A burla é um crime que ocorre quando alguém engana outra pessoa, de forma que esta tenha um comportamento erróneo, que provoca prejuízo patrimonial para o burlado (ou terceira pessoa) e enriquecimento ilegítimo para o burlão (ou terceira pessoa).
Neste artigo, pretendemos dar-lhe a conhecer tudo o que precisa de saber sobre este tema, nomeadamente, os seus pressupostos e as suas modalidades, dando ainda exemplos concretos. Boa leitura!
O que é um crime de burla?
O crime de burla é a conduta, criminalmente punível, em que alguém, com a intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.
Quais são os pressupostos deste crime?
Para podermos considerar uma conduta como uma burla, tem de ter existido:
- um engano, astuciosamente provocado;
- um erro, que leve outrem à prática de factos;
- um prejuízo, para essa ou outra pessoa;
- intenção em provocar o engano; e
- intenção em obter para si ou outrem enriquecimento ilegítimo.
Como é punido o crime de burla?
Regra geral, este crime é punido com:
- pena de prisão até 3 anos; ou
- pena de multa.
Em que casos é o crime de burla mais grave?
Existem determinadas situações em que o crime de burla é classificado como burla qualificada. Nestes casos, as penas aplicadas são, portanto, também mais gravosas. Assim:
- a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias se o prejuízo patrimonial for de valor elevado;
- a pena é de prisão entre 2 e 8 anos se:
- o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;
- o agente fizer da burla modo de vida;
- o agente se aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de
- idade, deficiência ou doença; ou
- a pessoa prejudicada ficar em situação económica difícil.
Quais os tipos de crime de burla?
O nosso Código Penal prevê várias modalidades do crime de burla:
Burla relativa a seguros
Esta modalidade acontece quando alguém recebe ou faz outra pessoa receber um valor total ou parcialmente seguro:
- provocando ou agravando sensivelmente resultado causado por acidente cujo risco estava coberto; ou
- causando, a si próprio ou terceiro, lesão física ou agravando as consequências de lesão física provocada por acidente cujo risco esteja coberto.
Esta modalidade de burla é punida com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. No entanto, esta pena pode ser agravada para:
- prisão até 5 anos ou multa até 600 dias se o prejuízo patrimonial provocado for de valor elevado;
- prisão entre 2 e 8 anos se o prejuízo patrimonial provocado for de valor consideravelmente elevado.
Exemplo: Um indivíduo sofre um acidente de viação, que lhe amolga parte do veículo, sem atingir a porta do condutor. No entanto, como gostava de ter a porta substituída, amolga-a também, como se se tratasse de um dano provocado pelo acidente, para que o seguro automóvel cubra essa despesa.
Burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços
O crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços ocorre quando alguém, com intenção de não pagar e negando-se a solver a dívida contraída:
- se fizer servir de alimentos ou bebidas em estabelecimento que faça do seu fornecimento comércio ou indústria;
- utilizar quarto ou serviço de hotel ou estabelecimento análogo; ou
- utilizar meio de transporte ou entrar em qualquer recinto público sabendo que tal supõe o pagamento de um preço;
Esta modalidade de burla é punida com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
Exemplo: Um indivíduo entra no metro, fazendo-se transportar até ao destino desejado, sem pagar e, quando interpelado, recusa-se a pagar.
Burla informática
A burla informática ocorre quando alguém, com intenção de obter para si próprio ou para terceira pessoa enriquecimento ilegítimo, cause a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante:
- estruturação incorreta de programa informático;
- utilização incorreta ou incompleta de dados;
- utilização de dados sem autorização; ou
- intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento.
Esta modalidade é punida com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. A pena, é no entanto, agravada para:
- prisão até 5 anos e multa até 600 dias se o prejuízo for de valor elevado;
- prisão entre 2 e 8 anos se o prejuízo for de valor consideravelmente elevado.
Exemplo: Um indivíduo, utilizando os dados e palavras-passes de outra pessoa, efetua transferências bancárias da conta dessa outra pessoa para a sua própria conta bancária.
Burla nas comunicações
A burla nas comunicações ocorre quando alguém, com intenção de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo e usando:
- programas;
- dispositivos eletrónicos; ou
- outros meios;
que, separadamente ou em conjunto, se destinem a diminuir, alterar, ou impedir, total ou parcialmente, o normal funcionamento ou exploração de serviços de telecomunicações, cause a outra pessoa prejuízo patrimonial.
