No momento em que é praticado um crime, poder-se-á, desde logo, atuar mediante a detenção do suspeito do crime e, no final do processo penal, provada que esteja a prática do crime pelo suspeito/arguido, será aplicada uma pena.
Mas que garantias temos durante o processo penal? Isto é, como é garantido que, durante o processo (que sabemos que se poderá estender até por vários anos), o arguido não se ausenta para parte incerta ou que comparece às diligências processuais?
Neste artigo abordamos as medidas de coação, procurando dar resposta a algumas das perguntas mais frequentes sobre este tema, nomeadamente em que consistem, quais as finalidades e quando são aplicadas. Boa leitura!
O que são medidas de coação?
As medidas de coação estão previstas no Código de Processo Penal (Decreto-Lei n.º 78/87) e nada mais são que um conjunto de obrigações impostas ao arguido durante o processo penal que condicionam a sua liberdade.
Qual o objetivo das medidas de coação?
As medidas de coação visam garantir o contato com o arguido evitando assim o perigo de fuga, a não repetição da atividade criminosa e a produção de determinados efeitos processuais (como a eficácia das comunicações, por exemplo).
Quando são aplicadas medidas de coação?
Para serem aplicadas, estas medidas terão de se revelar necessárias, adequadas e proporcionais ao caso em concreto, ou seja, tem de existir fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação da investigação, nomeadamente de ocultação de prova, ou perigo de o arguido continuar a atividade criminosa ou perturbar gravemente a ordem e tranquilidade públicas. No entanto, o termo de identidade e residência (TIR) será sempre aplicado.
As medidas de coação são aplicadas na fase de inquérito (fase inicial do processo penal ou fase de investigação), em que o suspeito do crime já foi constituído arguido no processo, mas que ainda não se encontra provado que é o autor do crime.
Quem aplica as medidas de coação?
Com exceção do termo de identidade e residência (TIR), que pode também ser aplicado pela Polícia ou pelo Ministério Público, as medidas de coação são aplicadas mediante despacho do Juiz.
As medidas de coação podem ser revogadas?
Sim. As medidas de coação podem ser revogadas por despacho do Juiz se tiverem sido ilegalmente impostas ou se as circunstâncias que justificaram a sua aplicação deixarem de existir. No entanto, isso não impede que voltem a ser aplicadas se tal se justificar. Relativamente às medidas mais gravosas (prisão domiciliária e prisão preventiva), serão revistas pelo menos de 3 em 3 meses pelo Juiz, que decidirá pela sua manutenção ou não.
As medidas podem ser substituídas?
Sim. A substituição de medidas de coação, por outras menos gravosas, podem ter lugar por iniciativa do próprio juiz ou mediante requerimento do arguido do do Ministério Público (MP). Isto poderá ocorrer sempre que os pressupostos da aplicação de uma qualquer medida tenham diminuído. A título de exemplo referir que, entre outros, a prisão preventiva poderá ser substituída pela obrigação de permanência na habitação
É possível recorrer da sua aplicação?
O arguido ou o Ministério Público (MP) podem recorrer das decisões do Juiz que aplicam, substituem ou mantêm medidas de coação e o recurso é julgado no prazo de 30 dias. No caso de prisão (domiciliária ou preventiva) ilegal, o arguido ou qualquer cidadão no uso dos seus poderes políticos, pode ainda usar de uma providência de “habeas corpus”, que consiste numa petição dirigida ao Supremo de Tribunal de Justiça para a libertação do preso, fundamentada na ilegalidade daquela prisão.
Qual a duração das medidas de coação?
O termo de identidade e residência (TIR) mantem-se até ao final do cumprimento da pena (se existir) ou pelo menos até ao final do processo penal e a caução dura o tempo que for necessária. Relativamente às restantes medidas, a duração máxima é determinada consoante a fase do processo em que se esteja, de acordo com a lei.
Que medidas de coação existem?
As medidas de coação possíveis de aplicação são o(a):
- Termo de identidade e residência (TIR);
- Prestação de caução;
- Obrigação de apresentação periódica;
- Suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos;
- Proibição e imposição de condutas;
- Obrigação de permanência na habitação (prisão domiciliária);
- Prisão preventiva.
1. Termo de identidade e residência
O termo de identidade e residência (TIR) consiste no dever do arguido se identificar e indicar a sua morada (residência, local de trabalho ou outro domicílio), bem como de mantê-la sempre atualizada (caso mude de residência ou se ausente dela por mais de 5 dias, tem de o comunicar ao Tribunal), pois será nessa morada que receberá as comunicações do Tribunal, considerando-se validamente notificado.
