Nas situações de crise económica ou financeira, é comum que as pessoas se vejam sobrecarregadas de dívidas e passem por algumas dificuldades para conseguir proceder pontualmente ao pagamento das prestações mensais devidas.
Quando um fator externo altera os rendimentos de uma família, por vezes as pessoas acabam por não conseguir cumprir as suas obrigações. Tal incapacidade de cumprir com as obrigações pode significar que estejamos perante uma situação de insolvência.
Neste artigo abordamos a insolvência pessoal do casal ou insolvência do casal, como é também conhecida, procurando responder a algumas das perguntas mais frequentes sobre este tema, nomeadamente em que consiste, quando é que um casal se pode apresentar à insolvência. Boa leitura!
O que é a insolvência do casal?
Conforme a lei determina, a situação de insolvência ocorre quando o devedor se encontra impossibilitado de cumprir com todas as suas obrigações vencidas. Deste modo, pode encontrar-se em situação de insolvência uma pessoa coletiva (como por exemplo, uma sociedade comercial) ou uma pessoa singular.
Quanto às pessoas singulares, a lei determina mecanismos específicos para os empresários ou titulares de pequenas empresas, do mesmo modo que prevê um regime especial para o casal que esteja em situação de insolvência, pelo que podem os cônjuges apresentar-se conjuntamente à insolvência, a chamada insolvência pessoal do casal, discriminando as dívidas comuns (que são da responsabilidade de ambos) das dívidas próprias de cada um dos cônjuges.
A insolvência pessoal do casal permite aos devedores apresentar um plano de pagamentos aos credores ou, em alternativa, requerer a exoneração do passivo restante, que abordaremos mais à frente.
Um casal pode apresentar-se à insolvência?
A lei prevê a possibilidade de ser declarada a insolvência do casal, quando ambos se encontram impossibilitados de cumprir com todas as suas obrigações vencidas. Nestas situações, os cônjuges podem apresentar-se conjuntamente à insolvência, ou qualquer credor de ambos pode requerer a declaração da insolvência pessoal do casal.
Se o processo for apresentado contra um dos cônjuges e o outro cônjuge for também responsável pela dívida, pode ser promovida a intervenção do cônjuge contra o qual não foi movido o processo de declaração de insolvência.
No entanto, quando os cônjuges estão casados em regime de separação de bens, a lei determina que o processo de insolvência não pode ser conjunto, isto é, não poderá revestir a qualificação de uma insolvência pessoal do casal, devendo ser tramitado um processo para cada um dos cônjuges.
Qual é a tramitação do processo de insolvência de um casal?
À semelhança do que acontece na insolvência de uma pessoa coletiva (por exemplo, a insolvência de uma sociedade comercial) ou na insolvência de uma pessoa singular, a declaração de insolvência pessoal do casal pode ser requerida pelos cônjuges devedores, pelo Ministério Público ou por qualquer credor de ambos os cônjuges (como por exemplo um empréstimo bancário no qual ambos os cônjuges constem como devedores e tenham incumprido os pagamentos).
Para a tramitação do processo de insolvência pessoal do casal, é necessário apresentar um vasto conjunto de informações ao tribunal, das quais destacamos:
- Identificação de todos os credores e dos montantes devidos, indicando quais as dívidas comuns e quais as dívidas próprias de cada um dos cônjuges;
- Identificação de todas as ações e execuções em curso contra os devedores;
- Identificação de todos os bens imóveis ou móveis sujeitos a registo que sejam propriedade dos devedores, indicando quais os bens próprios e quais os bens comuns do casal.
O Tribunal irá apreciar a questão e, verificando-se que os devedores se encontram impossibilitados de cumprir com todas as suas obrigações vencidas, será proferida uma única sentença a declarar a insolvência pessoal do casal, nomeando-se um administrador de insolvência, que tem como função verificar os créditos existentes e reclamados, assim como gerir todos os bens dos devedores de modo a que os mesmos sejam vendidos para pagar aos credores.
O que difere os bens comuns dos próprios?
O património do casal é composto por um conjunto de bens, que podem ser bens comuns do casal ou bens próprios, de cada um dos cônjuges. Para conseguir apurar quais são os bens próprios e quais são os bens comuns do casal, é necessário, em primeiro lugar, saber qual o regime de bens.
