Segredo de justiça: o que é, objetivos e obrigações

Segredo de justiça

O segredo de justiça é um conceito que nos surge normalmente no âmbito de um processo penal (ou criminal), embora também possa surgir no âmbito de um processo contraordenacional ou de um processo disciplinar.

A regra geral é a da publicidade, ou seja, que o processo penal é público, sob pena de ser nulo, no entanto, existem casos em que, durante a fase de inquérito (que é a fase inicial ou fase de investigação no processo penal), o juiz de instrução pode sujeitar o processo a segredo de justiça.

Neste artigo, pretendemos dar-lhe a conhecer que casos são esses, sobre que elementos, quem se obriga, entre outras questões. Boa leitura!

O que é o segredo de justiça?

O segredo de justiça é quando, na fase de inquérito de um processo penal, o Juiz de Instrução determina que o conhecimento de determinados elementos de um processo penal é vedado a determinadas pessoas, deixando de ser público.

O que é que a publicidade implica?

Regra geral, como já dissemos, os processos são públicos e essa publicidade é o que permite que normalmente existam os direitos de:

  • Assistência, pelo público em geral, ao debate instrutório e ao julgamento;
  • Narração dos atos processuais ou reprodução dos seus termos pela comunicação social;
  • Consulta do processo e obtenção de cópias, extratos e certidões de quaisquer partes dele.

Qual o objetivo do segredo de justiça?

O objetivo do segredo de justiça é, ou pode ser, um ou ambos dos seguintes:

  • Defender os interesses ou garantir o sucesso da investigação (na obtenção da prova);
  • Garantir os direitos ou proteger os sujeitos processuais (as pessoas envolvidas no processo), nomeadamente:
    • O arguido, que se presume inocente e pode ver a sua honra e privacidade injustificadamente atingidas;
    • A vítima, cuja segurança é fundamental garantir.

Quem pede o segredo de justiça?

Como vimos acima, é o Juiz de Instrução quem determina a sujeição do processo penal a segredo de justiça. No entanto, também o Ministério Público pode decidir sujeitar o processo penal a segredo de justiça, embora essa decisão esteja sempre dependente da validação do Juiz de Instrução, no prazo de 72 horas.

Por outro lado, embora caiba ao Juiz de Instrução, ouvido o Ministério Público, determinar a sujeição do processo penal a segredo de justiça, essa sujeição pode ser pedida:

  • pelo arguido;
  • pelo assistente; ou
  • pela vítima.

Quem está obrigado ao segredo de justiça?

Todas as pessoas que tomem conhecimento de elementos do processo ficam obrigadas a segredo de justiça, pois só desse modo se consegue mantê-lo. Desta forma, o segredo de justiça abrange todas as pessoas envolvidas no processo e também, por exemplo, jornalistas que tenham obtido informações sobre ele.

É possível, no entanto, que as autoridades judiciárias (Ministério Público e Juiz de Instrução) prestem esclarecimentos públicos, se tal for necessário para restabelecer a verdade e não prejudicar a investigação, nas seguintes situações:

  • A pedido de pessoas que tenham sido publicamente postas em causa no contexto daquele processo; ou
  • Por iniciativa das próprias autoridades judiciárias, caso entendam que contribuirá para garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública (ex.: anúncio da detenção de um arguido muito perigoso).

O que implica o segredo de justiça?

O segredo de justiça implica:

  • Proibição de assistência a atos processuais durante a fase de inquérito do processo penal (exs.: interrogatórios; perícias), a que não se tenha o dever ou o direito de assistir;
  • Proibição de tomada de conhecimento do conteúdo desses atos processuais;
  • Proibição de divulgação da ocorrência ou do conteúdo desses atos processuais.

Que elementos ficam sujeitos a segredo de justiça?

Quando um processo penal é sujeito a segredo de justiça, este abrange:

  • Em relação ao público em geral (pessoas não envolvidas no processo) – todos os elementos do processo;
  • Em relação aos sujeitos processuais – certos elementos do processo.

Quais as consequências da violação do segredo de justiça?

A violação do segredo de justiça consiste em ilegitimamente divulgar, no todo ou em parte, o teor de certo ato que se encontre sobre segredo de justiça ou cuja realização não seja permitida com assistência do público em geral, não sendo necessário que quem divulgue tenha tido contacto direto com o processo (ex.: um jornalista que divulga informações cobertas por segredo de justiça obtidas através de uma carta anónima recebida).

A violação do segredo de justiça é um crime contra a realização da justiça, o qual é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se outra pena não couber.

Se se tratar de violação de segredo de justiça relativo a um processo de contraordenação ou a um processo disciplinar (em vez de um processo penal), a pena de prisão é até 6 meses e a pena de multa até 60 dias.

O processo em segredo de justiça pode ser consultado?

