Memória: subtipos, problemas e exercícios

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A memória é uma função mental imprescindível. Sem memória, não seríamos capazes de pensar, de raciocinar, ou mesmo de interagir com as outras pessoas. Por vezes quando pensamos em memória associamos apenas a recordações ou episódios de que nos lembramos, no entanto praticamente todas as informações que utilizamos no dia-a-dia requerem memória: quando conduzimos estamos a usar a memória procedimental, que é a memória relativa a procedimentos e ao saber-fazer, por exemplo.

Assim, a memória é muito importante, e neste artigo pretendemos ajudar a compreender o conceito de memória, os diferentes tipos de memória e como podemos potenciar a nossa memória.

O que é a memória?

Para percebermos melhor o que é a memória podemos compará-la a uma biblioteca. É como se na nossa memória estivessem armazenados os livros de toda a nossa vida – os nossos conhecimentos, aquilo que vamos aprendendo, as coisas que vamos vivendo…

Na nossa biblioteca existem diferentes secções e prateleiras: uma para as memórias de factos e coisas concretas, como as tabuadas que aprendemos na escola, outras para eventos da nossa vida, como o primeiro dia de escola ou a morte de alguém muito querido, outras ainda para coisas mais práticas, como saber andar de bicicleta ou conduzir, etc. A nossa memória é muito variada e rica.

Tal como em qualquer biblioteca, na nossa memória há livros que chegam e permanecem pouco tempo – como aquilo que comemos há um mês atrás e que, por não ter relevância, já não nos lembramos – outros que permanecem apenas o tempo em que precisamos deles – como quando estou a fazer um cálculo mental e preciso de me lembrar dos números – e outros ainda que ficam muitos, muitos anos – como as memórias que temos da infância.

A memória é um processo cognitivo, ou seja, é um fenómeno mental, que nos permite:

  • Adquirir informação: é como se, na biblioteca da nossa memória, comprássemos um livro novo. Quando ele chega, temos que o guardar, mas antes disso vamos ver as suas características e atribuir-lhe um código. Da mesma forma, no dia-a-dia adquirimos muitas informações, por exemplo, quando conhecemos alguém aprendemos o nome da pessoa. Esse nome, para ser armazenado na nossa memória, tem uma codificação, que pode ser o rosto da pessoa, o sítio onde a conhecemos…
  • Armazenar: depois disto acontecer, vamos guardar o livro na prateleira. Para isso, temos que ver qual é a secção em que ele se encaixa. Da mesma forma, o nome da pessoa que conhecemos vai ficar temporariamente armazenado na nossa memória para nomes e pessoas.
  • Retenção: depois, se já sabemos em que secção é que o livro melhor se encaixa e se ele é importante para nós, vamos guardá-lo.
  • Recuperação: depois de o livro estar guardado na biblioteca, podemos mais tarde vir a precisar dele e querer ir buscá-lo. Da mesma forma, quando virmos novamente aquela pessoa que conhecemos noutro sítio, vamos à nossa memória recuperar o nome dela.

Que subtipos de memória existem?

A memória diz respeito à nossa capacidade de registar, manter e evocar factos já ocorridos. Assim, está diretamente relacionada com a consciência, a atenção e a afetividade. O processamento das memórias envolve a capacidade de captar novas informações, de conectar essas informações novas com memórias já armazenadas no cérebro ou com outras coisas que possam ajudar na evocação da memória, e a capacidade de recuperar as informações presentes na memória.

No entanto, não existe apenas um tipo ou sistema de memória, mas sim vários:

  • Memória a curto-prazo;
  • Memória a longo-prazo:
    • Memória declarativa ou explícita;
    • Memória não-declarativa ou implícita.

Em primeiro lugar, podemos distinguir entre memória a curto-prazo e memória a longo-prazo. Quando recebemos alguma informação, informação é codificada e fica na nossa memória a curto-prazo pelo tempo em que precisamos dela, geralmente alguns minutos. Depois, podem acontecer duas coisas: ou a informação é descartada porque não é importante e já não precisamos dela, ou então ela é passada para a memória a longo-prazo.

