Dúvida cartesiana: o que é, fundamentos e legado

Dúvida cartesiana

René Descartes, um dos principais expoentes da filosofia do Ocidente, possui uma obra de grande relevância, sobretudo em virtude da linha de pensamento e metodologias científicas inovadoras que proporcionou – entre elas, a dúvida cartesiana.

Foi o filósofo francês quem primeiro conceitualizou a forma moderna de duvidar, missão que tinha como propósito a legitimação da ciência, ao demonstrar que o homem poderia conhecer o mundo real. E para conhecer o mundo real, era preciso duvidar de tudo.

Essas ideias foram apresentadas na primeira parte do livro “Discurso sobre o Método”, um dos trabalhos mais influentes na história da ciência, além de alguns autores o considerarem um marco do início da Revolução Científica.

Na obra, publicada em 1637, Descartes apresenta um modelo para conduzir o pensamento humano conforme a certeza, uma característica intrínseca da matemática. Descreve algumas regras principais, cujo objetivo era guiar o pensamento em direção a conclusões verdadeiras, e sobre as quais falaremos adiante. Acompanhe.

A dúvida cartesiana e a busca pela verdade

René Descartes rejeitava a ideia de que tudo poderia ser determinado exclusivamente a partir de uma análise lógica, noção que desprezava a necessidade de observações ou experimentações que pudessem corroborar para a eliminação de ambiguidades. Para enfrentar incertezas, o filósofo apresentou algumas regras, entre elas, a dúvida cartesiana, um dos principais pontos da sua obra.

A principal ideia da dúvida cartesiana era duvidar de tudo, isto é, jamais aceitar nada como verdade absoluta até que se pudesse ter a certeza de que realmente se tratava de algo verdadeiro. Ao aplicar este conceito, Descartes chegou a uma verdade fundamental: ele existia, e isso era algo que não se podia duvidar, portanto, só podia ser verdade.

Esse preceito foi traduzido de maneira bastante concisa – e eficiente – na célebre frase “penso, logo existo“. Descartes notou que, de facto, os sentidos e os pensamentos podem-nos induzir ao erro, por isso, ao duvidar de tudo, abriu caminho pela busca de uma verdade que fosse isenta de qualquer tipo de ideia pré-concebida.

Os três argumentos da dúvida cartesiana

A dúvida cartesiana é justificada por meio de três argumentos:

  1. Ilusão dos sentidos: de acordo com este argumento, não poderíamos confiar nos nossos sentidos, os quais são limitados e enganosos;
  2. Argumento dos sonhos: não sabemos distinguir o mundo externo daquilo que é produto da nossa mente;
  3. Génio maligno: Descartes levantou a hipótese da existência de um deus ou demónio malévolo, poderoso e astuto, determinado a enganar os homens com todas as suas energias.

Portanto, criou-se um impasse: como poderia o filósofo encontrar certezas infalíveis se acreditava ser indispensável duvidar de tudo que se apresentasse perante ele?

Se, por um lado, Descartes acreditava que o ato de duvidar colocava em dúvida até os nossos sentidos, por outro, é impossível duvidar do pensamento, pois duvidar do pensamento já é pensar. Assim, o nosso pensamento e a nossa existência seriam inquestionáveis, uma certeza sobre a qual o método filosófico de Descartes poderia ser edificado. Nasceu, então, a máxima cartesiana “Penso, logo existo” (Ego cogito ergo sum).

Todavia, se a única certeza do homem é o “eu”, como poderia ser construída a ponte que ligasse a certeza que residia no indivíduo à incerteza do mundo externo? Foi então que Descartes criou uma ligação entre o pensamento subjetivo e a realidade objetiva, forma que possibilitou afirmar que o pensamento seria composto por ideias, válidas apenas se fossem claras e distintas o suficiente para diferenciarem-se de outras.

A partir dessa conclusão, o filósofo considerou três tipos de ideias:

  1. As ideias inatas: que se encontram no indivíduo desde o nascimento, portanto, inatas;
  2. As ideias adventícias: formadas ao longo da nossa existência, a partir da experiência, portanto, empíricas;
  3. As ideias factícias ou da imaginação: formadas na nossa mente a partir das outras ideias.

Foi a partir das ideias inatas que René Descartes fundamentou a sua prova da existência de Deus. Se Deus existe, fica provado que o mundo por ele criado também existe. Por meio do raciocínio dedutivo, provou que o “eu” existe, que Deus e o mundo existem. Criou, assim, a ponte entre o pensamento subjetivo e a realidade objetiva.

René Descartes na atualidade

Por meio do pensamento dedutivo, Descartes mostrou a existência do homem e de Deus. Desde então, a dúvida cartesiana foi relacionada a uma visão de homem e mundo extremamente racionalista – afinal, para o filósofo, o ser humano poderia ser compreendido tal qual uma máquina, passível de conserto quando, e se apresentar falhas.

No entanto, o pensamento contemporâneo refuta ardorosamente essa visão ao defender que o homem e o universo não podem ser entendidos tão somente a partir dessa ótica simplista.

Para a medicina holística, por exemplo, o homem deve ser compreendido na sua totalidade, pois, de acordo com essa premissa, corpo e mente estariam integrados – o que coloca em questão os paradigmas filosóficos de Descartes.

Como a dúvida cartesiana influenciou a ciência

Além da sua inegável contribuição para a filosofia, a obra de Descartes também foi importante para a física, pois foi ele quem apresentou as leis da óptica geométrica da reflexão e refração. Demonstrou como as lentes do olho humano focam a luz refletida pelo objeto observado, para posteriormente formar a imagem na retina.

Ademais, estudou o comportamento dos raios de luz e como a forma das lentes podem afetar as imagens formadas, e publicou as suas ideias acerca dos padrões e regularidades do mundo sensível e como poderiam ser utilizados para a criação de telescópios e lentes que pudessem corrigir defeitos da visão. Ou seja, esses conhecimentos contribuíram de forma efetiva não apenas para a ciência, bem como para a melhoria da vida das pessoas, que hoje podem usufruir de lentes corretivas, tais como os óculos, por exemplo.

No que respeita à dúvida cartesiana, esta foi importante para a matemática, pois além de ter servido como uma espécie de direcionamento, é também uma das principais ferramentas para o trabalho dos estudiosos dessa área. Um exemplo disso é o sistema de coordenadas cartesiano, empregue na geometria analítica.

Descartes olhava para a ciência como uma grande empreitada humana, em que a busca pela verdade dependia da observação das experimentações, e essa busca pela verdade foi impulsionada pela dúvida cartesiana, a grande contribuição do filósofo para a ciência.

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