Desde que o Ministério Público e o Juiz de Instrução autorizem, os sujeitos processuais podem consultar o processo penal sujeito a segredo de justiça e até obter extratos, cópias ou certidões dos seus elementos, ficando, no entanto, obrigados a guardar segredo em relação a essas informações.

De acordo com a lei, o Ministério Público e o Juiz de Instrução podem ainda, fundamentadamente, dar ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de ato ou documento em segredo de justiça, se tal não puser em causa a investigação e se afigurar:

  • conveniente ao esclarecimento da verdade; ou
  • indispensável ao exercício de direitos pelos interessados.

Estas pessoas a quem é dado conhecimento do conteúdo de atos ou documentos sujeitos a segredo de justiça são identificadas no processo, com indicação do ato/documento de cujo conteúdo tomaram conhecimento e ficam, em todo o caso, vinculadas pelo segredo de justiça.

Por outro lado, o Ministério Público pode opor-se a essa consulta e/ou obtenção de documentos, sendo que, se o Juiz de Instrução confirmar essa oposição, por considerar que a consulta poderia prejudicar a investigação ou os direitos dos sujeitos processuais, a consulta do processo e obtenção dos respetivos documentos não é possível, podendo ser, ainda assim, autorizado que se dê conhecimento de certo elemento, se não puser em causa a investigação.

 Saliente-se que nunca podem ser consultados elementos relativos à vida privada de outra pessoa que não constituam prova, cabendo ao Ministério Público e ao Juiz de Instrução especificar quais os elementos relativamente aos quais se mantem o segredo e, se for caso disso, ordenar a sua destruição ou entrega à pessoa a que respeitam.

Todas as outras pessoas que não as referidas acima só podem consultar processos e obter documentos a ele referentes que não estejam em segredo de justiça.

Como é levantado o segredo de justiça?

No caso de o processo ter sido sujeito a segredo de justiça por decisão do Ministério Público (validada pelo Juiz de Instrução), em qualquer momento da fase de inquérito do processo penal, o Ministério Público pode decidir levantar o segredo de justiça, o que faz:

  • Por iniciativa própria; ou
  • A pedido de um sujeito processual (arguido, assistente ou vítima).

Se os sujeitos processuais (arguido, assistente ou vítima) pedirem o levantamento do segredo de justiça e o Ministério Público não o conceder, o Juiz de Instrução decide sobre esse levantamento.

Uma vez finda a fase de inquérito, também o segredo de justiça termina, porque todas as restantes fases do processo penal (instrução, julgamento e recurso) são obrigatoriamente públicas.

A consulta do processo é possível após o inquérito?

Em princípio, a consulta do processo que foi sujeito a segredo de justiça é possível após a fase de inquérito do processo penal, uma vez que, como vimos, finda a fase de inquérito, o processo torna-se público.

No entanto, o Juiz de Instrução, a pedido do Ministério Público, pode decidir que o acesso ao processo seja adiado por um período máximo de 3 meses, que só pode ser aumentado:

  • uma vez, pelo período indispensável à conclusão da investigação; e
  • se estiverem em causa casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada.

O julgamento pode ser sujeito a segredo de justiça?

Não. Como dissemos, as fases posteriores à fase de inquérito são obrigatoriamente públicas, como forma de promoção da transparência da justiça e da confiança dos cidadãos na sua realização, sendo que pessoas que nada tenham a ver com o processo podem normalmente assistir aos atos processuais, nomeadamente às audiências de julgamento.

No entanto, o Juiz, por iniciativa própria ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, pode restringir a assistência do público às audiências de julgamento ou decidir que certo ato processual, no todo ou em parte, não seja público.

Isso acontece quando o Juiz considere que a publicidade possa causar dano grave à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do ato e principalmente em processos em que os arguidos são menores de idade ou em que se visa a proteção das vítimas, o que é comum em processos que envolvam crimes de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual. Nestes casos, só assistirão ao ato as pessoas que tiverem de intervir nele e as que o juiz admita a presença por razões atendíveis (ex.: advogados estagiários).

O Juiz pode também impedir que menores de 18 anos ou pessoas cujo comportamento ponha em causa a dignidade ou disciplina do ato assistam ao mesmo.

A leitura da sentença, no entanto, é sempre pública, porque se trata da decisão sobre o crime que o Juiz julgou pelo bem comum.

– artigo redigido com base no Código do Processo Penal (Decreto-Lei n.º 78/87) e no Código Penal (Decreto-Lei n.º 48/95).

Susana Lima

Sempre com a missão de informar e ajudar as pessoas nesta área tão complicada, licenciou-se em Direito pela Universidade do Porto e abriu um escritório próprio como advogada, acreditando ser um pequeno peso que equilibra mais os pratos da balança da justiça.