O crime de peculato é um dos crimes cometidos no exercício de funções públicas previstos pelo nosso Código Penal. Mas do que se trata este tipo de crime? Quem pode cometer um crime desta natureza? Como é punido? Estas e outras questões são as que pretendemos esclarecer com este artigo. Boa leitura!
O que é o crime de peculato?
O crime de peculato consiste na apropriação ilegítima por um funcionário ou titular de cargo político, para proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer outra coisa móvel ou imóvel ou animal, públicos ou particulares, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções.
Quem pode praticar o crime de peculato?
O crime de peculato, bem como todos os crimes de cometidos no exercício de funções públicas, podem ser cometidos por “funcionários”, os quais abrangem:
- Empregados públicos civis e militares;
- Quem desempenha cargos públicos em virtude de vínculos especiais;
- Quem tenha sido chamado a desempenhar ou participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, mesmo provisória ou temporariamente, voluntária ou obrigatoriamente, mediante remuneração ou a título gratuito;
- Juízes do Tribunal Constitucional, juízes do Tribunal de Contas, magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Provedor de Justiça, membros do Conselho Superior da Magistratura, membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e membros do Conselho Superior do Ministério Público;
- Árbitros, jurados, peritos, técnicos que auxiliem o tribunal em inspeção judicial, tradutores, intérpretes e mediadores;
- Notários;
- Quem desempenha ou participa no desempenho de função pública administrativa ou exerce funções de autoridade em pessoa coletiva de utilidade pública, incluindo as instituições particulares de solidariedade social, mesmo provisória ou temporariamente, voluntária ou obrigatoriamente, mediante remuneração ou a título gratuito; e
- Quem desempenha ou participa no desempenho de funções públicas em associações públicas.
- Membros de órgãos de gestão ou administração ou órgãos fiscais e os trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos, sendo que, no caso das empresas com participação igual ou minoritária de capitais públicos, se incluem titulares de órgãos de gestão ou administração designados pelo Estado ou por outro ente público.
Em legislação especial, este crime vem também previsto como podendo ser cometido por titulares de cargos políticos.
O que é o crime de peculato de uso?
Diferente do crime de peculato é o crime de peculato de uso, que consiste em fazer uso ou permitir que outra pessoa faça uso, para fins alheios para que se destinem, de coisa imóvel, de veículos, de outras coisas móveis ou de animais de valor apreciável, públicos ou particulares, que lhe forem entregues, estiverem na sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções.
O crime de peculato de uso é punido:
- No caso de funcionário, com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias;
- No caso de titular de cargo político, com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Se o uso diferente que o funcionário fizer for referente a dinheiro público e o destino for para uso público, mas diferente daquele a que está legalmente afetado, sem que existam razões de interesse público que o justifiquem, a punição é a mesma.
O que é o crime de peculato por erro de outrem?
No caso dos crimes cometidos por titulares de cargos políticos, existe a previsão do crime de peculato por erro de outrem, que consiste no recebimento de taxas, emolumentos ou outras importâncias não devidas ou superiores às devidas, por um titular de um cargo político, no exercício das suas funções, em consequência do erro de outra pessoa, do qual se aproveitou. Este crime é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 150 dias.
O que é a participação económica em negócio?
Integrado também na secção do crime de peculato, está previsto o crime de participação económica em negócio. Este crime consiste na lesão, por um funcionário ou titular de cargo político, num negócio jurídico, dos interesses patrimoniais, que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita. Este crime é punido com pena de prisão até 5 anos.
Na hipótese de o funcionário não lesar, no momento do ato, os interesses que tinha, por força das suas funções, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, mas receber, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial por efeito daquele ato, é punido com:
- Pena de prisão até 6 meses; ou
- Pena de multa até 60 dias.
Se o funcionário receber, para si ou para terceiro, por qualquer forma, vantagem patrimonial por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregue de ordenar ou fazer, sem que exista prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses que lhe estão confiados, a pena é também de prisão até 6 anos ou multa até 60 dias.
Como é punido o crime de peculato?
O crime de peculato é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave não couber em força de outra disposição legal.
Exceção: se os valores ou objeto de que o funcionário se apropriou forem de diminuto valor, ou seja, não excederem uma unidade de conta (UC) no momento da prática do facto [presentemente, 1 UC corresponde a € 102,00], a pena é de:
- Prisão até 3 anos; ou
- Multa.
Na hipótese de o funcionário, em vez de se apropriar, dar de empréstimo, empenhar ou de qualquer forma onerar aqueles valores ou objetos, se não lhe couber pena mais grave por força de outra disposição legal, a pena é de:
- Prisão até 3 anos; ou
- Multa.
A pena do crime de peculato pode ser atenuada?
Sim, a nossa lei prevê que, nos casos destes crimes de peculato e participação económica em negócio, a pena possa ser especialmente atenuada no caso de o funcionário ou titular de cargo político (enquanto arguido no processo) colaborar ativamente na descoberta da verdade, contribuindo de forma relevante para a prova dos factos, desde que o faça até ao encerramento da audiência de julgamento em 1.ª instância (ou seja, mesmo que exista colaboração em sede de recurso, tal já não é tido em conta para efeitos de atenuação da pena).
A quem compete a investigação do peculato?
Os crimes de peculato são prevenidos e investigados pelo Ministério Público e pela Direção Central para o Combate à Corrupção, Fraudes e Infrações Económicas e Financeiras, que é parte da Directoria-Geral da Polícia Judiciária. Além do crime de peculato e participação económica em negócio, esta Direção é responsável pela prevenção e investigação dos seguintes crimes:
- Corrupção;
- Administração danosa em unidade económica do sector público;
- Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
- Infrações económico-financeiras cometidas de forma organizada, em recurso à tecnologia informática;
- Infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional;
- Outros crimes em conexão com estes.
Quais as ações de prevenção do crime de peculato?
As ações de prevenção do crime de peculato levadas a cabo pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária são designadamente as seguintes:
- Recolha de informação relativamente a notícias de factos suscetíveis de fundamentar suspeitas do perigo da prática de um crime de peculato;
- Solicitação de investigações, sindicâncias, inspeções e outras diligências que se revelem necessárias e adequadas à averiguação da conformidade de determinados atos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações entre a Administração Pública e as entidades privadas;
- Proposta de medidas suscetíveis de conduzirem à diminuição da criminalidade económica e financeira.
Como é iniciado o processo por crime de peculato?
O procedimento criminal pelo crime de peculato pode resultar de uma queixa ou das ações de prevenção levadas a cabo pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária, que explicámos acima. O procedimento criminal é iniciado pelo Ministério Público, tomando conhecimento dos indícios da prática do crime de peculato por conhecimento próprio ou através de notícia dada pela Polícia Judiciária ou de queixa.
– artigo redigido com base no Código Penal, no Código do Processo Penal, na Lei n.º 34/87, na Lei n.º 36/94 e no Decreto-Lei n.º 295-A/90.