Como gerir as emoções numa situação de crise?

gerir as emoções numa situação de crise

Sabemos que a vida é feita de irregularidades. Que não é sempre linear e estável. Que por vezes surgem momentos de crise e, quando eles surgem, transformamo-nos em bombeiros num permanente apagar-fogos, muitas vezes sem saber como. Por isso, e porque situações de crise são imprevisíveis e podem ocorrer em qualquer momento, a qualquer pessoa, é fundamental dotar-se de ferramentas que o permitam enfrentar a crise da forma o mais adaptativa possível.

O que é a crise psicológica?

A crise psicológica acontece quando somos colocados perante uma situação particularmente exigente, com a qual não estamos habituados a lidar (por exemplo, uma doença grave, um acidente, uma catástrofe, uma epidemia, etc).

A exigência dessa situação excecional faz com que os mecanismos que normalmente usamos para nos adaptarmos às situações do quotidiano não sejam suficientes. Se imaginarmos uma mala de ferramentas onde guardamos todas as nossas estratégias para resolver problemas, é como se de repente nos faltassem as ferramentas necessárias para enfrentar a situação. É isso a crise, a insuficiência de estratégias, o não saber lidar com algo tão novo e tão inesperado. Gera-se, por isso, um desequilíbrio psicológico que faz emergir sentimentos de ansiedade, medo, culpa, impotência, entre outros, e que diminui o nosso funcionamento adaptativo.

Quais são as reações comuns perante uma situação de crise psicológica?

Quando nos deparamos, então, com a incapacidade de fazer frente a uma situação excecional, gera-se o desequilíbrio psicológico, o “não sei o que fazer”, o não ter recursos para apagar um fogo tão imenso. Por isso, é comum que surjam diversas reações a vários níveis:

Reações emocionais

  • Choque emocional
  • Depressão
  • Ansiedade / pânico
  • Culpa
  • Raiva
  • Medo
  • Desespero
  • Irritabilidade
  • Enbotamento afetivo (não conseguir reagir, sentir-se anestesiado)
  • Sentimento de luto ou pesar
  • Vulnerabilidade

Reações cognitivas

  • Não conseguir focar a atenção
  • Ter dificuldade em concentrar-se
  • Ter dificuldade em tomar decisões
  • Sentir-se incapaz ou impotente
  • Descrença
  • Negação
  • Problemas ou alterações de memória
  • Confusão ou distorção da realidade
  • Pensamentos intrusivos, ou seja, dar por si a não conseguir controlar ou parar de pensar na situação
  • Preocupação

Reações físicas

  • Taquicardia
  • Hipertensão arterial
  • Dificuldade em respirar
  • Sentir-se cansado
  • Insónias
  • Hiper-alerta
  • Dores ou outras queixas somáticas
  • Náuseas
  • Alterações no apetite
  • Arrepios e suores

Reações comportamentais

  • Sentir-se congelado ou imobilizado, como se não conseguisse mover-se ou agir
  • Alineação, sentir-se afastado de tudo e de todos
  • Abandono de atividades
  • Desconfiança
  • Problemas sociais, pessoais ou profissionais
  • Conflitos
  • Agitação

Estas reações são comuns e expectáveis numa situação de crise, no entanto, podem ser altamente variáveis de pessoa para pessoa.

O que prejudica e o que protege face a uma situação de crise?

Como referido, a individualidade de cada um e da sua história assume um papel fulcral na forma como a pessoa lida com a crise. Existem, como tal, determinados fatores que podem ajudar a que a vivência da crise seja facilitada (fatores de proteção) ou dificultada (fatores de risco):

Fatores de proteção

  • Perceção realista da situação em que se encontra – se a pessoa conseguir ter uma perceção realista da situação que está a atravessar, com informação fidedigna e uma capacidade de analisar as circunstâncias de forma racional, estará mais protegida e mais capaz de enfrentar adequadamente a crise. Por exemplo, imaginemos que numa situação de catástrofe natural a pessoa não dispõe de informação ou acredita que a situação é bastante diferente do que realmente é. Isso irá predispô-la a um desequilíbrio psicológico e dificultar a sua capacidade de gerir a crise que está a viver.
  • Existência de recursos externos e de um adequado suporte social – alguém que dispõe de amigos, família e de recursos da comunidade (como sejam serviços de saúde, apoio das autarquias, serviços comunitários, entre outros) estará mais munida para conseguir enfrentar a situação de crise.
  • Capacidade de retomar, dentro do possível, a rotina e as atividades do dia-a-dia – se o indivíduo consegue, ainda que com alterações, dar continuidade à sua rotina e às atividades do quotidiano (sobretudo descanso, alimentação e tarefas básicas), será também mais capaz de gerir eficazmente a situação.
  • Capacidade de resolver problemas e de lidar com situações difíceis – quanto mais completa for a tal mala de ferramentas de que dispomos para habitualmente resolver problemas, mais preparados nos encontramos. Se as estratégias que a pessoa já conhece e utiliza habitualmente para resolver problemas ou situações no seu dia-a-dia forem adaptativas, será também mais fácil lidar com a situação de crise. Por exemplo, alguém que quando confrontado com um problema habitualmente opta por recorrer ao apoio de amigos ou família, procura relaxar e estabilizar-se emocionalmente, é capaz de pedir ajuda, entre outras estratégias eficazes, estará mais capaz do que uma pessoa que habitualmente opta por isolar-se ou encarar os problemas de forma muito negativa.

