Usucapião: o que é e como funciona?

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A usucapião é uma das formas de aquisição de direitos sobre os bens, em particular o direito de propriedade. Para compreendermos a usucapião, existem três distinções que devemos conhecer.

Uma, a distinção entre posse e propriedade: enquanto que a posse se trata do mero domínio físico de um bem ou coisa, a propriedade trata-se de um direito real sobre o bem ou coisa (por exemplo, um automóvel pode ser utilizado pelo filho, que é o possuidor, mas ter sido comprado e registado em nome do pai, que é o proprietário).

A segunda distinção importante a reter é entre boa-fé e má-fé: a boa-fé verifica-se quando o possuidor desconhece que está a lesar o direito de outrem (ex.: do proprietário), enquanto que a má-fé verifica-se quando o possuidor conhece essa lesão, tendo adquirido a posse através de violência, por exemplo.

Os últimos conceitos que devemos considerar para melhor compreendermos a usucapião prende-se com a distinção entre bens imóveis e bens móveis: enquanto que os bens imóveis são aqueles que, como o próprio nome indica, não se movem, estão fixos num lugar – p. ex. casas, prédios, terrenos – os bens móveis são todos os outros objetos que podemos facilmente mudar de lugar e, de entre os quais, se distinguem os bens móveis sujeitos a registo, que é o caso dos veículos (ex.: automóveis, motas, etc).

Tendo estas noções em mente, que notará serem-lhe úteis no decorrer da leitura do presente artigo, pretendemos dar-lhe a conhecer em que consiste a usucapião, quem pode beneficiar dela, quais os requisitos, entre outras questões relevantes. Boa leitura!

O que é a usucapião?

A usucapião trata-se da aquisição do direito de propriedade ou outro direito real de gozo sobre um bem (móvel ou imóvel), do qual se teve a posse durante um certo período de tempo.

Para que essa conversão da posse em propriedade, através da usucapião, ocorra, é necessário, além da posse material do bem, que o possuidor tenha intenção de agir como proprietário e que essa posse seja pacífica (sem violência), pública (do conhecimento geral, que não seja ocultada) e sem oposição de terceiros (ex.: do proprietário).

Vejamos um caso prático para melhor compreensão da usucapião:

A Ana comprou um certo perímetro de terreno, onde construiu uma casa. Fora do perímetro do terreno adquirido pela Ana, esta começou a cultivar legumes (a Ana tem a posse deste pedaço de terreno, que fica fora da sua propriedade, e começou a usar como seu).

A Ana não sabe que aquele terreno tem proprietário e simplesmente começou a utilizá-lo (posse pacífica) e todos os vizinhos da Ana acreditam que aquele terreno é seu, porque sempre a viram cultiva-lo (posse pública).

Ao fim de um certo período de tempo a possuir pública e pacificamente aquele terreno e sem que ninguém se oponha a essa posse, a Ana poderá adquirir aquele terreno por usucapião.

Quem pode adquirir por usucapião?

Podem adquirir direito de propriedade ou outro direito real de gozo sobre bens móveis ou imóveis através de usucapião todas as pessoas que tenham capacidade jurídica, ou seja, as pessoas capazes, que podem adquirir bens, por exemplo, através de contratos.

No caso dos incapazes (ex.: menores ou pessoas com anomalias psíquicas), a lei prevê que também podem adquirir por usucapião, tanto por si mesmas como por intermédio das pessoas que legalmente os representam.

Quais são os requisitos para existir usucapião?

Como vimos acima e recapitulando, são requisitos para existir usucapião:

  • A posse material de um bem móvel ou imóvel;
  • A intenção do possuidor em agir como proprietário;
  • Que a posse seja pacífica (não violenta);
  • Que a posse seja pública (não oculta);
  • Que não exista oposição de terceiros à posse; e
  • Que a posse exista durante certo período de tempo.

Ressalve-se, no entanto, que a lei não permite, em relação a bens imóveis, que sejam adquiridos por usucapião servidões prediais não aparentes e direitos de uso e habitação.

Além disso, para cada caso, terá de se atender à existência ou não de contratos entre possuidor e proprietário. Por exemplo, num contrato de arrendamento, o inquilino nunca adquirirá a propriedade do imóvel por usucapião, embora o utilize de forma pública e pacífica por vários anos, uma vez que existe um contrato que prevê que o proprietário do imóvel é o senhorio.

