Transtorno da personalidade antissocial

transtorno da personalidade antissocial

O transtorno da personalidade antissocial insere-se dentro dos transtornos de personalidade e constitui um problema clinicamente significativo com grande impacto na vida da pessoa. Muitas vezes consideramos os atos da pessoa com este tipo de transtorno como sendo por maldade ou crueldade, no entanto na origem destes comportamentos pode na realidade estar um transtorno psicológico.

Assim, neste artigo pretendemos explicar o que é o transtorno de personalidade antissocial, quais os sintomas e características, bem como as formas de tratamento.

O que é o transtorno da personalidade antissocial?

Sendo o transtorno da personalidade antissocial um transtorno de personalidade, isto significa que ele se caracteriza por um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura ou sociedade em que a pessoa se insere.

Este padrão pode manifestar-se nas seguintes dimensões:

  • pensamentos (formas de perceber e interpretar a realidade, a si mesmo, aos outros e a situações ou eventos);
  • afetividade (variação, intensidade, labilidade e adequação das respostas emocionais);
  • funcionamento interpessoal e controlo de impulsos.

Nos transtornos de personalidade este padrão persistente é inflexível e abrange diversas situações pessoais e sociais, para além de provocar sofrimento ou prejuízo na funcionalidade da pessoa nos vários domínios da sua vida.

Sintomas do transtorno da personalidade antissocial

O transtorno da personalidade antissocial, especificamente, caracteriza-se por um padrão difuso de desconsideração e violação dos direitos das outras pessoas. Assim, a pessoa adota persistentemente comportamentos que violam os direitos básicos de outras pessoas ou as normas da sociedade. Estes comportamentos podem constituir agressão a pessoas e animais, destruição de propriedade, fraude ou roubo ou violação grave de regras. O transtorno de personalidade antissocial geralmente tende a manifestar-se a partir dos 15 anos de idade.

A pessoa com transtorno de personalidade antissocial tem dificuldade acentuada em ajustar-se às normas da sociedade em que vive, nomeadamente normas e regras relativas a comportamentos legais. Deste modo, a pessoa acaba por envolver-se em atos e comportamentos que constituem motivos de detenção, como destruir propriedade alheia, assediar outras pessoas, roubar ou ter ocupações ilegais, tendo tendência a ter vários contactos com a justiça.

Há também, nas pessoas com personalidade antissocial, uma tendência para a falsidade, ou seja, para mentir constantemente, usar nomes falsos ou enganar para ganho ou prazer pessoal. Há claramente um desrespeito pelos desejos, direitos ou sentimentos dos outros.

A pessoa com transtorno de personalidade antissocial é impulsiva, tendo dificuldades em fazer planos para o futuro. As decisões são tomadas no calor do momento, sem analisar ou considerar as consequências para si ou para os outros, o que leva muitas vezes a mudanças repentinas de emprego, casa ou de relacionamentos. A pessoa com personalidade antissocial irrita-se também com facilidade e é agressiva, envolvendo-se muitas vezes em conflitos físicos e agressões.

As ações da pessoa com transtorno de personalidade antissocial demonstram frequentemente falta de preocupação com a sua segurança ou a segurança das outras pessoas. Isto observa-se por exemplo através de padrões de condução desadequados, como por exemplo conduzir em excesso de velocidade ou sob o efeito de álcool ou outras substâncias, resultando muitas vezes em múltiplos acidentes. Também pode envolver-se em comportamentos sexuais de risco ou negligenciar o cuidado de uma criança ao ponto de colocá-la em perigo.

Assim, há uma irresponsabilidade reiterada, que se manifesta na dificuldade constante em manter um comportamento consistente e adequado no trabalho ou em, por exemplo, cumprir obrigações financeiras. A pessoa com personalidade antissocial tende por exemplo a ter períodos significativos de desemprego, apesar de existirem oportunidades de trabalho disponíveis, ou a abandonar vários empregos sem terem um plano realista para conseguir outro emprego. Também tendem a faltar muito ao trabalho. A irresponsabilidade financeira, por outro lado, tende a manifestar-se por atos de incumprimento, não conseguir sustentar a família, entre outros.

Adicionalmente, verifica-se também ausência de remorso, sendo que a pessoa com personalidade antissocial demonstra-se frequentemente indiferente em relação aos seus comportamentos desadequados, ou racionaliza o facto de ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas. Ao fazê-lo, podem racionalizar pensando por exemplo “a vida é injusta” ou “ele mereceu”, culpando muitas vezes as vítimas por serem merecedoras do seu destino. Consequentemente, a pessoa com personalidade antissocial não consegue compensar adequadamente os seus comportamentos desadequados.

Características das pessoas com personalidade antissocial

As pessoas com transtorno de personalidade antissocial têm muitas vezes características específicas que estão na base da manifestação do transtorno. Uma delas é a falta de empatia com consequente tendência para serem insensíveis, cínicas ou desdenhosas em relação aos sentimentos, direitos e sofrimento dos outros.