Esta modalidade é punida com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. A pena, é no entanto, agravada para:
- prisão até 5 anos e multa até 600 dias se o prejuízo for de valor elevado;
- prisão entre 2 e 8 anos se o prejuízo for de valor consideravelmente elevado.
Exemplo: Um indivíduo faz uma ligação da rede de internet da casa do vizinho para a sua, conseguindo utilizar a internet do vizinho e diminuindo a fruição da internet pelo seu vizinho.
Burla relativa a trabalho ou emprego
O crime de burla relativo a trabalho ou emprego ocorre quando alguém, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, aliciando ou prometendo trabalho ou emprego no estrangeiro a outra pessoa, lhe cause prejuízo patrimonial.
O mesmo acontece quando a vítima resida no estrangeiro e seja aliciada ou lhe seja prometido trabalho ou emprego em Portugal, com o objetivo de enriquecimento ilegítimo, e lhe seja causado prejuízo patrimonial. Esta modalidade é punida com pena de prisão até 5 anos ou com multa até 600 dias.
Exemplo: Um indivíduo, com intenção de venda de uma viagem, alicia uma rapariga com um emprego em Inglaterra.
Exemplos práticos do crime de burla
Conheça agora algumas das burlas que mais aumentaram nos últimos anos:
Burla através do MBWAY
Este é um tipo de burla muito em voga em que, a pretexto de pagar qualquer bem ou serviço da vítima, o burlão induz a vítima a aderir ao serviço MBWAY, associando a referida aplicação ao número de telemóvel do burlão, transmitindo-lhe o código de acesso.
Na posse desses dados e com a conta da vitima associada à aplicação MBWAY no seu telemóvel, o burlão acede sem autorização a essa mesma conta e, contra a vontade da vítima, efetua transferências de dinheiro do mesmo para outra conta bancária. Esta conduta, além de constituir burla informática, constitui também os crimes de acesso ilegítimo e falsidade informática, previstos e punidos pela Lei do Cibercrime.
Burla através do OLX
Outro exemplo é aquele em que o burlão coloca vários anúncios na plataforma de venda OLX, sem dispor realmente dos produtos ou, pelo menos, sem ter intenção de realmente os vender, ou seja, com a mera intenção de se apropriar do dinheiro de potenciais compradores. Quando o burlão faz desta atuação o seu modo de vida, trata-se de um crime de burla qualificada.
Burla com inquéritos ou oferta de serviços porta-a-porta
Outro tipo que aumentou no seu número foi aquela em que o burlão, fazendo-se passar por representante de determinada empresa conhecida (p. ex. de eletricidade) sem realmente o ser e, invocando inquéritos ou ofertas, faz a vítima assinar contratos ou pagar valores, sem que este tivesse essa intenção ou esse dever.
O que fazer para evitar este crime?
Para evitar ser vítima deste crime, deve adotar um comportamento de ponderação de tudo o que lhe é transmitido. Assim:
- desconfie de argumentos em que lhe exigem a exibição de faturas para saber se está a pagar a mais;
- não aceite e assine um contrato sem analisar convenientemente a proposta que lhe é feita, nomeadamente informando-se e comparando preços e condições em simuladores;
- nunca tome uma decisão sob pressão, com receio de perder uma oportunidade (existirão outras);
- nunca assine um contrato sem o ler. Em caso de dúvida, é preferível que não o assine de imediato. Peça para o ler em casa ou com calma e consulte um advogado;
- mesmo que assine um contrato de crédito ou um contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento, o consumidor tem direito a um prazo de reflexão de 14 dias, a contar da data em que celebra o contrato, por isso, dentro deste prazo, pode rescindi-lo sem apresentar qualquer motivo.
O que fazer se for vítima deste crime?
Caso seja vítima, tratando-se este de um crime semipúblico, tem que fazer a correspondente queixa para que haja lugar a procedimento criminal. A queixa pode ser feita:
- junto de uma entidade policial (PSP, GNR ou PJ); ou
- diretamente no Ministério Público (departamento de investigação e ação penal ou serviços do ministério público no Tribunal);
- através de queixa eletrónica em queixaselectronicas.mai.gov.pt.
– este artigo foi redigido com base no Código Penal, na Lei do Cibercrime, no Decreto-Lei n.º 133/2009 e no Decreto-Lei n.º 24/2014.