Já dizia Álvaro de Campos, o mais famoso dos heterónimos de Fernando Pessoa, que “todas as cartas de amor são ridículas”. Ora, se todas as cartas de amor são ridículas, logo todos os poemas de amor também o são. Em estrofes, rimas, versos livres ou não, lá está o poeta, despido do seu orgulho, imerso em sentimentos amorosos, sendo, livremente, ridículo, afinal de contas, todo aquele que se expõe, que se deixa inundar pela paixão, passa a estar entregue às emoções. Não se pode negar que o amor nos deixa deveras comovidos.
O amor é um sentimento antigo, porém, jamais antiquado, e continua a ser assunto de canções, livros, filmes e poemas; continua a mover os artistas, os apaixonados e a dar alguma redenção quando o mundo parece um lugar muito complicado para se viver. O amor é inabalável, inesgotável e intemporal. O amor jamais cansa. (E, por mais modernos que sejam os tempos, por mais voláteis que sejam as relações na contemporaneidade, o amor está sempre à espreita, esperando a grande oportunidade para acontecer).
Poemas de amor da literatura portuguesa
Se chegou até aqui porque é um ser amoroso – e porque também está à procura dos melhores poemas de amor da literatura portuguesa -, então fique certo de que os encontrou nesta seleção que preparamos especialmente para si. Fique à vontade para apreciar estas verdadeiras joias da lusofonia, afinal de contas, ridículos são também aqueles que nunca escreveram – ou remeteram – um poema de amor. Boa leitura!
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhuma estrela queime o teu perfil Que nenhum deus se lembre do teu nome Que nem o vento passe onde tu passas. Para ti criarei um dia puro Livre como o vento e repetido Como o florir das ondas ordenadas. (Poema de amor de Sophia de Mello Breyner Andresen)
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para atravessar contigo o deserto do mundo Para enfrentarmos juntos o terror da morte Para ver a verdade para perder o medo Ao lado dos teus passos caminhei Por ti deixei meu reino meu segredo Minha rápida noite meu silêncio Minha pérola redonda e seu oriente Meu espelho minha vida minha imagem E abandonei os jardins do paraíso Cá fora à luz sem véu do dia duro Sem os espelhos vi que estava nua E ao descampado se chamava tempo Por isso com teus gestos me vestiste E aprendi a viver em pleno vento (Poema da autoria de Sophia de Mello Breyner Andresen)
Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer a razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida! Não vejo nada assim enlouquecida ... Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida! "Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..." Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de rastros: "Ah ! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus : Princípio e Fim! ..." (Poema de amor de Florbela Espanca)
Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente Amar! Amar! E não amar ninguém! Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente! Há uma Primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar! E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... pra me encontrar... (Autoria de Florbela Espanca)
O amor
é o amor O amor é o amor -e depois?! Vamos ficar os dois a imaginar, a imaginar?... O meu peito contra o teu peito, cortando o mar, cortando o ar. Num leito há todo o espaço para amar! Na nossa carne estamos sem destino, sem medo, sem pudor, e trocamos -somos um? somos dois?- espírito e calor! O amor é o amor -e depois?! (Autoria de Alexandre O’Neill)
O teu nome
Flor de acaso ou ave deslumbrante, Palavra tremendo nas redes da poesia, O teu nome, como o destino, chega, O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo De todas as cores do dia! (Poema de amor de Alexandre O’Neill)
O amor é uma companhia
O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos, Porque já não posso andar só. Um pensamento visível faz-me andar mais depressa E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo. E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar. Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas. Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. Todo eu sou qualquer força que me abandona. Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio. (Poema de amor de Alberto Caeiro - heterónimo de Fernando Pessoa)
Cartas de amor
Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridículas. As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas. Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas. Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas. A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas. (Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas). (Poema de amor de Álvaro de Campos - heterónimo de Fernando Pessoa)
O amor que sinto
O amor que sinto é um labirinto. Nele me perdi com o coração cheio de ter fome do mundo e de ti (sabes o teu nome), sombra necessária de um Sol que não vejo, onde cabe o pária, a Revolução e a Reforma Agrária sonho do Alentejo. Só assim me pinto neste Amor que sinto. Amor que me fere, chame-se mulher, onda de veludo, pátria mal-amada, chame-se "amar nada" chame-se "amar tudo". E porque não minto sou um labirinto. (Poema da autoria de José Gomes Ferreira)
Morrer de amor
Morrer de amor ao pé da tua boca Desfalecer à pele do sorriso Sufocar de prazer com o teu corpo Trocar tudo por ti se for preciso (Poema de amor de Maria Teresa Horta)
O corpo não espera
O corpo não espera. Não. Por nós ou pelo amor. Este pousar de mãos, tão reticente e que interroga a sós a tépida secura acetinada, a que palpita por adivinhada em solitários movimentos vãos; este pousar em que não estamos nós, mas uma sede, uma memória, tudo o que sabemos de tocar desnudo o corpo que não espera; este pousar que não conhece, nada vê, nem nada ousa temer no seu temor agudo... Tem tanta pressa o corpo! E já passou, quando um de nós ou quando o amor chegou. (Poema de amor da autoria de Jorge de Sena)
Como queiras, Amor
Como queiras, Amor, como tu queiras. Entregue a ti, a tudo me abandono, seguro e certo, num terror tranquilo. A tudo quanto espero e quanto temo, entregue a ti, Amor, eu me dedico. Nada há que eu não conheça, que eu não saiba e nada, não, ainda há por que eu não espere como de quem ser vida é ter destino. As pequeninas coisas da maldade, a fria tão tenebrosa divisão do medo em que os homens se mordem com rosnidos de mal contente crueldade imunda, eu sei quanto me aguarda, me deseja, e sei até quanto ela a mim me atrai. Como queiras, Amor, como tu queiras. De frágil que és, não poderás salvar-me. Tua nobreza, essa ternura tépida quais olhos marejados, carne entreaberta, será só escárnio, ou, pior, um vão sorriso em lábios que se fecham como olhares de raiva. Não poderás salvar-me, nem salvar-te. Apenas como queiras ficaremos vivos. Será mais duro que morrer, talvez. Entregue a ti, porém, eu me dedico àquele amor por qual fui homem, posse e uma tão extrema sujeição de tudo. Como tu queiras, Amor, como tu queiras. (Poema de amor de Jorge de Sena)