Dizer não: porque é tão difícil?

Saber dizer não

Dizer não pode ser algo difícil, sendo mais exigente para algumas pessoas do que para outras. A dificuldade em dizer não advém muitas vezes da insegurança e da necessidade de evitar o conflito.

No entanto, dizer não é importante, desde logo porque quando somos assertivos e conseguimos comunicar com assertividade, tornamo-nos mais capazes de dizer não com liberdade e sem necessidade de justificações em demasia.

Neste artigo pretendemos explicar porque é que algumas pessoas têm dificuldade em dizer não e como é que essa dificuldade pode ser ultrapassada. Boa leitura!

Porque é tão difícil dizer não?

Frequentemente dizem-nos para fazermos determinadas coisas ou deixarmos de fazer outras, pedem-nos algo ou dão alguma diretriz sobre a forma como nos devemos comportar. Isto pode acontecer no contexto pessoal, familiar ou profissional. O amigo que nos pede para lhe emprestar dinheiro, o familiar que nos convida para um convívio familiar ao qual não queremos de todo ir, ou um chefe que nos pede para fazer horas extra. São várias das situações nas quais poderíamos desejar dizer que não, mas não o fazemos. E, afinal, porquê?

Há várias razões pelas quais temos dificuldade em dizer não, mas quase todas elas advêm de algum tipo de insegurança. Uma das grandes razões para ser tão difícil dizer não é que queremos ser estimados pelos outros, queremos que as outras pessoas gostem de nós. A necessidade de estima é uma necessidade humana básica e natural, no entanto, se não for equilibrada pode tornar-se um problema. Isto porque, se nos esforçarmos tanto para agradar aos outros de tal forma que anulamos por completo as nossas vontades, estaremos a cultivar silenciosamente sentimentos negativos por nós próprios.

Além disso, muitas vezes a nossa dificuldade em dizer não vem da aprendizagem que fizemos, ao longo da nossa vida, de como aprendemos a agir e das crenças que fomos criando. Muitas vezes aprendemos que temos de ser complacentes, que é importante agradarmos as pessoas e sermos alguém “agradável”. Aprendemos que ser agradável significa agradar o outro. Assim, aprendemos formas insatisfatórias de comportamento que fazem com que não nos consigamos afirmar e com que nos tornemos inibidos, com medo de rejeição ou do conflito, sem nos conseguirmos fazer valer perante os outros.

Toda esta aprendizagem faz com que nos tornemos condicionados a determinados medos: o medo da rejeição, o medo da avaliação negativa por parte dos outros, o medo de que não gostem de nós, o medo de parecer ridículo… Estes medos fazem-nos evitar várias situações, nomeadamente fazem-nos evitar dizer não pois receamos o conflito, a avaliação negativa, a perda da relação… Sem querer, passamos o controlo para a outra pessoa e submetemo-nos a algo que na realidade não queremos e não desejamos.

A dificuldade em dizer não vem, assim, de falta de experiência e de prática pelo bloqueio que temos em termos das nossas aprendizagens.

Será que tenho dificuldade em dizer não?

É possível que, ao ler sobre as principais razoes que fazem com que seja difícil dizer não, se tenha identificado com algumas das coisas e se esteja a perguntar: será que tenho dificuldade em dizer não? Para refletir melhor sobre isto, pense e responda às seguintes questões:

  • Vivo sempre a tentar apaziguar as outras pessoas porque tem medo de ofendê-las de alguma forma?
  • É difícil para mim pedir ajuda ou fazer alguma solicitação porque acho que vou estar a incomodar as outras pessoas?
  • Permito que as pessoas me “controlem”, levando muitas vezes a situações que não quero e não gosto?
  • Tenho dificuldade em expressar as minhas emoções, opiniões, anseios, desejos, necessidades…?
  • Sinto que os direitos dos outros, de alguma forma, são mais importantes que os meus?
  • Fico facilmente magoado/a com o que as outras pessoas dizem ou fazem:
  • Sinto-me isolado/a e tenho dificuldade em construir e manter relacionamentos íntimos onde me sinta verdadeiramente bem e onde possa ser “eu”?
  • Sinto-me com alguma frequência inferior às outras pessoas?
  • Tenho muito receio de me envolver nalgum tipo de conflito e acho que se entrar em conflito com a pessoa isso pode fazer com que ela se zangue comigo e que eventualmente eu a possa perder?

