de futuras ideações suicidas ou futuras tentativas de suicídio);
  • Violência comunitária;
  • Alterações indesejadas na imagem ou peso corporal.

Antidepressivos e ideação suicida

Como vimos, a ideação suicida está altamente relacionada com a existência de uma perturbação psiquiátrica, embora por vezes esta possa ainda não ter sido diagnosticada. De facto, várias pessoas com ideação suicida sofrem efetivamente de depressão, por exemplo, mas por falta de assistência ou por não terem recorrido a serviços de saúde mental, esta não se encontra devidamente diagnosticada.

No entanto, nos casos em que a perturbação é diagnosticada, frequentemente o tratamento envolve a medicação psiquiátrica, nomeadamente a toma de antidepressivos. A atuação deste tipo de medicação pode ter interferência na ideação suicida. O risco é maior no mês anterior ao início de um tratamento com antidepressivos.

Contudo, os antidepressivos aumentam discretamente a frequência de pensamentos suicidas (mas não de suicídios consumados) em pessoas mais jovens. Portanto, pais de crianças e adolescentes devem ser alertados, e crianças e adolescentes devem ser monitorizados cuidadosamente para identificar efeitos colaterais, como aumento da ansiedade, agitação, inquietação, irritabilidade, raiva ou mudança repentina para hipomania (quando a pessoa se sente alegre e cheia de energia, mas fica facilmente irritada, distraída e agitada) especialmente durante as primeiras semanas do uso do medicamento.

Quando é prescrito a alguém medicação antidepressiva, o médico prescritor toma algumas precauções para reduzir o risco de ideação suicida:

  • Dar uma quantidade de medicação ajustada;
  • Agendar consultas mais frequentes no início do tratamento;
  • Dar advertências claras à pessoa e aos seus familiares e entes queridos para ficarem alertas quanto à presença de piora dos sintomas ou ideação suicida;
  • Orientar a pessoa e os seus familiares para entrarem imediatamente em contacto com o médico que receitou o antidepressivo ou procurar ajuda caso os sintomas piorarem ou de ocorrerem pensamentos suicidas.

Fatores de proteção para a ideação suicida

Existem alguns fatores que tornam a pessoa menos propensa à ideação suicida ou, caso esta aconteça, menos propensa a concretizar a ideação suicida numa tentativa de suicídio:

  • Apoio da família, de amigos e de outros relacionamentos significativos;
  • Crenças religiosas, culturais e étnicas;
  • Envolvimento na comunidade;
  • Vida social satisfatória;
  • Integração social, como ter trabalho e ocupações de lazer;
  • Ter acesso a serviços e cuidados de saúde mental;
  • Apoio profissional.

Como prevenir o suicídio?

A maioria das pessoas com ideação suicida comunica os seus pensamentos suicidas, ainda que de forma indireta ou subtil. Frequentemente dão sinais e fazem comentários acerca dos pensamentos suicidas ou dos sentimentos de desvalorização pessoal e de desesperança. Por isso, uma das formas mais importantes de prevenção consiste em não ignorar estes sinais e em estar atento aos sinais de alerta.

Por detrás dos sinais de alerta que por vezes ignoramos estão pessoas que pensam sobre o suicido. Os sentimentos principais de quem apresenta ideação suicida são a depressão, a desesperança, o desamparo e o desespero. Por isso, atentar e conseguir perceber a presença destes sentimentos é fundamental.

Algumas frases de alerta podem ser as seguintes:

  • Preferia estar morto;
  • Não estou aqui a fazer nada;
  • Não aguento mais isto;
  • Sou um peso para os outros;
  • As pessoas vão ser mais felizes sem mim;
  • Só me apetece desaparecer.

Muitas vezes há a ideia errada de que falar sobre suicídio vai aumentar o risco. Isto não é verdade. Questionar e falar com a pessoa francamente sobre as ideias de suicídio, fazendo-o de modo sensato e franco, aumenta o vínculo com a pessoa e o seu suporte emocional, fazendo com que ela se sinta compreendida e acolhida. Também não devemos considerar que os sinais constituem ameaças vãs e que a pessoa não irá efetivamente tentar ou cometer o suicídio. A ameaça ou os sinais devem ser sempre levados a sério.

Perante alguém em sofrimento, é necessário ouvir e acolher o sofrimento da pessoa e aquilo que ela está a sentir, sem desvalorizar, questionar ou contrapor.

Por fim, é fundamental que exista um adequado encaminhamento e que a pessoa receba ajuda especializada o mais precocemente possível. A deteção e o tratamento precoce são as melhores maneiras de se prevenir a ideação suicida e o risco de suicídio. Se os sinais, sintomas e fatores de risco forem detetados precocemente, a pessoa poderá procurar tratamento e ajuda antes de passar para a tentativa de suicídio. Se uma perturbação psicológica for detetada, ela pode ser atendida e tratada, o que vai ajudar a prevenir as tentativas de suicídio.

É muito importante aumentar a disponibilidade do tratamento terapêutico na fase inicial e aumentar a sensibilização e conhecimento do público sobre quando a ajuda psicológica e/ou psiquiátrica pode ser benéfica e fundamental.

Qual o tratamento da ideação suicida?

O tratamento em casos de ideação suicida engloba diferentes abordagens e alternativas, sendo as principais:

  • Psicoterapia: para ajudar a pessoa a explorar os problemas e pensamentos suicidas e negativos e a adquirir novas habilidades para gerir as suas emoções e resolver os problemas;
  • Hospitalização: permite que o paciente esteja num ambiente seguro e supervisionado para impedir a concretização da ideação suicida, quando o risco é elevado. A hospitalização é indicada quanto maior for o grau de risco para si próprio e/ou para os outros, nomeadamente quanto maior a intenção suicida, a disponibilidade e acesso a meios letais, a falta de apoio social e a existência de plano suicida ou de sintomas agudos de perturbação psiquiátrica;
  • Tratamento em ambulatório: permite que a pessoa permaneça no seu local de residência e receba tratamento quando necessário ou de forma programada;
  • Medicação: a medicação deve ser prescrita com cuidado e uma avaliação clínica adequada, tendo em conta os possíveis efeitos secundários e a sua interferência na ideação suicida.

Caso identifique em alguém ideação suicida, não ignore! Seja pró-ativo e apoiante, e encaminhe a pessoa para que esta possa receber ajuda especializada. Existem também linhas telefónicas disponíveis que podem ser usadas em situações de crise:

  • SOS Voz Amiga: 800 202 669, 21 354 45 45, 91 280 26 69, 96 352 46 60
  • Telefone da Amizade: 808 223 353, 228 323 535
  • SOS Estudante: 808 200 204, 969 554 545
  • Escutar Voz de Apoio: 225 506 070
  • Conversa Amiga: 808 237 327, 210 027 159
  • Telefone da Esperança: 222 030 707

Se estive perante uma tentativa de suicido deve ligar 112.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.