Existem três regimes de bens, a saber:
- Comunhão geral de bens: onde os bens que, antes do casamento, eram de cada um dos cônjuges, passam a pertencer aos dois, sendo assim bens comuns do casal (apesar de a lei estabelecer algumas exceções, como por exemplo a roupa e os objetos de uso pessoal e exclusivo de cada um dos cônjuges, que são bens próprios de cada um dos cônjuges);
- Regime de comunhão de bens adquiridos: neste regime de bens, os bens de cada um dos cônjuges antes do casamento são considerados bens próprios; enquanto que todos os bens adquiridos na constância do matrimónio são bens comuns do casal. Existem, no entanto, algumas exceções previstas pela lei;
- Separação de bens: não existem bens comuns do casal, pelo que cada um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente.
Existem dividas próprias de cada cônjuge?
A lei determina que podem existir dívidas da responsabilidade de cada um dos cônjuges, ou dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges. A título de exemplo, uma divida exclusiva de um dos cônjuges será uma dívida contraída antes do casamento por uma das partes sem o conhecimento ou consentimento da outra.
Quanto às dívidas comuns do casal, que são da responsabilidade de ambos os cônjuges, englobam-se as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar.
Qual o efeito da declaração da insolvência?
A declaração da insolvência pessoal do casal determina que o casal insolvente vai perder a propriedade de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer sejam bens comuns ou bens próprios de cada um dos cônjuges. Os bens do casal vão ser apreendidos pelo administrador de insolvência e irão integrar a massa insolvente. Deste modo, os cônjuges insolventes irão perder o direito de administrar e dispor (vender, doar ou onerar) o seu património.
O casal insolvente pode requerer a exoneração do passivo restante?
Esta consiste num mecanismo que permite um perdão das dívidas quando o património do devedor não é suficiente para as liquidar. Apenas se aplica nas situações de insolvência pessoal, como uma faculdade que a lei atribui ao devedor para “recomeçar” a sua vida. No processo de insolvência pessoal do casal, podem os devedores requerer a exoneração.
Como requerer a exoneração do passivo restante?
Caso pretendam beneficiar desta, o casal devedor deverá apresentar o pedido com a petição inicial (ou no prazo de oposição, quando a ação não foi apresentada pelos devedores).
Sendo os cônjuges declarados insolventes, cabe então ao tribunal apreciar o pedido de exoneração de passivo restante, verificando os pressupostos legais para a admissão de tal pedido. Caso não exista qualquer motivo para indeferimento (como por exemplo, se o devedor criou ou agravou a situação de insolvência pessoal do casal; se o devedor dissipou o seu património), é proferido um despacho inicial de exoneração do passivo.
Nesse despacho, o tribunal irá nomear o fiduciário e fixar o valor necessário para o sustento digno do casal devedor e do seu agregado familiar (que, por norma, corresponde a um salário mínimo nacional a cada um dos cônjuges insolventes, podendo o valor ser superior quando se comprove a necessidade de ser concedido um valor mais elevado).
A exoneração do passivo restante é automática?
Quando o tribunal profere o despacho inicial de exoneração do passivo restante, tal significa que o casal que a requereu irá passar por um regime de provação até que lhe seja concedida definitivamente a exoneração das dividas. Assim, durante os cinco anos após ser concedida a exoneração do passivo , os cônjuges insolventes devem cumprir com várias obrigações, como por exemplo:
- Não ocultar rendimentos;
- Exercer uma profissão remunerada;
- Em caso de desemprego, procurar activamente emprego;
- Entregar todos os montantes que ultrapassem o valor fixado como sustento mínimo ao fiduciário, para que este possa proceder ao pagamento das custas do processo de insolvência e ao pagamento dos credores.
Caso os cônjuges insolventes não cumpram com as suas obrigações, o tribunal poderá cessar a exoneração do passivo restante. Nestas situações, os cônjuges devedores continuarão a ser devedores e, consequentemente, responsáveis por quaisquer montantes que não tenham sido liquidados no âmbito do processo de insolvência.
A exoneração engloba todas as dívidas?
Não, a exoneração do passivo restante não engloba todas as dividas, uma vez que existem créditos que não se extinguem com esta. Desde modo, créditos tributários (por exemplo, dívidas à segurança social ou finanças), multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações são alguns dos créditos que continuam a existir, mesmo que seja deferida a exoneração.
É obrigatória a constituição de advogado?
No âmbito do processo de insolvência, o devedor deve constituir advogado. Assim, também no âmbito da insolvência pessoal do casal, este deverá sempre ter um advogado para fazer valer todos os seus direitos. Caso os devedores não tenham a possibilidade para pagar a um advogado, podem sempre requerer apoio judiciário junto da Segurança Social, de modo a que lhes seja atribuído um defensor oficioso.
– artigo redigido por um jurista tendo por base o Código Civil (Decreto-Lei n.º 47344/66) e Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004)
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