O regime jurídico do maior acompanhado veio ditar um novo paradigma no tratamento a dar a todos aqueles que por algum motivo não possuem as capacidades necessárias para exercerem os seus direitos e cumprirem os seus deveres. Fique a conhecer ao longo deste artigo este novo instituto jurídico, nomeadamente a figura do acompanhado, do acompanhante e as medidas de acompanhamento que lhe podem ser aplicadas.
O que é o regime do maior acompanhado?
O regime jurídico do maior acompanhado veio substituir os anteriores institutos da interdição (pensado para situações mais graves) e da inabilitação, aplicados a, por exemplo, portadores de anomalia psíquica, cegueira ou mesmos possuidores de comportamentos desviantes.
Porém, a dinâmica social e fenómenos demográficos como o aumento da esperança média de vida, ditaram a necessidade de ser criado um novo instituto dotado de uma maior flexibilidade, isto é, capaz de se modelar a cada situação concreta e abandonar a rigidez dos regimes anteriormente previstos, no qual a principal missão passa por proteger e não por incapacitar.
Quem pode ser o maior acompanhado?
A lei vem dizer-nos que se trata de um maior que, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento (no qual se incluem, por exemplo, os toxicodependentes e os incapazes de governar o seu património), está impossibilitado de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
Ressalva-se o facto de, por uma questão preventiva, o acompanhamento poder ser requerido e instaurado dentro do ano anterior à maioridade, a fim de produzir efeitos a partir daquela data.
A quem cabe determinar as medidas?
O acompanhamento de maior é decidido pelo tribunal, em processo que assune carácter urgente, e no qual é ouvido pessoal e diretamente o beneficiário (o acompanhado), a fim de ser averiguada a sua situação e determinar as medidas de acompanhamento que se entendam mais adequadas.
Em igual medida, são ainda atendidos outros elementos probatórios, nomeadamente a perícias médico-legais nas quais se avalia as condicionantes físico/psíquicas que afetam o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis.
Assim, nos processos de maior acompanhado o juiz assume um papel fulcral, dado que lhe compete apreciar as limitações e estabelecer as medidas.
De todo o modo, e caso assim se justifica, pode em qualquer altura do processo ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do maior acompanhado.
O que visa o acompanhamento?
O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, à exceção daqueles que lhe sejam vedados pela lei ou determinados por sentença.
Quem pode requer o regime do maior acompanhado?
O acompanhamento pode ser requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto ou por qualquer parente sucessível. Independentemente de autorização, pode também o Ministério Público desencadear o processo.
Quem pode ser acompanhante?
O acompanhante, necessariamente de maioridade e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo maior acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.
Na falta de escolha, nomeadamente pelo facto de o acompanhado não ter o discernimento bastante para o fazer, o acompanhamento caberá, segundo determinação do juiz, à pessoa que melhor salvaguarde o interesse do beneficiário, podendo tal função recair sobre o cônjuge não separado, judicialmente ou de facto, ao unido de facto, a qualquer dos pais, a pessoa designada pelos pais, pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado, a filhos, a avós, a pessoa indicada pela instituição em que o maior acompanhado esteja integrado, a mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação ou a outra qualquer pessoa idónea para o efeito.
Note-se que a lei admite a possibilidade de poderem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um.
Quais os deveres do acompanhante?
O acompanhante do maior deve privilegiar o bem-estar e a recuperação do maior acompanhado, mantendo com este um contacto permanente, devendo visitá-lo, no mínimo, uma vez por mês, ou noutra periodicidade que o tribunal considere adequada.
As funções do acompanhante são gratuitas, sem prejuízo da alocação de despesas, consoante a condição do maior acompanhado e a do acompanhante. Porém, o acompanhante presta contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função ou, na sua pendência, quando assim seja judicialmente determinado.
Qual o âmbito e conteúdo do acompanhamento?
O acompanhamento do maior cinge-se sempre ao necessário, em função de cada caso. Independentemente do que haja sido requerido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:
- Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias;
- Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária;
- Administração total ou parcial de bens;
- Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos;
- Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas.
Porém, os atos de disposição de bens imóveis do maior acompanhado carecem sempre de autorização judicial prévia e específica.
Que atos pode o maior acompanhado praticar?
A lei diz-nos que o exercício pelo maior acompanhado de direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário, como já fizemos referência.
São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar.
O acompanhamento pode cessar ou ser modificado?
Sempre que assim se justifique, o acompanhamento do maior cessa ou é modificado, carecendo sempre de uma decisão judicial para o efeito. O pedido de cessação ou modificação do acompanhamento do maior pode ser requerido pelo próprio acompanhante ou por qualquer uma das pessoas que tem legitimidade para desencadear o processo de maior acompanhado, que acima já referimos.
Não obstante, o tribunal é obrigado a rever as medidas de acompanhamento do maior em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos.
E se o acompanhado praticar atos para os quais não está habilitado?
Os atos praticados pelo maior acompanhado que não observem as medidas de acompanhamento decretadas ou a decretar podem ser anuláveis, desde que sejam posteriores ao registo do acompanhamento do maior, que reveste carácter obrigatório, ou ainda quando praticados depois de anunciado o início do processo, mas, neste caso, apenas após a decisão final e caso se mostrem prejudiciais ao maior acompanhado.
– artigo redigido por um jurista com base no Lei n.º 49/2018 (Regime Jurídico do Maior Acompanhado)
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