Fatores de risco

  • Existência de história psiquiátrica ou de problemas psiquiátricos existentes – alguém com um quadro psiquiátrico, por ser mais vulnerável, poderá ter maior dificuldade em lidar com a situação de crise.
  • Características da personalidade – pessoas com uma personalidade mais evitante, com tendência a evitar as situações ou ao isolamento, estarão mais vulneráveis numa situação de crise.
  • Fraco suporte social – pessoas isoladas, com poucos recursos, com falta de suporte por parte de família ou amigos, encontram-se também numa situação de maior vulnerabilidade.
  • Existência prévia de acontecimentos traumáticos – o facto de a pessoa já ter vivenciado anteriormente uma situação traumática poderá fragilizá-la e fazer com que seja mais difícil enfrentar a situação presente.
  • Estratégias de coping e de resolução de problemas desadaptativas e desadequadas – como por exemplo evitar o problema, isolar-se, abuso de substâncias (álcool, drogas), recurso à automedicação, entre outras.
  • Grau de exposição à situação traumática – quanto mais perto a pessoa esteve da situação traumática, mais vulnerável se encontrará. Por exemplo, se imaginarmos um acidente de viação, estarão mais vulneráveis as pessoas que assistiram ao acidente e os familiares das vítimas do que as pessoas que ouviram relatos do que aconteceu. Numa situação de epidemia, estarão mais vulneráveis aqueles que se encontram afetados diretamente pela doença.
  • Perdas pessoais – quanto mais perdas e consequências negativas a situação crítica gerar, maior a vulnerabilidade. Por exemplo, alguém que, derivado da situação, perdeu a sua casa ou deixou de viver no sítio onde vivia habitualmente, teve de se afastar do seu entorno familiar e sofreu alterações drásticas na sua vida diária encontrar-se-á mais vulnerável do que outras pessoas em que as perdas ou alterações foram menores.
  • Falta de previsibilidade ou controlo dos acontecimentos – quanto menos informada a pessoa se encontrar, e quanto mais sentir incerteza e incapacidade de agir e controlar o que está a acontecer, maior o risco.
  • Existência de stressores adicionais – se, para além da vivência da situação atual, a pessoa tem ainda outros problemas adicionais (como por exemplo desemprego, conflitos familiares, entre outros), encontrar-se-á numa situação de maior vulnerabilidade.

Como lidar eficazmente com a situação de crise?

Uma situação de crise, pela sua excecionalidade, não pode ser resolvida com recurso a receitas universais. Até porque essas não existem. Não há um padrão ou uma fórmula para lidar com uma situação que foge tanto da normalidade. Além disso, a singularidade que tanto nos caracteriza faz com que a forma adequada de gestão da situação deva ser também singular, adaptada a cada um, às suas necessidades, às suas idiossincrasias, à sua história.

Deve também estar sempre presente a noção de que não somos uma ilha, não somos autossuficientes e os outros são uma tábua fundamental onde devemos procurar apoio e abrigo. Pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas sim de racionalidade e de capacidade de melhor enfrentar os problemas. Porque duas cabeças enfrentam melhor que uma. Duas malas de ferramentas juntas são mais completas do que apenas uma.

Feitas estas considerações, e tendo em conta a individualidade e a inexistência de respostas padronizadas, existem no entanto algumas estratégias transversais e muito úteis para que a crise possa ser gerida da forma o mais adaptativa possível.

Informe-se

Como vimos, possuir informação fidedigna e concreta irá ajudar muito a sentir-se capaz de enfrentar a crise, a excecionalidade. Se estamos a lidar com algo novo e, a acrescentar a isso, não obtemos informação que nos ajude a compreender o que está a acontecer, a sensação de falta de controlo será inevitável. Por isso, numa situação de crise procure informar-se de uma forma responsável, junto das pessoas que melhor lhe possam fornecer essa informação: entidades competentes, profissionais de saúde ou de proteção civil, linhas disponibilizadas para a população, entre outras.

Ao mesmo tempo, não queira assoberbar-se de informação. Não se sobrecarregue, sob pena de sobrecarregar a sua capacidade de lidar com a situação. Muita informação não é sinónimo de boa informação. Procure selecionar as suas fontes de informação da melhor forma possível, e recorra a essas fontes de forma equilibrada, acreditando que tudo o que precisar de saber ser-lhe-á dito. Não acredite em tudo aquilo que vê e tenha espírito crítico.

Analise a situação e estabeleça prioridades

Quando algo tão excecional está a acontecer, é natural que nos sintamos sobrecarregados e sem saber como agir. Que pareça impossível fazer alguma coisa ou estabelecer uma linha de ação. Por isso, é fundamental procurar construir um contínuo de acontecimentos: como começou, o que aconteceu antes, o que está a acontecer agora, o que é previsível que vá acontecer depois. Mediante este contínuo, analise a situação o mais racionalmente que conseguir: o que aconteceu e de que forma aconteceu? O que é que isso significa? De que é preciso neste momento e do que posso vir a precisar?