O autoconceito das pessoas com transtorno da personalidade antissocial é muitas vezes inflado, resultando em arrogância. Podem por exemplo considerar que o trabalho comum das outras pessoas está abaixo deles ou carecer de uma preocupação real em relação aos problemas das outras pessoas. Isto leva a que, muitas vezes, opinem demasiado sobre as situações dos outros e se mostrem muito autoconfiantes ou convencidos.

Uma característica que muitas vezes se verifica nas pessoas com transtorno de personalidade antissocial é a exibição de um charme desinibido e superficial, usando por vezes termos técnicos ou gíria para impressionar ou inferiorizar uma pessoa que desconhece o assunto ou tema.

Nos relacionamentos sexuais, por exemplo, as pessoas com transtorno de personalidade antissocial tendem a ser irresponsáveis e exploradoras. Podem ter vários parceiros sexuais e ser promíscuos, com dificuldade em manter um relacionamento monogâmico. Como pais, tendem também a ser irresponsáveis, tendo dificuldade em suprimir adequadamente as necessidades dos filhos, verificando-se por exemplo desnutrição da criança, má higiene, dependência de terceiros para cuidados dos filhos, etc. São por vezes pessoas com dificuldade em manter uma vida estável e garantir o seu próprio sustento, devido às decisões impulsivas. Também há uma maior tendência das pessoas com transtorno de personalidade antissocial de morrer de forma prematura e violenta (ex: suicídio, homicídio, acidentes).

Por vezes as pessoas com transtorno de personalidade antissocial também apresentam disforia, queixas de tensão, humor deprimido e incapacidade em tolerar a monotonia. Consequentemente, podem apresentar transtornos depressivos, transtornos de ansiedade, transtornos por uso de substâncias, transtornos de controlo dos impulsos, entre outros. Quando a pessoa tem experiências de vida precoces adversas, como por exemplo sofrer de abuso ou negligência infantil ou ter pais instáveis, há uma maior probabilidade de o transtorno da conduta apresentado na infância evoluir para transtorno da personalidade antissocial.

A pessoa com transtorno de personalidade antissocial tem um padrão cognitivo, ou seja, de pensamento, específico, que se caracteriza muitas vezes por um “pensamento criminoso”. Este é expresso por padrões de pensamento que facilitam o comportamento criminoso e autodestrutivo. Este padrão pode incluir a procura de aprovação de pessoas que cometem atos criminosos, a desconsideração dos outros, falta de empatia e ausência de remorso, o evitamento da intimidade e da vulnerabilidade, a hostilidade e desconfiança em relação aos agentes de justiça (polícias, juízes), a grandiosidade e a procura de dominância e controlo sobre os outros.

Transtorno de personalidade antissocial e gaslightning

O fenómeno de gaslightining é comum no transtorno de personalidade antissocial. É um fenómeno que se caracteriza pela manipulação de pessoas, ou seja, consiste em fazer alguém questionar-se a si próprio, questionar a sua própria memória, perceção da realidade ou até mesmo a sua própria sanidade.

Como vimos, uma das características do transtorno da personalidade antissocial é a falsidade e o uso de mentiras para benefício próprio, pelo que é comum que as pessoas com personalidade antissocial adotem comportamentos de gaslightning. Muitas vezes distorcem o que a outra pessoa disse e viram-no contra ela, convencem a pessoa de que está louca, de que é agressiva ou fonte de problemas, de que não consegue gerir a sua própria vida, etc.

As pessoas com transtorno de personalidade antissocial acreditam muitas vezes que todos os outros é que estão errados, e elas estão certas. Consequentemente, podem acabar por ser cruéis, mentir e fazer com que a outra pessoa se questione a si própria. A manipulação torna-se muitas vezes num estilo de vida que as entretém e alimenta. O facto de conseguir manipular e impactar a outra pessoa com as suas palavras e ações torna-se viciante. A manipulação acaba por ser indiciosa e lenta, com o objetivo de tirar o equilíbrio às outras pessoas e fazê-las questionar a própria realidade.

As principais características deste fenómeno e que muitas vezes se verificam nas pessoas com transtorno de personalidade antissocial são: não ser sincero ao pedir desculpas, ser “graxista” ou bajulador, esperar que lhes seja dado algum tipo de tratamento especial, tratar mal as pessoas que acham ser inferiores, comparar a pessoa com outras, usar as fraquezas da outra pessoa, obsessão por si mesmo ou com a sua imagem,  provocar medo nos outros, ser temperamental, mostrar indiferença quando punido, fingir sentir empatia, desgastar os outros, recusar assumir a responsabilidade pelas suas ações, projetar as suas emoções noutras pessoas, exigir lealdade mas não cumprir promessas…

Causas do transtorno de personalidade antissocial

Sendo um transtorno complexo e que envolve várias dimensões, também as causas e razões para o seu desenvolvimento são variadas.