Quanto mais respostas afirmativas tiver, maior o receio em dizer não e maior o seu bloqueio e dificuldade em ser assertivo/a. Se é o caso, é importante que reflita sobre isto e que procure começar a empreender a mudança.

Lembre-se que, se não o conseguir sozinho/a, a psicoterapia pode ser uma ajuda muito valiosa e importante, já que o psicólogo ajudará a identificar os padrões comportamentais, os medos subjacentes, e a implementar novas estratégias de comunicação e gestão emocional.

Porque devemos dizer não?

Dizer não é fundamental porque é uma forma de autoafirmação e de amor-próprio. Quando dizemos que não a algo, estamos a honrar as nossas vontades, desejos, opiniões. Estamos a mostrar que nos valorizamos o suficiente para nos priorizarmos.

Ao contrário do que muitas vezes pensamos, dizer ‘não’ não é ser agressivo ou rude. Ser respeitado e estimado não tem que significar anular o respeito pela outra pessoa. É diferente ser egoísta ou priorizar-se a si mesmo.

Egoísmo é quando apenas temos em conta as nossas necessidades e ignoramos por completo as necessidades do outro, desrespeitando-o. Ser assertivo é valorizar tanto as nossas necessidades como as do outro, sabendo que somos responsáveis pela garantia das nossas necessidades e não das necessidades alheias. Nunca devemos esquecer que o respeito por nós mesmos não impede que tenhamos respeito pelos outros também.

Em suma, a capacidade de dizer não é importante e traz benefícios:

  • Concretização das necessidades pessoais;
  • Realização de planos e objetivos;
  • Relações mais positivas e saudáveis;
  • Maior autoconfiança e autoestima;
  • Melhor defesa psicológica e maior segurança interior;
  • Maior liberdade emocional e autoconhecimento;
  • Melhoria da comunicação;
  • Fortalecimento do amor-próprio e da dignidade, uma vez que, quando dizemos não:
    • Não nos permitimos a ser um instrumento para outros fins que não os próprios;
    • Somos autónomos nas nossas decisões;
    • Fazemos por ser tratados de acordo com os nossos méritos e não com circunstâncias aleatórias;
    • Não permitimos o desprezo ou desrespeito.

Que competências ajudam a saber dizer não?

Para conseguirmos dizer não com tranquilidade e de uma forma assertiva, pode ser necessário desenvolvermos em nós determinadas qualidades e competências que fazem parte de uma personalidade assertiva ou afirmativa:

  • Sentir-se livre para dizer o que pensa, respeitando ao mesmo tempo o ponto de vista do outro, e conseguir, sem receios, ser genuíno, dizer “isto é o que eu sou, isto é que eu penso, sinto e quero”;
  • Ter a capacidade de comunicar com os outros a diferentes níveis, seja com familiares, amigos ou desconhecidos, e conseguindo manter uma comunicação aberta, clara, objetiva, sincera e adequada;
  • Ter uma orientação ativa ou pró-ativa, sendo capaz de definir objetivos, criar estratégias para o atingimento desses objetivos, em vez de agir de forma passiva, ficando apenas à espera que as coisas aconteçam;
  • Agir de forma coerente com os princípios e valores individuais, tendo consciência de que nem sempre conseguiremos triunfar ou ser bem-sucedidos, mas que o mais importante é aceitarmos as nossas limitações e agirmos de acordo com os nossos valores e princípios, que devem funcionar como guias de ação.

Como conseguir dizer não?

Para conseguirmos dizer não, algumas estratégias podem ser importantes e facilitadoras.

O primeiro passo passa sempre por compreender as razões das suas dificuldades. Lembra-se das razões que falamos acima para justificar o porquê de ser tão difícil dizer não? Reveja essas razões e perceba com quais se identifica. Que mensagens foi aprendendo a dizer a si mesmo? Que experiências teve e de que forma elas moldaram os seus receios nas relações com os outros? Perceber isto vai ser fundamental para conseguir desconstruir estas crenças limitadoras.

Depois, é importante que determine os seus objetivos e as suas prioridades. O que realmente quer e precisa? O que pretende alcançar? O que é de facto importante para si? Defina também e reflita sobre aquilo que não quer, o que não tolera e quais são os seus limites.

