Frequentemente, ouvimos familiares ou amigos a comentar que permaneceram no local de trabalho mais tempo do que o estabelecido no seu horário de trabalho. Este tempo a mais é designado, na gíria, por “horas extra” ou “horas extraordinárias”. Quais serão então os requisitos, do ponto de vista legal, que terão de estar preenchidos para que possamos estar abrangidos por este regime?
Conforme determina a legislação laboral, o período normal de trabalho (PNT) consiste no número de horas a que o trabalhador se obriga a prestar trabalho por semana. No setor privado, o período normal de trabalho não pode exceder as 40 horas semanais e as 8 horas diárias.
Cientes das inúmeras questões que este tema suscita, redigimos o presente artigo onde procuramos responder a algumas das perguntas mais frequentes sobre o trabalho prestado a título suplementar, nomeadamente em que consiste, quais os limites e quais os direitos dos trabalhadores. Boa leitura!
O que é o trabalho suplementar?
De acordo com o Código do Trabalho, o trabalho suplementar consiste no trabalho prestado fora do período normal de trabalho. Acontece que, frequentemente, o trabalhador presta a sua atividade para além do limite legal. Ora, estaremos aqui perante a designação de trabalho suplementar? Sim.
Exemplo: o João é trabalhador de uma empresa. No seu contrato de trabalho está estabelecido que o seu horário de trabalho se inicia às 09:00 e termina às 18:00. Caso fique a trabalhar após as 18:00, por mais uma hora por exemplo, o João presta trabalho a título suplementar.
Referir ainda que, para complementar a noção de trabalho suplementar, o legislador decidiu excluir desta qualificação um conjunto de situações, não se compreendendo como trabalho suplementar os seguintes casos:
- Por regra, o trabalhador preste a sua atividade isento de horário de trabalho;
- O trabalhador preste a sua atividade para compensar, independentemente da sua causa, suspensões de atividade, até 48 horas, mediante acordo entre ambas as partes;
- Haja um período de tolerância de 15 minutos sobre o término do horário de trabalho;
- O tempo seja utilizado pelo trabalhador para assistir a ações de formação profissional realizadas fora do seu horário de trabalho, desde que não exceda as 2 horas diárias;
- O trabalho tenha sido prestado para compensar situações de faltas do trabalhador;
- O trabalho tenha sido prestado para compensar outras situações de períodos de ausência do trabalhador, desde que tenham tido o acordo do empregador;
- O trabalho tenha sido prestado para compensar o encerramento da empresa para férias.
Quando pode ser prestado trabalho suplementar?
Uma vez delimitada a noção de trabalho suplementar e, significando esta uma disponibilidade acrescida do trabalhador perante o empregador, a sua exigência terá de ser fundamentada. Assim sendo, o empregador, apenas pode solicitar a prestação de trabalho suplementar:
- Quando se verifique um acréscimo de natureza eventual e transitória do trabalho a prestar que não justifique a contratação de um novo trabalhador;
- Quando ocorra um motivo de força maior (em caso de catástrofe, por exemplo);
- Quando se torne necessário prevenir ou reparar prejuízo sério e grave para a empresa.
Articulando a noção de contrato de trabalho suplementar com a questão do seu âmbito de aplicação, conseguimos delimitar a figura aos casos em que, de facto, o empregador possa exigir do trabalhador a prestação de trabalho a este título.
Assim, verificando-se um dos fundamentos acima referidos, o empregador tem o direito de exigir do trabalhador a prestação do trabalho suplementar, sendo o trabalhador obrigado a realizá-lo, sob pena de incorrer em contraordenação muito grave nos termos do disposto na lei laboral.
A regra da obrigatoriedade da prestação de trabalho a este título comporta, claramente, diversas exceções, nomeadamente:
- O trabalhador designado para prestar trabalho suplementar pode solicitar a sua dispensa quando existam motivos atendíveis. Sendo este um conceito indeterminado, teremos de aferir o caso em concreto. No entanto, se o empregador não considerar o motivo plausível, o trabalhador continua obrigado a prestar trabalho suplementar. Caso contrário viola o dever de obediência;
- A trabalhadora grávida, a trabalhadora que tenha a seu cargo filho com idade inferior a 12 meses e a trabalhadora que esteja a dar de amamentar, não está obrigada a prestar trabalho a título suplementar;
- O trabalhador portador de doença crónica ou deficiência também não é obrigado a prestar trabalho suplementar;
- Se o trabalhador menor tiver uma idade igual ou superior a 16 anos, poderá prestar trabalho suplementar nos casos em que seja indispensável para prevenir um prejuízo sério para a empresa, devido a uma circunstância excecional ainda que previsível, cujas consequências não poderiam ser evitadas, desde que não existisse outro trabalhador disponível na empresa. Esta situação não se pode estender para além de 5 dias úteis.
Quais os limites ao trabalho suplementar?
A prestação do trabalho suplementar, além de comportar as exceções enunciadas, comporta também limites temporais. Estes são aferidos com base na dimensão da empresa e estão fixados no Código do Trabalho. Assim, numa base anual o trabalhador apenas pode prestar trabalho a título suplementar durante um período de:
- No caso de micro ou pequena empresa 175 horas. Não obstante poder ser aumentado até 200 horas, por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (acordos entre a organização sindical de um determinado setor e as entidades patronais);
- No caso de média ou grande empresa, 150 horas;
- No caso de trabalhador a prestar atividade a tempo parcial, 80 horas ou o número correspondente à proporção entre o respetivo período normal de trabalho e o trabalhador a tempo completo em situação comparável, quando superior, sem prejuízo de poder ser aumentado até 130 horas por acordo entre as partes ou até 200 horas por instrumento de regulamentação coletiva.
Numa base diária, o trabalhador não pode prestar trabalho suplementar:
- Mais de 2 horas por dia, em dia normal de trabalho;
- Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou feriado;
- Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário, em meio-dia de descanso complementar.
No caso de estes limites serem ultrapassados, é lícito ao trabalhador recusar a prestação do trabalho, para além de constituir contraordenação muito grave.
O trabalho suplementar confere direito a descanso?
Sim. A prestação de trabalho suplementar confere ao trabalhador o direito a um descanso compensatório remunerado, nas seguintes situações:
- Quando a prestação do trabalho tenha sido impeditiva do gozo de um descanso diário, correspondente às horas de descanso em falta;
- Quando o trabalho tenha sido prestado em dia de descanso semanal obrigatório.
Dar ainda nota que, de acordo com a legislação do trabalho, o descanso compensatório referido anteriormente é marcado por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador.
Como é pago o trabalho a título suplementar?
De acordo com a legislação, o trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária tendo em consideração os seguintes acréscimos:
- 25% para a primeira hora em dia normal de trabalho, até 37,5% para as horas ou frações de hora subsequentes;
- 50% para dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e feriados por cada hora ou fração.
O trabalho suplementar tem de ser registado?
Devem assinalar-se alguns deveres diretamente relacionados com a prestação de trabalho suplementar que se impõe ao empregador. Neste sentido, o empregador é obrigado a manter um registo atualizado das horas de trabalho que se prestam a título suplementar na empresa. Este registo tem de cumprir as exigências previstas na lei.
Além disso, tem a entidade empregadora dever de enviar à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), informação relativa sobre a prestação de trabalho suplementar durante o ano civil anterior. Constitui contraordenação grave e contraordenação leve, respetivamente, a violação destes deveres.
– artigo redigido por uma jurista com base no disposto nos artigos 226.º a 231.º do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009)
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