O transtorno da personalidade antissocial tem também fatores genéticos e fisiológicos na sua origem. Há por exemplo um maior risco de desenvolver o transtorno se os familiares biológicos de primeiro grau tiveram o transtorno. Dentro de uma família na qual um membro apresenta transtorno da personalidade antissocial, os indivíduos do sexo masculino têm mais frequentemente transtorno da personalidade antissocial, e por uso de substâncias, enquanto que os do sexo feminino apresentam com mais frequência transtorno de sintomas somáticos.

Os estudos com crianças adotadas mostram que quer os fatores genéticos quer os ambientais contribuem para o risco de desenvolvimento do transtorno da personalidade antissocial. Isto porque tanto filhos aditivos quanto filhos biológicos de pais com o transtorno têm um risco aumentado de desenvolver transtorno de personalidade antissocial.

A maior parte das pessoas que apresentam transtorno da personalidade antissocial começam a exibir problemas de comportamento desde cedo, em criança. Os comportamentos podem ser de mentiras recorrentes, mau comportamento na sala de aula, bullying, etc. Apresentam comportamentos impulsivos com frequência.

Como é realizado o diagnóstico?

O diagnóstico do transtorno da personalidade antissocial torna-se muitas vezes difícil por a pessoa não ter suficiente consciência crítica dos seus comportamentos ou por não considerar que eles são um problema.

O diagnóstico e avaliação do transtorno da personalidade antissocial deve ser realizado por um profissional na área da saúde mental (psicólogo ou psiquiatra), que possui as competências e ferramentas necessárias para realizar esta avaliação. São procurados traços característicos do transtorno da personalidade antissocial, por meio de entrevista clínica e também com recurso a instrumentos de avaliação psicológica (testes e questionários).

Alguns dos pontos principais que são averiguados na avaliação deste transtorno são:

  • A eloquência e superficialidade da pessoa, ou seja, a sua capacidade de convencer e manipular os outros em benefício próprio;
  • O egocentrismo e a grandiosidade: versão narcisista de si mesmo e egocentrismo, acreditando que pode fazer tudo e considerando-se “o centro do universo”;
  • Ausência de remorso ou culpa;
  • Falta de empatia;
  • Tendência ao engano e manipulação;
  • Pobreza emocionais, ou seja, limitação em termos da gama e amplitude de emoções sentidas;
  • Impulsividade;
  • Dificuldade no controlo de comportamentos;
  • Irresponsabilidade.

Tratamento para o transtorno da personalidade antissocial

O tratamento para o transtorno da personalidade antissocial é complexo e nem sempre se conseguem os resultados pretendidos. Isto porque geralmente a pessoa não tem vontade de mudar ou sequer a perceção de que esteja a agir erradamente. Consequentemente, o tratamento acaba por acontecer por duas vias: ou por a pessoa procurar o tratamento por outros motivos (por exemplo, porque se encontra deprimida ou ansiosa), ou por, ao ser integrada no sistema de justiça, ser “obrigada” a cumprir tratamento.

A eficácia do tratamento é outro problema, ou seja, mesmo que a pessoa chegue efetivamente ao tratamento, será difícil conseguir fazer com que isto seja eficaz, já que a motivação para a mudança é parte integrante de qualquer tratamento.

Os tratamentos indicados para o transtorno da personalidade antissocial são a psicoterapia e a terapêutica farmacológica, com acompanhamento psiquiátrico. No entanto, a psicoterapia exige que a pessoa saiba que existe um problema e queira mudá-lo, o que muitas vezes não acontece com pessoas com transtorno da personalidade antissocial.

Outro obstáculo na psicoterapia com pessoas com personalidade antissocial é o facto de a estrutura de personalidade ser extremamente resistente às influências externas, ou seja, muito inflexível. Os padrões de personalidade adotados acabam por se refletir também na terapia. Pode ainda acontecer que estas pessoas, quando forçadas de alguma forma a fazer psicoterapia, acabem apenas por manipular e “fingir”, em vez de estarem a fazer um trabalho efetivo de melhoria.

Assim, no tratamento com pessoas com transtorno da personalidade antissocial o trabalho do psicólogo é extremamente exigente e difícil. Grande parte desse trabalho é essencialmente o de promover a motivação da pessoa e o envolvimento e identificação com os objetivos do tratamento.

Assim, um dos principais instrumentos utilizados é a entrevista motivacional, procurando promover a motivação da pessoa para o tratamento. Procura-se ainda rever sinais e sintomas, focar em qualidades e valores, bem como em objetivos, diminuir os danos e os riscos existentes, etc. Muitas vezes o terapeuta precisa de encontrar lacunas no raciocínio da pessoa de forma a demonstrar a incoerência dos seus padrões de pensamento e comportamento.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.