Vitimização: o que é, características e consequências

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A vitimização, tal como o nome indica, designa o ato de transformar ou transformar-se em vítima. Assim, quando falamos em vitimização geralmente referimo-nos à expressão conhecida de “fazer-se de vítima”. No entanto, ao contrário do que por vezes pensamos, as pessoas quando se vitimizam nem sempre o fazem com o objetivo de obter algo dos outros. O processo é interno e pode dever-se a diversas inseguranças que a pessoa apresenta.

Para melhor esclarecer, neste artigo explicaremos em que consiste a vitimização, porque acontece e como pode ser gerida e ultrapassada.

O que é a vitimização?

A vitimização consiste em nos sentirmos no lugar de vítima, ou seja, que somos passivos face às circunstâncias e àquilo que nos acontece, não tendo controlo sobre aquilo que ocorre.

A vitimização não é necessariamente uma característica estática nem específica de determinadas pessoas, já que todos nós acabamos por fazê-lo nalgumas circunstâncias. É natural que por vezes nos sintamos vulneráveis, sem controlo, e que procuremos o apoio e a validação de outras pessoas. Sabe bem, de vez em quando, termos a atenção só para nós e não termos de assumir responsabilidade. No entanto, o problema está quando a vitimização se torna um modo de vida, um padrão cognitivo ou forma de pensar. Podemos aí referir uma espécie de vitimização crónica.

A vitimização ou o assumir o papel de vítima consiste em a pessoa acreditar que tudo de mau lhe acontece, que não tem controlo sobre a sua vida e sobre as circunstâncias. A vitimização está ligada àquilo que em psicologia se designa por “locus de controlo externo”, ou seja, a tendência em avaliar o que acontece como sendo causado por fatores externos (as circunstâncias, o azar, as outras pessoas) e não por responsabilidade própria. Assim, a vitimização faz com que a pessoa não assuma as suas responsabilidades e projete tudo nos outros. O foco está no problema em vez de estar na solução.

Há também uma tendência à catastrofização ou exagero, ou seja, a pessoa exacerba e aumenta o que de mau lhe acontece, dramatizando as situações. Isto ocorre também porque há uma tendência em termos de pensamento ao foco nos aspetos negativos, o que impede de ver e ter em conta os aspetos positivos. Isso faz com que seja difícil visualizar diferentes soluções e alternativas, bem como acreditar que é capaz de autonomamente resolver a situação. Há uma certa idealização da vida dos outros, como sendo perfeita, e uma distorção da sua própria vida ou realidade, como sendo uma catástrofe. A realidade das suas vidas é observada a partir do negativo e daquilo que não têm, perdendo assim de vista o que têm de positivo.

Este padrão de funcionamento das pessoas que se vitimizam acaba por contagiar com negatividade as pessoas à sua volta. As pessoas que estão à volta, frequentemente, sentem-se impelidas a tentar ajudar. No entanto, isto pode funcionar como uma espécie de reforço positivo, ou seja, o facto de a pessoa obter a atenção que procura irá fazer com que mantenha o padrão de vitimização. Se, por outro lado, as pessoas não ajudarem, a pessoa pode mostrar-se ingrata e revoltada para com elas.

Como saber se me estou a vitimizar?

Pode não ser fácil perceber e identificar se a vitimização está a acontecer connosco. Assim, pode ser importante tentar identificar alguns sinais:

  • Ter pensamentos negativos com frequência e a sensação de que o mundo está contra si;
  • Procurar um “salvador/a” ou alguém que faça com que tudo fique bem;
  • Tendência a olhar mais para os aspetos negativos ou para aquilo que lhe falta, do que para aquilo que tem de positivo;
  • Sensação de não ter controlo da sua própria vida;
  • Tendência a queixar-se com frequência e a referir os aspetos negativos da sua vida;
  • Quando ocorre uma discussão, tem tendência a contar a história a várias pessoas procurando que estas fiquem do seu lado;
  • Desilude-se com os outros frequentemente;
  • Utiliza chantagem emocional como forma de comunicar e, consciente ou inconscientemente, manipular as pessoas à sua volta;
  • Afasta-se das pessoas pois sente que elas não o/a compreendem;
  • Fala frequentemente sobre o seu sofrimento.

Algumas frases comuns que são proferidas quando nos vitimizamos são:

  • “Sou assim e não consigo mudar”;
  • “Tudo de mal me acontece”;
  • “Sempre que tento fazer isto, corre mal”;
  • “Eu faço as coisas e nunca sou recompensado/a”;
  • “Não mereço a forma como as pessoas me tratam”;
  • “As coisas boas só acontecem aos outros”;
  • “A sorte está é para ele(s)”;
  • “Essa pessoa é que tem a vida fácil”;
  • Entre muitas outras!

Quais as consequências da vitimização?

