“Decantar” é um verbo da língua portuguesa cujo significado é limpar, livrar um determinado líquido das suas impurezas. Esta, pois, é a principal função de um decanter, ou, se preferir, decantador de vinho, acessório utilizado para separar a borra do vinho. Além de deixá-lo ainda mais palatável, a técnica também é fundamental para areá-lo, o que, consequentemente, potenciará os seus aromas e sabores.
O decanter é um objeto bastante antigo, cuja utilidade era apenas uma: servir. Em épocas remotas, as bebidas eram armazenadas, geralmente, em grandes ânforas, que tinham o seu conteúdo transferido para recipientes menores, facilitando assim o transporte e o momento de servir os copos.
Supõe-se que os romanos foram o primeiro povo a utilizar decantadeiras de vidro, mas era corriqueiro o uso de recipientes fabricados em materiais como bronze, prata, ouro e cerãmica. A sua forma clássica apresenta um bojo largo e um gargalo que se assemelha a um funil; todavia, atualmente são vários os formatos, visto que não existem limites para a criatividade dos profissionais que desenham decanters.
Qual é a função de um decanter?
A função primordial de um decanter, como já referido, é filtrar possíveis sedimentos sólidos presentes no vinho. Estes sedimentos estão presentes, sobretudo, em vinhos de longa guarda, vinhos não filtrados ou vinhos clarificados. A chamada borra, formada ao longo dos anos ou em decorrência do tipo de fabrico, é totalmente inofensiva para a saúde, porém, pode causar um aspeto e sabor desagradáveis, conferindo à bebida um sabor levemente amargo e uma sensação de adstringência. Por isso, aconselhamos que o decanter seja utilizado nestas situações.
O decanter também facilita o processo de oxidação, pois, ao ficar durante um determinado período em contato com o oxigénio, o vinho aprimora-se, visto que a exposição ao ar tende a promover a aceleração do envelhecimento da bebida. Contudo, é preciso ficar atento para que esse tempo de oxidação não seja excessivo, sob pena de o vinho se tornar impróprio para consumo. O estado intragável é atingido depois que a garrafa é aberta e o seu conteúdo consumido dias depois, quando o ar comprometeu a qualidade da bebida. Por isso, é comum que se utilize dispositivos de vácuo, capazes de eliminar o oxigénio do recipiente.
Atualmente, a maioria dos vinhos passa por processos de clareamento e filtragem, por isso, é incomum encontrar partes sólidas em vinhos modernos. Desta forma, a função de um decanter passa a ser a de arejar o vinho, ou seja, deixá-lo respirar. Quando o líquido sai da garrafa – onde o contato com o ar é praticamente inexistente – e é vertido num decanter, entra em contato com o oxigénio. Esta etapa faz com que sejam exaltados aromas e sabores do vinho, levando-o a ganhar “vida”.
Quais vinhos devem ser filtrados com decanter?
A técnica realizada num decanter deve ser priorizada para vinhos mais antigos, cujo tempo de descanso em garrafa costuma ser superior a 10 anos, e Vinhos do Porto, por exemplo. Estes dois tipos costumam formar sedimentos, por isso é desejável que sejam vertidos em um decanter para eliminar suas impurezas.
Além destes, também podem beneficiar desta técnica vinhos cujos aromas demoram a abrir-se, bem como os seus sabores, estando entre eles os tintos encorpados, como os de Bordeaux, os Barolos, Super Toscanos, e outros, conhecidos por serem vinhos de aromas “fechados”.
Posso decantar vinhos jovens?
Sim, é possível, visto que o arejamento no decanter possibilita que estes entrem em contato com o oxigénio, o que proporcionará a libertação de aromas e a suavização dos seus taninos. Entretanto, esta “suavização de taninos” não costuma ser bem aceite por especialistas, sob o argumento de que o efeito da oxidação altera a perceção dos sulfitos e outros compostos químicos responsáveis pela perceção de adstringência.
Dizem ainda que os taninos só ficam mais suaves em decorrência dos processos de produção do vinho e com os anos em madeira. Apesar desta opinião, a oxidação no decanter certamente deixará a bebida mais suave, visto que apressará alguns dos seus processos químicos.
