Sabe o que é o socialismo? O conceito é comummente empregado de maneira abrangente e diversificada e, na generalidade das vezes, incorreta. Para que possamos utilizá-lo de forma adequada é fundamental conhecer o contexto histórico do seu desenvolvimento.
Neste artigo pretendemos discutir a importância da ideologia socialista no contexto da intensa transformação social do século XIX, no qual surgiu, bem como o seu desenvolvimento em experiências concretas de mudanças políticas sociais ao longo do século XX. Caso se interesse por este assunto, continue a leitura e entenda mais sobre este tema tão interessante e, por vezes, controverso. Boa leitura!
O socialismo é um sistema político e económico baseado na igualdade, visto que propõe uma distribuição igualitária dos rendimentos, a extinção da propriedade privada, a socialização dos meios de produção, a economia planificada e, além disso, a tomada do poder por parte dos trabalhadores, nomeadamente, pelo proletariado.
Para o socialismo, a sociedade ideal é aquela em que não existem classes sociais e na qual os bens e propriedade são compartilhados por todos. O objetivo é pôr fim às grandes discrepâncias económicas entre os cidadãos, isto é, eliminar a divisão entre ricos e pobres.
Entre os séculos XVIII e XX, no contexto da Revolução Industrial, o conceito de socialismo emerge como uma opção ao sistema capitalista. Contrário à posse privada da propriedade e crítico ferrenho dos efeitos da industrialização, o socialismo apresentou uma maneira nova e diferente de compreender a realidade social a partir da vontade de a transformar.
A sociedade industrial era dividida por dois grupos: num extremo estava presente a burguesia – classe que dominava os meios de produção (terras, indústrias e máquinas), e no outro, o proletariado, que possuía apenas a sua força de trabalho. Essa divisão possibilitava o enriquecimento da burguesia, enquanto ao proletariado eram reservados salários aviltantes e péssimas condições de trabalho. A extenuante jornada de trabalho diária variava de 12 a 18 horas, e nem mesmo as crianças eram poupadas do ritmo frenético e brutal de trabalho.
Mediante este cenário estarrecedor, o socialismo surge com a proposta de criar uma forma de organização coletiva, em que o proletariado não fosse mais explorado e pudesse, finalmente, ter direito aos bens produzidos pela emergente sociedade industrial. Essa forma de organização baseava-se na posse comum das indústrias e terras por todos os indivíduos da sociedade.
Socialismo utópico
O primeiro estudioso a utilizar o termo “socialismo” foi o filósofo e economista francês, Henri de Saint-Simon (1760 – 1825), cujos estudos defendiam a tecnocracia como forma de governo. Foi ele quem propôs a criação de um novo regime político-económico, em que todos repartissem os mesmos interesses e recebessem apropriadamente pelo seu trabalho. Era também contrário à formação de uma sociedade ociosa e à exploração económica de uns grupos sobre outros.
Todavia, essa proposta foi chamada de socialismo utópico (inclusive por Karl Marx, que anos depois traria uma nova abordagem socialista), visto que os seus formuladores propunham novos modelos de organização social sem de facto compreender a sociedade em que viviam. Por este motivo, eram considerados apenas como “reformadores” da sociedade capitalista.
As principais características do socialismo utópico são:
- Quebra da desigualdade social em busca de uma sociedade igualitária;
- Cooperação entre as classes;
- União de classes na procura de uma sociedade justa e ideal;
- Trabalho em sociedade;
Socialismo científico
Criado por Karl Marx (1818 – 1883) e Friedrich Engels (1820 – 1895) no século XIX, o socialismo científico, também conhecido como socialismo marxista, diferia em muito do socialismo utópico de Saint-Simon. Esta corrente teórica baseava-se numa análise histórica e filosófica da sociedade, e não acreditava numa sociedade ideal.
Para os marxistas, o capitalismo era baseado em duas classes: explorados e exploradores. Por essa razão, a proposta desta corrente esteve fundamentada na luta de classes, na revolução da classe proletária, no materialismo dialético e materialismo histórico e na doutrina da mais-valia. Além disso, esse grupo acreditava que dificilmente o capitalismo seria substituído por outro modelo político económico, portanto, defendiam que as suas leis fossem compreendidas, uma vez que a sua extinção não seria possível.
Principais características do socialismo científico:
- Extinção das classes sociais;
- Extinção da propriedade privada e controlo do Estado sobre a divisão igualitária dos rendimentos;
- Socialização dos meios de produção – todas as formas de produção passam a pertencer à sociedade e são controladas pelo Estado. Desta forma, a concentração de riquezas nas mãos de uma minoria seria abolida;
- Economia planificada, em que todos os setores económicos passam a ser controlados e dirigidos pelo Estado, que definirá os preços, os salários e a regulação do mercado como um todo;
- Extinção da diferenciação entre trabalho intelectual e trabalho material.
