Penso logo existo: qual o significado desta frase?

Penso logo existo

Todos nós, em algum momento da vida, já ouvimos a célebre frase “Penso logo existo”, da autoria do filósofo, físico e matemático francês René Descartes. Originalmente escrita em francês (Je pense, donc je suis), foi perpetuada no seu Discurso do Método de Bem Conduzir a Razão e Procurar a Verdade nas Ciências (ou apenas Discurso sobre o Método), tratado constituído por três estudos científicos (dióptrica, meteorologia e geometria), publicado em 1637.

Na época, num já longínquo século XVII, o clima cultural europeu era tão opressivo quanto estimulante: opressivo porque nunca se sabia se um livro provocaria a ira das autoridades religiosas e estimulante porque novas e promissoras ideias científicas eram propostas e discutidas.

Mas, o que exatamente esta frase – Penso logo, existo – quer dizer? Na verdade, estas palavras aparentemente banais ilustram uma preocupação filosófica importante. Quer saber mais sobre este assunto? Então continue a leitura deste artigo!

Quem foi René Descartes?

Antes de respondermos à pergunta que dá nome a este artigo, nomeadamente o que significa a expressão “Penso logo, existo”, que tal conhecermos um pouco sobre a vida e obra de René Descartes? Nascido em La Haye, em França, a 31 de março de 1596, René Descartes é considerado um dos “pais” da filosofia moderna e responsável pelo desenvolvimento do racionalismo cartesiano – assunto que abordaremos adiante.

No entanto, ganhou também notabilidade como matemático, por sugerir a fusão da álgebra com a geometria – facto que deu origem à geometria analítica e ao sistema de coordenadas que ainda hoje leva o seu nome. Ademais, foi também uma das principais figuras da Revolução Científica (período em que a ciência deixou de estar atrelada à teologia e passa a ser um conhecimento mais prático e estruturado).

Sendo um dos pensadores mais importantes e influentes da História do pensamento ocidental, Descartes inspirou contemporâneos e várias gerações de filósofos posteriores. Morreu a 11 de fevereiro de 1650, em Estocolmo, Suécia, vítima de pneumonia. No mesmo ano, a Igreja Católica incluiu os seus livros na chamada “lista proibida” (Index Librorum Prohibitorum), índice que reunia publicações consideradas anticlericais, heréticas ou lascivas, cuja leitura era desaconselhada para os fiéis.

O método cartesiano

Depois de uma breve carreira militar, René Descartes foi estudar na antiga universidade de Franeker, na Holanda, período em que desenvolveu princípios fundamentais para a matemática. Todavia, o então aluno viu-se às voltas com o tédio académico ao perceber que os seus professores apenas repetiam “verdades absolutas”, conceitos que, apesar da falta de evidências que os sustentassem, não eram questionados.

Foi dessa necessidade de questionar e comprovar supostas verdades que surgiu o tratado que mencionamos no primeiro parágrafo deste artigo, nomeadamente, o Discurso sobre o Método. Nele, Descartes desenvolve uma forma universal de investigação científica e ensina um método de busca pelo conhecimento que lançava dúvidas e um certo ceticismo sobre toda a sabedoria – divina ou tradicional – difundida até então.

Passei a não crer com muita firmeza em nada do que fora inculcado por influência da exemplificação e do costume. E deste modo libertei-me (…) de inúmeros erros que podem obscurecer a nossa lucidez natural (…)

René Descartes

Facto é que, embora não declaradamente, Descartes era um cético. Todavia, para evitar confrontos com a Igreja Católica, instituição que perseguia aqueles que ousavam discordar ou refletir acerca da condição humana sob a ótica do pensamento racional, o filósofo preferiu adotar um tom quase comedido na sua obra. No entanto, a despeito de toda modéstia intelectual que imprimiu no Discurso, é possível identificar com facilidade as famosas quatro regras do seu método. Resumidamente, são:

  1. Ser cético e não tomar nada como certo até que haja evidências de que seja certo;
  2. Dividir os problemas em dificuldades menores;
  3. Ordenar os problemas do mais simples ao mais complicado, até que não existam mais problemas, e sim evidências, conclusões;
  4. Enumerar e revisar as conclusões.

Surgia então o que hoje conhecemos como método cartesiano, em que a dúvida é o pilar do verdadeiro conhecimento. A partir daí, os investigadores passaram a partilhar não só os resultados e argumentos, mas todas as etapas da investigação, que permitia testar os resultados. Foi assim que o pensamento de Descartes rompeu com a filosofia tradicional aristotélica e medieval e abriu caminho para o método científico e a filosofia moderna.

Qual o significado da frase “Penso logo existo”?

No Discurso, além de apresentar o seu método cartesiano, Descartes desenvolveu a tese (detalhada em outra obra, nomeadamente “Meditações sobre a Filosofia Primeira”) de que existe uma única verdade que não pode ser questionada: a nossa existência.

Assim surgiu a máxima do “Penso logo existo”, a primeira afirmação considerada verdadeira pelo filósofo, aquela que é indubitável e que sustentará o fundamento do conhecimento. Se eu duvido de tudo, o meu pensamento existe e, se ele existe, eu também existo.

Facto é que Descartes convidou-nos a refletir sobre como o conhecimento do mundo que nos cerca está envolto em todo tipo de dúvidas. Desta forma, até mesmo as crenças mais óbvias podem-se mostrar falsas. Por exemplo, neste exato momento tem certeza de que está a ler este artigo, certo? Entretanto, o que lhe faz acreditar que está realmente diante de um computador ou telemóvel a ler sobre o tema “Penso logo existo”?

Ora, poderíamos estar todos presos a alguma realidade simulada que apenas existe – tal qual é – para si, afinal de contas, a interpretação é algo pessoal e intransferível. Como acreditar que todas as pessoas perceberiam esses estímulos dos cinco sentidos da mesma forma? 

Pois bem, Descartes também ficava preocupado com a validade das evidências que poderiam comprovar as verdades, por isso elaborou hipóteses que, à primeira vista, podem parecer absurdas. É o caso da hipótese do génio maligno, uma espécie de entidade poderosa e perversa capaz de iludir sobre tudo o que ocorre ao seu redor. Não obstante, ainda que existisse esse tal génio maligno que nos engana e ilude sistematicamente, ele certamente não nos enganaria se não existíssemos.

Mas como afirmar que ele, de facto, não existe? Pretendendo acabar com essas dúvidas, Descartes usa a sua verdade fundamental — “penso logo existo” — para justificar a crença de que não existe um génio maligno e que a nossa vida não é uma ilusão.

E, tendo observado que na proposição penso logo existo nada há que me assegure estar a dizer a verdade, e vendo com clareza que para pensar é necessário existir, julguei que poderia considerar regra geral que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras e que apenas há alguma dificuldade em perceber bem quais são as que, de facto, concebemos distintamente.

Descartes, Discurso do Método

Deste modo vê-se que uma posição filosófica aparentemente ingénua – penso logo existo não é, afinal, tão ingénua assim. Ao promover a dúvida, René Descartes levou o homem a centrar-se em si, abandonando assim o pensamento medieval centrado em Deus, que concebia o homem e o mundo como manifestação da grandeza do criador.

O projeto cartesiano convida-nos a procurar verdades que possam ser alcançadas por meio da razão e que fiquem fora do alcance de toda dúvida e, claro, de quaisquer explicações metafísicas.

Luana Castro Alves

Licenciada em Letras e Pedagogia, redatora e revisora, entusiasta do universo da literatura, sempre à procura das palavras. "Não se pode escrever nada com indiferença." (Simone de Beauvoir)