Embora o uso do decanter seja mais indicado em vinhos potentes, como o Vinho do Porto, vinhos fermentados jovens e vinhos de longa guarda, alguns especialistas indicam que os mais delicados – como os Pinot Noirs borgonheses e os brancos de maior porte – também podem ser decantados.
Já outros contraindicam a utilização do decanter, recomendando que vinhos potentes e antigos sejam abertos apenas uma hora antes da sua degustação. Esta abertura é o que permitirá o contato com o ar no próprio gargalo da garrafa, evitando a exposição intensa a qual a bebida é submetida quando vertida num decanter de bojo grande.
Como vimos, não existe unanimidade quando o assunto é a utilização do decanter para arejar o vinho. Inclusive, alguns enólogos afirmam que a decantação de um vinho envelhecido pode roubar-lhe o pouco dos aromas que restaram, tornando o prazer de guardar uma garrafa por longos anos em algo completamente inútil.
Como utilizar o decanter?
Quando ouvimos falar em decantação pela primeira vez, pensamos que este é um processo extremamente complicado, e que por este motivo deve ser realizado apenas por “entendidos”. Felizmente, isto é um equívoco, pois o procedimento é bastante simples, principalmente quando a intenção for a de o arejar. Acompanhe o passo a passo:
- Abra a garrafa;
- Pegue no decanter;
- Verta o líquido da garrafa no decanter, de forma que o vinho escorra pelas paredes internas do recipiente. Esta etapa possibilitará que uma maior superfície da bebida entre em contato com o oxigénio, libertando assim os seus aromas mais facilmente;
- Se achar necessário, segure o pescoço do decanter e agite-o para volatilizar (isto é, evaporar) um pouco do álcool.
Não obstante, o processo no decanter poderá ser um pouco mais complexo caso o seu intuito seja o de filtrar os sedimentos do vinho. Acompanhe:
- Pegue na garrafa e deixe-a por um bom tempo, aproximadamente um dia, na posição vertical. Assim, a borra acumular-se-á no fundo do recipiente;
- Depois, com o auxílio de uma vela ou qualquer outra fonte de luz, confira o líquido da garrafa sendo derramado no decanter. Fique atento até que visualize os sedimentos;
- Quando os notar, pare de verter o vinho imediatamente, evitando assim que invadam o decanter. O líquido que sobrar na garrafa ficará com os resíduos;
- Caso deseje aproveitar o que sobrou na garrafa, utilize um coador fino, como os coadores de café, evitando misturar essas sobras com o vinho que está no decanter;
- Feito o processo de decantação no decanter, deixe que a bebida repousar por cerca de uma hora. Recordamos que os vinhos mais antigos estruturados necessitam de um pouco mais de tempo de descanso.
Qual o tipo ideal de decanter?
O formato mais comum, e também o mais eficiente de decanter, é o de base larga e gargalo em forma de funil. Os decanteres podem ser fabricados com materiais opacos ou até mesmo metal, contudo, os mais indicados são os transparentes de vidro ou cristal, visto que possibilitam a observação das cores do vinho. A sua capacidade deve comportar 750 ml da bebida, reservado o espaço para a troca de ar – quando o intuito da decantação for este.
Alguns modelos de decanter possuem uma tampa, dispositivo especialmente interessante quando vinhos mais sensíveis passam pelo processo de decantação. A tampa é fundamental para que se evite muitas trocas de ar, possibilitando assim a preservação dos aromas. Há outros tipos que possuem compartimentos para gelo, o que conservará o vinho resfriado.
Como limpar um decanter?
O formato tradicional do decanter (bojo largo e gargalo parecido com um funil) em nada facilita a sua limpeza. Além disso, o uso de detergentes é totalmente desaconselhado, visto que alguns resíduos podem entranhar no recipiente e provocar alterações ao sabor do vinho. Assim sendo, o mais indicado é lavar o decanter com bastante água. Se ainda assim não ficar devidamente limpo, utilize uma mistura de gelo picado e sal grosso, substância que não deixará aromas impróprios.
Na hora de secar o decanter, mantenha o gargalo para baixo, o que evitará que a mineralidade da água manche o fundo e as paredes. Depois, guarde-o, mas não se esqueça de colocar uma folha de papel de cozinha sobre o bocal para evitar a entrada de pó e outros resíduos.