A memória a longo-prazo recebe as informações importantes da memória a curto-prazo e armazena-as. Até agora não se conhece limites para a memória a longo-prazo, quer em termos de quantidade de informação quer em termos de tempo que essa informação pode ficar armazenada. A nossa biblioteca da memória é imensa e vasta. É na memória a longo-prazo que estão todas as informações que temos disponíveis de forma mais-ou-menos permanente, e as coisas que estão nela armazenadas influenciam a nossa vida e as nossas decisões. Por exemplo, é porque nos lembramos que somos alérgicos a um alimento, p.ex. amendoins, que no dia-a-dia sabemos que devemos evitar esse alimento.

Dentro da memória a longo-prazo podemos encontrar a memória declarativa ou explícita e a memória não-declarativa ou implícita. Na memória declarativa está a memória episódica, onde ficam guardados todos os eventos e acontecimentos da nossa vida. É lá que estão os livros da nossa infância, as histórias sobre as coisas marcantes que nos aconteceram, as nossas amizades, as pessoas importantes para nós, o nome do nosso primeiro cão, etc.

Na memória declarativa está também a memória semântica, onde guardamos todos os factos e conhecimentos que vamos acumulando e que não estão ligados a nós pessoalmente – por exemplo, tudo aquilo que aprendemos na escola, saber as tabuadas, saber que o céu é azul, que Lisboa é a capital de Portugal, etc. Depois temos outro tipo de memória, que é a memória não-declarativa, onde estão todas as coisas práticas – é nessa memória que estão guardados os passos e movimentos necessários para sabermos conduzir ou andar de bicicleta, tocar piano, ler, etc.

Porque me lembro de umas coisas e de outras não?

Provavelmente já todos parámos para pensar que é curioso como há coisas de há muitos anos que parecemos lembrar com todo o pormenor, e outras que aconteceram há pouco tempo e que não conseguimos lembrar. Este processo inconsciente que a nossa memória faz é, no fundo, uma seleção, e daí podermos dizer que a memória é seletiva.

De facto, a memória seletiva tem uma função, e o esquecimento pode ser mau em certos casos, como por exemplo acontece na demência de Alzheimer em que vamos perdendo capacidades importantes, mas também pode ser benéfico noutros. Isto porque nos permite desfazer de dados irrelevantes e cria espaço para novas informações, mais importantes.

Esquecendo, a nossa biblioteca não só se liberta de livros que não têm interesse e que aparecem todos os dias a toda a hora – porque estamos sempre a ser rodeados e bombardeados de informação – como também deixa espaço para que possamos conservar os livros realmente importantes na nossa memória.

Será que tenho problemas de memória?

O esquecimento é um processo natural porque, como vimos, a nossa memória não guarda toda a informação que recebemos, já que diariamente estamos expostos a milhares de estímulos e informações. Por isso, a memória é seletiva e seleciona aquilo que é relevante ou não guardar. Além disso, a memória é como um músculo que, se não for estimulado, vai perdendo capacidades. Por fim, também com o envelhecimento e o processo natural de degeneração cerebral, a memória vai perdendo alguma da sua funcionalidade.

Por estes motivos, é importante que saibamos distinguir entre aquilo que são pequenos lapsos ou esquecimentos naturais, e aquilo que podem ser sinais de alarme que nos alertam para um possível problema neurológico, sendo que devemos nesse caso procurar um profissional de saúde.

Alguns dos principais sinais de alarme são:

  • As outras pessoas referirem com frequência que “anda muito esquecido/a”;
  • Esquecer-se com frequência de nomes de pessoas relativamente próximas de si;
  • Esquecer-se muitas vezes de onde põe as coisas;
  • Ter necessidade de registar tudo para não se esquecer;
  • Ter muita dificuldade em encontrar as palavras que quer dizer;
  • Perder-se ou não saber onde está;
  • Fazer as coisas muito mais lentamente;
  • Ficar com as ideias confusas ou baralhadas;
  • Ter muitas dificuldades de concentração;
  • Esquecer-se de horários, por exemplo da toma de medicações;
  • Esquecimento de compromissos ou do pagamento de contas.

Como memorizar melhor a informação?

Através da informação e dados fornecidos pela ciência e pelos estudos científicos, conseguimos perceber que há formas mais eficazes de memorizarmos a informação e de evitar o esquecimento. Isto pode ser especialmente útil quando precisamos de memorizar muita informação, por exemplo para um teste ou exame.