Foi de uma revolta da classe operária contra o governo francês, em 1871, que surgiu a primeira experiência prática do socialismo no mundo. Após a derrota da França na Guerra Franco-Prussiana, Adolphe Thiers assumiu o poder francês e assinou um acordo de paz com o chanceler prussiano, Otto Bismarck. Contudo, esse acordo era extremamente favorável à Prússia, motivo que provocou a ira dos trabalhadores. Apoiados pela Guarda Nacional, tomaram o poder e instauraram a Comuna.
O novo governo era composto por noventa representantes eleitos, de diferentes vertentes socialistas, entre elas a vertente marxista. Depois do sucesso da instauração do modelo em Paris, ocorreram diversas outras tentativas de criação de comunas em toda a França; todavia, todas foram combatidas pelos governos francês e prussiano. Após 72 dias de existência em Paris, a comuna foi derrubada pelas tropas francesas e prussianas, o que colocou um ponto final na primeira experiência de um governo socialista de composição operária.
Foi apenas no século XX, no ano de 1917, que o sistema socialista foi adotado por um país inteiro: a Rússia, que posteriormente se unificaria com outros países, formando assim a União Soviética. O regime foi implantado pelo Partido Bolchevique, liderado por Vladímir Lénine, depois que uma revolução derrubou a monarquia czarista. Não obstante, o governo de Lénine enfrentou uma forte oposição, sobretudo de setores associados ao antigo regime monarquista, o que provocou uma longa guerra civil. Terminado o confronto, a Rússia estava devastada, motivo que fez com que alguns princípios socialistas mais rígidos fossem momentaneamente, abandonados. Desta forma, surgiu uma Nova Política Económica (NEP), o que permitiu o regresso de formas de produção capitalistas, como a abertura de pequenas fábricas, investimento estrangeiro no país e diferenças salariais.
Cinco anos depois da sua implantação, em 1922, a Rússia já se encontrava sob o governo de Josef Stalin, e foi neste contexto que o país se uniu a outros países europeus para formar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Stalin extinguiu então a Nova Política Económica (NEP) e estabeleceu os planos quinquenais, cujas metas económicas deveriam ser atingidas num prazo de cinco anos. Além disso, priorizou a expansão e o desenvolvimento da indústria e centralizou diversos outros setores sob a tutela do Estado.
Embora o assunto seja bastante controverso, existem países que se autodeclaram socialistas, ainda que sofram notáveis influências do sistema capitalista, principalmente na esfera económica. Confira quais são estes países:
- Cuba: principal exemplo do socialismo moderno, o sistema cubano, instaurado em 1959, ainda mantém muito dos ideais socialistas, entre eles, a busca pela igualdade e a centralização dos serviços nas mãos do Estado. Todavia, o país já demonstra indícios da economia capitalista, como a indústria do turismo e o comércio externo – mesmo que este ainda esteja limitado pelo embargo económico imposto pelos Estados Unidos da América.
- China: implantado em 1949, o socialismo chinês começou a adotar aspetos capitalistas na economia a partir dos anos 1970. Atualmente, o país define-se como um “socialista de mercado”, visto ter uma estrutura política baseada no socialismo e um sistema económico capitalista.
- Coreia do Norte: o sistema coreano, instaurado em 1948 a partir da fragmentação da antiga Coreia, possui um rígido controlo político, contudo, já é possível observar o crescimento de um mercado privado, embora os representantes do governo aleguem ser esta uma medida de caráter provisório, devendo vigorar até que o país consiga produzir os bens de consumo necessários, o que evitará a fome dos seus cidadãos.
- Vietnam: o regime socialista foi adotado pelo país em 1976, após a guerra contra os Estados Unidos da América. Contudo, nos anos 1990 o governo vietnamita promoveu reformas na sua política económica similares àquelas realizadas na China. Assim, expandiu o seu setor industrial e registou o maior crescimento económico do Sudeste Asiático nos últimos anos, sendo hoje parte do grupo nomeado “Novos Tigres Asiáticos”, ainda que mantenha um sistema político socialista.
Embora sejam confundidos por boa parte das pessoas, socialismo e comunismo são sistemas diferentes. O socialismo é um sistema económico e ideológico que visa à igualdade entre os membros da sociedade, atuando como um estágio inicial para a definitiva implantação do comunismo. O comunismo seria a etapa final, o resultado da instauração das ideias socialistas. Nele, o governo seria formado pela classe trabalhadora, seria o proprietário principal e teria o poder decisório em todos os assuntos. Em outras palavras, o comunismo, dado jamais ter sido colocado em prática, seria uma utopia; sendo que o que foi colocado em prática por distintos governos no mundo foi o socialismo.