Amor não correspondido: os dois lados da mesma moeda

amor não correspondido

Todos nós já tivemos a experiência de gostar de alguém e de não haver reciprocidade nesse amor, o que nos magoou muito. Do mesmo modo, provavelmente, também já aconteceu o contrário – isto é, sermos nós a não gostar da outra pessoa dessa forma – e também nos sentimos numa posição ingrata.

A verdade é que raramente se pensa no lado de quem rejeita. Neste artigo, abordamos o amor não correspondido, procurando explorar os dois lados da “barricada”, isto é, da pessoa que é rejeitada e de quem rejeita. Rapidamente iremos perceber que não é fácil para nenhum deles.

Compreender o amor não correspondido

O conhecimento acerca de relações que falharam em ser formadas e bem-sucedidas (amor não correspondido) é, ainda hoje, um pouco escasso, mesmo a nível científico, apesar da sua relevância para a compreensão dos processos relacionais.

Não obstante, quando se aborda o fenómeno, é quase exclusivamente da perspetiva do pretendente que ama sem ser correspondido, o qual sofre por amor. Esse sofrimento é geralmente reconhecido e validado pelas pessoas à sua volta, que empatizam com a sua tristeza e tentam dar apoio.

O curioso no fenómeno do amor não correspondido é que nem sempre se fala da experiência da pessoa que é o alvo de amor e que o rejeita. Contrariamente ao que se pensa, quem rejeita pode ter uma experiência mais negativa que o pretendente. Este último pode sofrer mais intensamente que o primeiro, mas a possibilidade de felicidade faz com que o investimento emocional valha a pena: tendem a considerar as suas experiências de pretendentes como sendo “montanhas-russas” emocionais, mas também como mais entusiasmantes do que as suas experiências em que eles próprios foram os “rejeitantes”.

Significa isto que, de alguma forma, os pretendentes, ainda que sofram, consideram que a experiência de amarem lhes ensinou lições valiosas.

E para quem rejeita? Para o “rejeitante”, não há nada que ele ganhe no final (todo o sofrimento foi em vão): recusar amor parece violar certas tendências humanas enraizadas e ir contra motivações inatas que nos preparam para estabelecer relações.

Como forma de lidar com o sofrimento, o pretendente acaba por recorrer a músicas, livros e filmes, que funcionam como “roteiros” ou “guiões” que o ajudam a lidar com a situação – ou através da exteriorização da raiva, ou da validação do sofrimento; quer apelando a que se distraia ou valorize amizades, que viaja, e que, simplesmente “aceite a falha” e siga com a sua vida. Mas e quem rejeita? Os “rejeitantes” veem-se sem guias, enfrentando ambiguidades, especialmente porque podem assumir o papel de “pessoas horríveis que estão a causar sofrimento a alguém inocente”.

Se o pretendente tentar ganhar o amor do outro, as consequências podem oscilar desde um desgosto resultante da rejeição até a um caso de felicidade. Já no caso do “rejeitante”, as consequências são sempre negativas: surgem sentimentos de frustração e culpa/mal-estar por estar a infligir, não intencionalmente, dor emocional no outro.

O desconforto de quem rejeita pode ser especialmente agudizado se o pretendente continuar as suas “investidas”. De qualquer modo, aquele enfrenta sempre um dilema moral: pode dedicar tempo ao pretendente (havendo o risco de encorajá-lo a não desistir) ou rejeitar os seus avanços.

A “razão” do amor não correspondido

Uma vez que as pessoas preferem sempre o parceiro mais atraente, as pessoas que são mais atraentes, tendo mais escolha, tendem a escolher preferencialmente os indivíduos que o são mais, deixando os outros para “emparelhar” depois, havendo, portanto, uma rejeição destes últimos.

Neste caso, a rejeição abarca a mensagem simbólica de que o pretendente não tem as qualidades suficientes para ser o parceiro adequado do “rejeitante”. Portanto, a auto-estima é central na experiência do pretendente: o amor não correspondido diminui a auto-estima do admirador (e pode aumentar a do “rejeitante”, visto que se pode considerar mais desejado).

A outra categoria relaciona-se com amizades platónicas – o aumento da intimidade pode encorajar um dos indivíduos (normalmente o menos atraente) a desenvolver sentimentos românticos pelo outro, desejando passar para uma relação romântica, o que acaba por não acontecer.

Dificuldades da pessoa que não corresponde

As dificuldades do “rejeitante” em comunicar-se explicam-se por este ser, não só o transmissor da rejeição, mas igualmente a causa do sofrimento do pretendente. Deste modo, a relutância em expressar a rejeição alia-se à hesitação do pretendente em ouvi-la, e, embora o “rejeitante” se queira expressar explicitamente, acaba sempre por ser equívoco e por usar clichés, não passando a mensagem por completo – “o problema não és tu, sou eu”, “não te quero fazer sofrer”, etc.

Além disso, a preocupação do pretendente com as suas próprias necessidades e desejos faz com que não se aperceba do que o “rejeitante” experiencia, levando-o a ignorar sinais de rejeição.

Amor não correspondido: bilateralmente doloroso

O amor não correspondido emerge como sendo uma experiência dolorosa para ambas as partes, marcada por interdependência emocional, incompreensão mútua e por uma vitimização bilateral: o “rejeitante”, vítima de persistente perseguição, e o pretendente, de rejeição.

Como forma de lidar com esta situação, é possível que os “rejeitantes” construam a sua versão da história de forma a tentar reduzir a sua culpa, enquanto os pretendentes contam-na de modo a reconstruir a sua auto-estima (provavelmente, em retrospetiva, procurarão ignorar muitos dos casos em que não houve reciprocidade no seu amor para que o sofrimento seja menor).

Há, igualmente, semelhanças a apontar: ambos desejam que o outro sentisse/agisse de maneira diferente, pelo que a passividade e a insatisfação são transversais.

Em conclusão, o amor não correspondido, isto é, dar amor sem receber causa dor e recebê-lo apenas causa culpa e indignação. A única posição ideal para se estar é, aparentemente, ser amado apenas por quem a pessoa também ama.

Inês Dias

Mestre em Psicologia Clínica e Pós-graduada em Profiling Criminal e Criminologia Forense, interessa-se ainda por Viagens, Fotografia e Música. O seu gosto pela formação e ensino levou-a a dar explicações a dezenas e dezenas de alunos ao longo dos anos e a dar formação. Mas também a procurar, ela própria, aprender sempre mais, sobre diversos temas. Mantém um certo carinho pela escrita e revisão de texto, o que a levou a colaborar em diversos projetos na área da Psicologia e não só. Este é mais um deles.

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