Com esta medida de coação, o arguido fica ainda obrigado a comparecer perante as autoridades sempre que a lei o obrigue ou para isso seja notificado, sob pena de, não comparecendo, poder ser realizada a diligência na sua ausência, ainda que representado por defensor, com as consequências que daí possam advir.
Em que casos é aplicado o TIR?
Em todos. Sendo a menos gravosa das medidas de coação, o termo de identidade e residência é sempre aplicado quando uma pessoa é constituída arguida e por isso pode ser cumulada com outra medida de coação.
2. Prestação de caução
A caução consiste na obrigatoriedade de o arguido entregar determinado montante como garantia de que irá comparecer aos futuros atos processuais e de que irá cumprir outras medidas de coação que lhe foram aplicadas.
Em que casos é aplicada a caução?
A caução é aplicada aos casos em que ao arguido é imputado um crime punível com pena de prisão e pode ser cumulada com outras medidas de coação, exceto as mais gravosas (prisão domiciliária e prisão preventiva).
Como é fixado o montante da caução?
O montante da caução é fixado de acordo com o fim a que se destina, a gravidade do crime, o dano causado pelo crime e também pela condição socioeconómica em que o arguido se encontre.
De que forma é prestada a caução?
A caução é prestada mediante:
- Depósito;
- Penhor;
- Hipoteca;
- Fiança (bancária ou não).
A caução pode ser modificada ou quebrada?
Sim. Se forem conhecidas circunstâncias que tornem a caução insuficiente ou impliquem a modificação da forma como é prestada, o Juiz pode impor o reforço ou a modificação. Por outro lado, se o arguido injustificadamente faltar a ato processual ou incumprir com outras medidas de coação, a caução considera-se quebrada.
3. Obrigação de apresentação periódica
A obrigação de apresentação periódica consiste no dever de o arguido se apresentar no tribunal ou na polícia em dias e horas preestabelecidos.
Quando pode ser aplicada a obrigação de apresentação periódica?
A obrigação de apresentação periódica pode ser aplicada aos casos em que o crime imputado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 6 meses.
Como é fixada a obrigação de apresentação periódica?
A obrigação de apresentação periódica é fixada tendo em conta o horário de trabalho do arguido e a sua residência.
4. Suspensão de profissão, função, atividade e direitos
Cumulativamente com outras medidas, pode ser imposto ao arguido que temporariamente não possa exercer determinada profissão, função ou atividade, pública ou privada, ou que não possa exercer as responsabilidades parentais, tutela, administração de bens ou emissão de títulos de crédito.
Em que situações pode ser imposta esta suspensão?
A suspensão do exercício de profissão, de função, de atividades e de direitos pode ser imposta no caso de crime punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos e se a proibição desse exercício puder resultar da condenação pelo crime.
5. Proibição e imposição de condutas
A proibição e imposição de condutas pode consistir na proibição de o arguido frequentar certos lugares ou a imposição de não se ausentar de certos lugares, na proibição de contactar certas pessoas, de adquirir, usar ou entregar armas e ainda na imposição de se sujeitar a tratamento de dependência.
Quando pode ser aplicada a imposição ou proibição de condutas?
A proibição ou imposição de condutas pode ser aplicada se houver fortes suspeitas da prática de um crime punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos. Estas proibições ou imposições podem ser aplicadas separada ou cumulativamente.
6. Prisão domiciliária
A prisão domiciliária ou obrigação de permanência na habitação consiste no dever de o arguido não se ausentar, ou pelo menos sem a respetiva autorização, da sua residência.
Como saber se o arguido está a cumprir a prisão domiciliária?
A prisão domiciliária é controlada através dos chamados meios técnicos de controlo à distância (pulseiras eletrónicas), que são instalados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
7. Prisão preventiva
A prisão preventiva é a medida de coação mais gravosa, razão pela qual a sua aplicação se pautará de acordo com princípio da subsidiariedade, isto é, esta medida deverá apenas ser aplicada quando as demais medidas, mesmo a obrigação de permanência na habitação, se revelem insuficientes ou inadequadas ao caso concreto.
Há lugar a compensação se a prisão for ilegal ou injustificada?
Em princípio sim. Caso a prisão, domiciliária ou preventiva, seja considerada ilegal ou injustificada, o arguido pode requerer indemnização pelos danos sofridos no prazo de 1 ano.
– artigo redigido com base no Código do Processo Penal (Decreto-Lei n.º 78/87).
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