Após perceber isso, deve ser fiel ao que definiu para si, sabendo que merece aquilo que deseja e que não tem de conformar-se com as coisas que não quer, nem tem de anular os seus limites. Valida e legitime os seus desejos e necessidades e saiba que pode e deve fazê-los valer, e que isso não se trata de egoísmo, mas sim de amor próprio.

Em seguida, para conseguir dizer não, é importante perceber que tem direitos, nomeadamente:

  • Direito a ser respeitado e tratado com respeito e dignidade;
  • Direito a dizer o que pensa e sente;
  • Direito a exprimir opiniões;
  • Direito de decidir o que fazer com o seu tempo, corpo e propriedade;
  • Direito a mudar de opinião;
  • Direito a cometer erros;
  • Direito a pensar de forma diferente;
  • Direito a decidir sem pressão por parte dos outros;
  • Direito a ser independente e autónomo;
  • Direito a ser ouvido e levado a sério;
  • Direito a estar sozinho e a estar com quem quiser.

Depois de ter tudo isto em conta, há estratégias que pode aplicar:

  • Comunique com a outra pessoa olhando-a nos olhos, mostrando confiança em si mesmo e naquilo que está a dizer. Utilize também um tom de voz adequado, firme e tranquilo, e procure deixar fluir o seu discurso de uma maneira natural. Afinal, não está a dizer nada de errado nem nada de mal, está apenas a dizer o que pensa!
  • Quando estiver em dúvida se é “mau” dizer não a algo que não quer (por exemplo, um convite para um evento ao qual não tem interesse em ir) faça a si mesmo as seguintes questões: se eu não fizer o que a pessoa me pede, que consequências isso vai ter para ela e para mim? e se eu o fizer, que consequências vai haver para ela e para mim? quais são piores? quais são da minha responsabilidade? Vou estar a deliberadamente desrespeitar ou prejudicar alguém se disser não? Posso estar a prejudicar-me a mim se disser sim?
  • Fale e transmita a sua mensagem de uma forma clara, explícita e direta, sem rodeios e sem necessidade de se justificar demasiado.
  • Aceite-se incondicionalmente, ou seja, reconheça que pode errar e ter limitações sem que isso faça de si uma pessoa sem falar ou indigna. Perceba que uma coisa é aceitar que deve mudar porque se enganou e outra é condenar-se a si próprio como ser-humano. A autocrítica saudável é aquela que provém do amor-próprio.
  • Confronte os seus pensamentos com os factos e a realidade. Olhe cada um dos seus pensamentos como uma hipótese que deve ser provada com factos. Por exemplo, se pensa “se eu disser que não ele vai ficar chateado e nunca mais me vai falar”: tem provas disso? Sabe com 100% de certeza que é isso que vai acontecer? Já disse não antes e a pessoa não deixou de falar comigo? Qual é o pior que pode acontecer? E o que é o mais provável de acontecer?
  • Aceite desafios e assuma riscos ponderados para vencer o medo. Não evite tudo aquilo que teme nem se refugie no que é confortável. Procure expor-se, de forma gradual, às coisas que receia, pois isso vai dar-lhe novas competências e capacidades para enfrentar as situações.
  • Perante uma situação em que não sabe o que fazer, questione-se: até que ponto, nesta situação específica, (sendo o mais objetivo possível, sem autoengano e procurando não se deixar influenciar demasiado pelos seus paradigmas), é vital, imprescindível, básico, não negociável ou valioso ser assertivo?
  • Se estiver inseguro sobre aquilo que vai dizer, pode “ensaiar”. Pode escrevê-lo, lê-lo em voz alta, colocar-se em frente ao espelho e ensaiar. Não importa que, ao princípio, seja mecânico e muito racional (está a aprender), pois com o tempo tornar-se-á espontâneo. Se tiver uma máquina de filmar, filme-se a si mesmo a ser assertivo, observe-se, analise cada componente verbal e não verbal (a forma). Faça ensaios imaginários. Procure um lugar cómodo, feche os olhos e recrie a situação provocadora. Imagine-se a ser assertivo e reproduza mentalmente cada componente de maneira descontraída.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.