A vitimização acarreta diversas consequências negativas. Vendo de forma contrária, as pessoas que acreditam ter o poder de exercer algum controlo sobre as suas vidas são mais saudáveis, equilibradas e bem-sucedidas do que as que não têm fé nas suas capacidades e na possibilidade de implementares mudanças. Estas segundas são as pessoas que se vitimizam. Como tal, diminuem as suas probabilidades de sucesso, bem-estar e felicidade.

Além disso, as pessoas que apresentam um padrão de vitimização acabam por adotar atitudes tóxicas e negativas, o que as prejudica a si mas também aos outros. Desta forma, podem acabar por afastar toda a gente ou a maior parte das pessoas que estão na sua vida, por transmitirem energia negativa e terem atitudes prejudiciais nas relações.

Como quebrar o padrão de vitimização?

Quebrar o padrão de vitimização passa por decidir deixar de ser vítima das circunstâncias ou sujeito passivo da sua própria vida, para ser protagonista e comandante da sua vida, tomando as rédeas das situações. Para isso, é importante que:

  • Esteja atento/a aos seus pensamentos e emoções, sobretudo quando ocorrerem situações negativas e sentir uma alteração negativa no seu humor;
  • Identifique os pensamentos que tem nesses momentos e questione-os: o que está a pensar é factual ou apenas uma interpretação? Tem provas ou evidências de que o seu pensamento é verdadeiro? Que explicações alternativas existem?
  • Procure focar-se mais nas soluções e menos nos problemas. Se a situação pode ser alterada, tente perceber que diferentes formas tem de a alterar. Se a situação não pode ser alterada, procure aceitar as circunstâncias e focar-se nas coisas que, de facto, pode mudar, em vez de se focar naquelas que não controla;
  • Perceba que assumir a responsabilidade, ainda que pareça assustador, é algo positivo, já que quando se responsabiliza por algo está a assumir que tem um maior controlo sobre as coisas;
  • Olhe para as adversidades e situações menos positivas como formas de aprendizagem. O que pode aprender com a situação? O que pode fazer de diferente na próxima vez?
  • Encare os erros como parte do processo, percebendo que o caminho para o sucesso se faz com alguns fracassos e percalços no caminho;
  • Encontre outras formas de obter afeto e atenção por parte das pessoas, sem ser por via da pena ou da compaixão. Embora essa via possa ser mais rápida e imediata, a médio e longo-prazo não lhe permitirá sustentar relações saudáveis;
  • Perceba que, apesar de não ter culpa das situações menos boas que lhe acontecem, tem responsabilidade no modo como reage a elas;
  • Liberte-se do papel passivo na sua vida e adote o papel de herói – tem dentro de si todos os recursos necessários para enfrentar as adversidades, só precisa de os ativar e praticar.

Se for difícil de forma autónoma quebrar este padrão, a psicoterapia pode ser um recurso extremamente útil e importante. Muitas vezes não temos consciência da forma como pensamentos, sentimos e nos comportamos ou, mesmo tendo essa consciência, nem sempre conseguimos alterar padrões que já estão consolidados e que utilizamos durante toda a vida. Por isso, a psicoterapia irá ajudar a identificar e fazer uso de novas estratégias e permitirá quebrar padrões anteriores e criar novas formas de perspetivar a realidade e de agir em diferentes circunstâncias.

Como lidar com alguém que se vitimiza?

Quando estamos perante alguém que apresenta um padrão de vitimização, é importante adotarmos algumas estratégias, não só para nos protegermos a nós, mas também para ajudar a pessoa a quebrar este padrão.

Em primeiro lugar, é importante que não façamos as “vontades” todas à pessoa pois, como referimos, isso só vai perpetuar o ciclo de vitimização. Em vez disso, devemos assumir uma posição assertiva e firme, procurando responsabilizar a pessoa pelos seus problemas e pelas circunstâncias da sua vida, ainda que possamos (e devamos) fazê-lo de uma forma empática.

É importante que se proteja emocionalmente de pessoas com um padrão de vitimização crónica, ou seja, manter uma certa distância emocional pode ser importante e prudente. Não tenha receio de dizer “não” se sentir que é isso que deve fazer. Lembre-se que se pode dizer “não” e ser assertivo sem ser de forma agressiva e sem ofender a outra pessoa.

Converse com a pessoa e procure ajudá-la a ver diferentes alternativas, motivando-a para adotar uma perspetiva diferente das circunstâncias e da realidade. Demonstre que o seu papel, enquanto amigo, é o de a ajudar a assumir o controlo da sua vida, e não assumir esse controlo por ela.

Não se sinta culpado/a por dizer “não” ou ser assertivo, já que, para além de ser importante proteger-se emocionalmente, embora não pareça ou a pessoa não o perceba, está a ajudá-la a quebrar o padrão de vitimização e não está a alimentar este modo de funcionamento. Pode sentir-se mal porque a pessoa pode culpá-lo/a ou até fazer chantagem emocional, por isso é importante que esteja preparado para isso e que clarifique os limites.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.