Algumas das principais técnicas que potenciam a memorização são:

  • Agrupamento categórico – consiste em organizar a informação ou os itens que queremos memorizar num conjunto de categorias;
  • Imagens interativas – consiste em criarmos imagens interativas associadas às palavras que queremos memorizar;
  • Sistema de palavras associadas – consiste em associarmos cada palavra de uma lista memorizada previamente e formar uma imagem interativa entre ambas as palavras;
  • Método dos lugares – consiste em visualizarmos um passeio por uma área conhecida com diferentes pontos que se conheça bem e, então, associar esses vários pontos a palavras específicas a serem lembradas;
  • Acrónimo – consiste em utilizar frases ou palavras cujas iniciais representam outras palavras ou conceitos;
  • Acróstico – consiste em formar frases para recordar palavras novas;
  • Sistema de palavra-chave – consiste em criar uma imagem interativa que associe o som e o significado de uma palavra estrangeira ao som e significado de uma palavra familiar;
  • Mnemónicas – são todas as estratégias que utilizamos, através de diferentes sistemas, para conseguir memorizar melhor, geralmente fazendo uso de exemplos, imagens ou associações fáceis de recordar.

Podemos exercitar e estimular a nossa memória?

Apesar de todos termos esta biblioteca tão rica que é a nossa memória, não nos devemos esquecer que a memória é um processo, uma capacidade cognitiva ou mental, e que por isso, tal como se nós não exercitamos o corpo deixamos de conseguir fazer muitas coisas com ele, se nós não exercitarmos a memória ela também se vai tornando cada vez menos eficiente com o tempo. Por isso, se a nossa memória é como uma biblioteca, se queremos que ela funcione bem, temos que folhear os livros, relê-los várias vezes. Acima de tudo, não deixar que os livros fiquem esquecidos, a ganhar pó na prateleira.

As vantagens da estimulação são muitas: por um lado, quanto mais treinarmos a memória, melhores somos a memorizar informação. Por outro lado, com o envelhecimento e o aparecimento de doenças neurodegenerativas como a demência, a memória vai perdendo muito as suas capacidades e, com a estimulação, podemos prevenir que isto aconteça. Com isso, também vamos conseguir funcionar de uma forma mais adaptada e eficaz no nosso dia-a-dia. Ou seja, o segredo é prevenir para não remediar!

Algumas estratégias que pode utilizar no dia-a-dia:

  • Fazer jogos que exigem raciocínio, como por exemplo palavras cruzadas, sopa de letras, sudoku, dominó, quebra-cabeças, enigmas…
  • Consumir diferentes conteúdos, ver filmes ou ler livros, conversar com outras pessoas sobre aquilo que viu ou leu;
  • Exercitar a memorização de pequenas coisas do dia-a-dia, como itens para comprar no supermercado ou um número de telefone;
  • Mudar o percurso que faz diariamente, para quebrar a rotina e estimular o seu cérebro;
  • Fazer receitas diferentes na cozinha, experimentando e fazendo o cérebro trabalhar perante a novidade e o desafio;
  • Dar descanso à calculador e procurar, no dia-a-dia, fazer pequenos cálculos mentais;
  • Fazer pequenos exercícios de memória no dia-a-dia, por exemplo observar uma imagem ou uma paisagem, fechar os olhos e tentar recordar o máximo de elementos da imagem vista;
  • Memorizar frases, citações ou poemas;
  • Antes de dormir, procurar recordar o seu dia com o máximo pormenor: o que fez, com quem esteve, que tarefas cumpriu, o que comeu…;
  • Manter uma vida social ativa;
  • Comer comidas diferentes de forma a estimular o seu paladar e identificar diferentes ingredientes;
  • Praticar exercício físico;
  • Fazer atividades que requerem memorização, como por exemplo teatro ou dança;
  • Utilizar a mão não dominante, por exemplo, se for destro e a sua mão dominante for a direita, utilizar a mão esquerda em tarefas simples, pois isto vai estimular o cérebro;
  • Aprender coisas novas, por exemplo um novo idioma, a tocar um instrumento, aprender novos hobbies ou passatempos;
  • Ter uma alimentação equilibrada, uma vez que há alimentos importantes para a saúde do nosso cérebro, nomeadamente alimentos ricos em ómega 6 e ómega 6 (como por exemplo o atum e o salmão), em vitamina E (óleos vegetais e sementes) e em ácido fólico (como é o caso do feijão);
  • Diminuir os níveis de stress, adotando uma rotina estável e saudável e cultivando um humor positivo;
  • Ter um estilo de vida ativo, com atividades diversificadas ao longo do dia e diferentes exigências, pois isto irá permitir ao seu cérebro manter-se ativo.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.