Que período de tempo é exigido para haver usucapião?

O período de tempo de posse de um bem para ser considerada usucapião, depende do tipo de bem (imóvel ou móvel, sujeito a registo ou não) e dos registos existentes em relação à posse. Assim:

  • No caso de bens imóveis (casas, prédios, terrenos):
    • Se existir título de aquisição e registo, há usucapião:
      • Quando a posse, sendo de boa-fé, tenha durado 10 anos, contados da data do registo; ou
      • Quando a posse, sendo de má-fé, tenha durado 15 anos, contados da data do registo.
    • Se existir registo da mera posse, há usucapião:
      • Quando a posse, sendo de boa-fé, tenha durado 5 anos, contados da data do registo; ou
      • Quando a posse, sendo de má-fé, tenha durado 10 anos, contados da data do registo.
    • Se não existir registo (nem do título, nem da mera posse), há usucapião:
      • Quando a posse, sendo de boa-fé, durar 15 anos; ou
      • Quando a posse, sendo de má-fé, durar 20 anos.
  • No caso de bens móveis (automóveis, motociclos, etc):
    • Sujeitos a registo:
      • Havendo título de aquisição e registo, há usucapião:
        • Quando a posse, de boa-fé, tenha durado 2 anos; ou
        • Quando a posse, de má-fé, tenha durado 4 anos.
      • Não havendo registo, há usucapião:
        • Quando a posse tiver durado 10 anos, independentemente da boa-fé do possuidor e da existência de título.
    • Não sujeitos a registo, há usucapião:
      • Quando a posse, de boa-fé e fundada em justo título, tenha durado 3 anos; ou
      • Quando a posse, independentemente de boa-fé e de título, tenha durado 6 anos.

E se o bem for possuído por várias pessoas?

Se existir mais de uma pessoa com a posse sobre o bem (posse comum), os chamados compossuidores, com a aquisição do bem por usucapião por um dos compossuidores, os restantes adquirem também por usucapião (passam a comproprietários).

E se o bem passar à posse de um terceiro de boa-fé?

Se o possuidor do bem, por exemplo, doar o bem que possui a uma outra pessoa, que esteja de boa-fé (que pense que aquele bem é propriedade do possuidor), o terceiro adquire direitos sobre o bem por usucapião:

  • Se existir título de aquisição, passados 4 anos;
  • Se não existir título de aquisição, passados 7 anos.

A lei prevê ainda que, caso o possuidor seja um comerciante que venda coisas do mesmo/semelhante género ao bem que possui e o vender a um terceiro de boa-fé, o proprietário do bem pode exigir ao comprador a devolução do seu bem, restituindo-lhe o preço que ele pagou, tendo o direito de exigir ao comerciante o reembolso desse valor (direito de regresso), uma vez que foi ele quem culposamente deu causa ao prejuízo.

Como se regista a aquisição por usucapião?

Verificado um dos casos de aquisição do direito de propriedade por usucapião, o possuidor, que se tornará proprietário, deve registar a aquisição por usucapião, se o bem for sujeito a registo (ex.: terreno).

Para tal, deve dirigir-se a um Cartório Notarial para a celebração de uma escritura de justificação notarial, devendo fazer-se acompanhar por 3 testemunhas para provar a sua relação com o bem e, consequentemente, a sua aquisição por usucapião. Saliente-se que estas testemunhas não podem ser parentes sucessíveis (ex.: cônjuge ou filhos) do possuidor, porque teriam interesse nessa aquisição.

A escritura é publicada num jornal de expansão nacional ou local e, se ao fim de 30 dias ninguém reclamar, o possuidor adquire a propriedade sobre o bem por usucapião.

– este artigo foi redigido por uma Jurista com base no Código Civil (Decreto-Lei n.º 47344/66).

Susana Lima

Sempre com a missão de informar e ajudar as pessoas nesta área tão complicada, licenciou-se em Direito pela Universidade do Porto e abriu um escritório próprio como advogada, acreditando ser um pequeno peso que equilibra mais os pratos da balança da justiça.