O internamento compulsivo consiste no internamento de um portador de anomalia psíquica grave realizado por decisão do Tribunal.
Lembremos que um doente mental, estando numa situação de crise, pode não possuir faculdades mentais para voluntariamente submeter-se a um tratamento e que a sua conduta pode ser prejudicial para o próprio e também para terceiros, sendo, por isso, necessário o internamento compulsivo para alcançar a estabilidade do doente.
Neste artigo, pretendemos dar-lhe a conhecer os contornos do processo de internamento compulsivo, incluindo os direitos do doente mental a ele sujeito. Boa leitura!
O que é o internamento compulsivo?
Como dissemos, o internamento compulsivo trata-se do internamento de um portador de anomalia psíquica grave num estabelecimento adequado, por decisão judicial.
Quais os requisitos do internamento compulsivo?
O internamento compulsivo, sendo uma forma de privação da liberdade e realizado sem o consentimento da pessoa, é uma situação excecional e que só se pode verificar mediante o preenchimento de determinados pressupostos.
Assim, o internamento compulsivo só pode ser determinado quando:
- o portador de anomalia psíquica grave crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico; ou
- o portador de anomalia psíquica grave não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento, quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado;
e se for:
- a única forma de garantir a submissão a tratamento; e
- proporcionado ao grau de perigo e ao bem jurídico em causa.
Por outro lado, as restrições aos direitos fundamentais, (nomeadamente, a liberdade) decorrentes do internamento compulsivo, devem ser as estritamente necessárias e adequadas à efetividade do tratamento e à segurança e normalidade de funcionamento do estabelecimento.
Além disso, logo que cessem os fundamentos que deram causa ao internamento compulsivo, este deve findar e, sempre que possível, o internamento deve ser substituído por tratamento em regime ambulatório (deslocações do doente ao estabelecimento, sem estar internado).
Quais os direitos do internado?
O portador de anomalia psíquica que possa vir a ser sujeito a internamento compulsivo (existindo processo nesse sentido) tem os seguintes direitos:
- Ser informado dos direitos que lhe assistem;
- Estar presente nos atos processuais que diretamente lhe digam respeito (a menos que o seu estado de saúde o impeça);
- Ser ouvido pelo juiz sempre que possa ser tomada uma decisão que pessoalmente o afete (a menos que o seu estado de saúde tornar a audição inútil/inviável);
- Ser representado por um advogado (oficioso ou não) em todos os atos processuais em que participar e também nos que diretamente lhe digam respeito e não possa estar presente;
- Oferecer provas e requerer diligências que se lhe afigurem necessárias.
Numa fase posterior, ou seja, estando já internado compulsivamente, o portador de anomalia psíquica tem, em especial, os seguintes direitos:
- Ser informado e, sempre que necessário, esclarecido sobre os direitos que lhe assistem;
- Ser esclarecido sobre os motivos da privação da liberdade;
- Ser assistido por advogado (oficioso ou não), podendo comunicar em privado com este;
- Recorrer da decisão de internamento e da decisão que o mantenha;
- Votar, nos termos da lei;
- Enviar e receber correspondência;
- Comunicar com a comissão de acompanhamento (constituída por psiquiatras, juristas, por um representante das associações de familiares e utentes de saúde mental e outros técnicos de saúde mental).
Quem pode pedir o internamento compulsivo?
O internamento compulsivo de portador de anomalia psíquica grave em estabelecimento adequado pode ser requerido:
- pelo representante legal de menor;
- pelo acompanhante de maior quando o próprio não possa, por sentença, exercer direitos pessoais;
- por qualquer pessoa com legitimidade para requerer a instauração do acompanhamento;
- pelas autoridades de saúde pública;
- pelo diretor clínico do estabelecimento, se ocorrer no decurso de um internamento voluntário; ou
- pelo Ministério Público.
Saliente-se, ainda, que qualquer médico que, no exercício das suas funções, verifique uma anomalia psíquica, que preencha os pressupostos para o internamento compulsivo, pode comunica-la à autoridade de saúde pública para que esta, por sua vez, requeira o internamento compulsivo.
O pedido é feito através de um requerimento escrito dirigido ao Tribunal no qual se descrevem os factos que fundamentam a pretensão, devendo, sempre que possível, ser instruído com relatórios clínico-psiquiátricos e psicossociais.
Qual o procedimento de internamento compulsivo?
Apesar de o portador de anomalia psíquica grave não ser um criminoso, nem um arguido, este processo coloca em causa a privação da sua liberdade (como acontece com a prisão), por isso o processo de internamento compulsivo corre nos juízos criminais.
Assim, recebido o requerimento de internamento compulsivo neste Tribunal, verifica-se o seguinte procedimento:
- o juiz notifica o portador de anomalia psíquica, informando-o dos seus direitos e deveres e nomeia-lhe um advogado (que pode ser substituído por outro que o doente contrate);
- no prazo de 5 dias, o advogado, o familiar mais próximo do doente, bem como o Ministério Público podem requerer o que tiverem por conveniente;
- o juiz determina a realização de diligências necessárias e a avaliação clínico-psiquiátrica do doente pelos serviços oficiais de assistência psiquiátrica da área de residência do doente, devendo ser realizada por dois psiquiatras, no prazo de 15 dias, com a eventual colaboração de outros profissionais de saúde mental;
- Recebido o relatório da avaliação clínico-psiquiátrica, o juiz designa data para a sessão conjunta, na qual é obrigatória a comparência do advogado e do Ministério Público;
- Na sessão conjunta, são ouvidas as pessoas convocadas (podem ser ouvidos o doente, o familiar próximo, o médico assistente e psiquiatras), o advogado e o Ministério Público podem fazer alegações sumárias e o juiz profere uma decisão (de manutenção do internamento compulsivo, internamento em regime ambulatório ou arquivamento do processo).
Este processo tem natureza secreta e urgente e é isento de custas processuais.
Quando termina o internamento compulsivo?
O internamento compulsivo termina quando cessarem os pressupostos que lhe deram origem e através de:
- alta dada pelo diretor clínico do estabelecimento, fundamentada em relatório de avaliação clínico-psiquiátrica do serviço de saúde onde decorreu o internamento, ou
- decisão judicial.
– artigo redigido com base na Lei de Saúde Mental (Lei n.º 36/98).