Faça essa análise e depois procure estabelecer prioridades. Antes de querer resolver o problema é importante que pense na sua própria segurança e conforto. Água e abrigo são necessidades fundamentais, pelo que devem estar no topo das prioridades. Contactar familiares e amigos, ativar a sua rede de suporte, serão outra prioridade fundamental. Não tem onde se resguardar ou onde deixar crianças? Procure resolver essa situação primeiro.

Recorra a ajuda e a pessoas que não estejam tão próximas da situação de crise e que o possam ajudar a analisar racionalmente a situação, a estabelecer prioridades e a tomar decisões.

Aceite as suas emoções, não as evite ou negue

Frequentemente temos tendência a procurar evitar tudo aquilo que possa ser negativo. É difícil lidar com a dor, é difícil aceitar a tristeza e permitir-se a senti-la. No entanto, a tristeza só passa entristecendo-se. É fundamental que aceite e se permita a sentir todas as emoções que o assomam neste momento, pois só dessa forma poderá, depois, geri-las. Não tente distrair-se e evitar pensar no assunto a todo o custo. Aceite que é normal sentir-se confuso, com medo, ou triste, e expresse essas emoções. Converse com amigos ou familiares, demonstre aquilo que sente, chore se isso for necessário.

Estabilize as suas emoções

Depois de se permitir a aceitar e reconhecer as suas emoções, procure geri-las e estabilizá-las, através de algumas estratégias:

  • Relaxamento respiratório – vá para um lugar confortável. Deite-se ou sente-se o mais comodamente possível. Colocando uma mão sobre a barriga, inspire pelo nariz à medida que a barriga sobe, e conte até 4 durante a inspiração. Depois, expire lentamente o ar pela boca, à medida que a barriga desce, contando até 6 durante a expiração. Repita a respiração fazendo cerca de 5 ciclos, até esta estabilizar.
  • Relaxamento muscular – consiste em contrair e descontrair vários músculos do seu corpo, e ajuda a promover uma sensação de relaxamento e a compreender a diferença entre estar tenso e relaxado. Para o fazer, apenas tem de contrair durante 3 segundos e depois descontrair os músculos. Por exemplo, começando pelas mãos, cerre os punhos durante 3 segundos e depois solte e relaxe a mão. Faça este exercício com várias áreas do seu corpo (mãos, braços, ombros, pescoço, pernas, pés, rosto). Pode ver estes exercícios de forma mais completa aqui.
  • Visualização – num lugar confortável e livre de interrupções, procure visualizar com o maior pormenor possível um lugar que lhe transmita calma (por exemplo, uma praia, um jardim, o campo). Tente visualizar os cheiros, os sons, as cores e tudo o que preenche esse local imaginário com o maior pormenor possível.
  • Conexão com a realidade – olhe ao seu redor e procure focar-se naquilo que consegue ver, ouvir ou sentir. Por exemplo, conte quantos objetos de cor verde consegue encontrar; feche os olhos e tente identificar todos os sons que consegue ouvir à sua volta; pegue num objeto e explore-o através do toque, procurando captar todas as sensações do tocar.
  • Exercícios de atenção plena – servem para ajudar a estar conectado com o momento presente e promovam uma descentração da preocupação e uma sensação de relaxamento. Pode consultar vários desses exercícios aqui ou aqui.

Mantenha uma rotina

Procure, dentro do possível, manter a sua rotina diária, com horários para o sono, as refeições e outras tarefas. Se está fora de casa ou do seu local habitual, procure ter consigo objetos familiares e de conforto. Mantenha-se o mais próximo que conseguir da sua rotina habitual e retome dentro do possível as atividades do seu quotidiano. Além disso, numa situação de crise é fundamental tentar preparar-se e antecipar os próximos dias, organizando as suas atividades, tarefas e rotinas.

Mantenha hábitos de vida saudáveis

Corpo e mente estão intimamente conectados, e quando o corpo é maltratado a mente e as nossas emoções ressentem-se. Por isso, manter o corpo saudável é fundamental para conseguir ter um equilíbrio emocional. Assim, procure descansar e manter hábitos de sono saudáveis e regulares, alimente-se de forma equilibrada e regular e faça exercício físico, privilegiando exercícios de que gosta e que lhe dão mais prazer.

Não se isole e esteja com as pessoas de quem gosta

Somos seres sociais e, como tal, o contacto com o outro é imprescindível. Para além de que ter pessoas que o ajudem ser um fator que o ajudará a enfrentar a situação de crise, o apoio emocional e o contacto com aqueles de quem gosta ajudá-lo-á a manter uma maior estabilidade emocional. Converse e passe tempo de qualidade com aqueles de que mais gosta. Se não puder estar com eles, ligue ou use os dispositivos eletrónicos.

Evite hábitos pouco saudáveis

Dormir demasiado ou muito pouco, isolar-se e não querer falar com ninguém, abusar do álcool, tabaco ou outras substâncias, medicar-se sem aconselhamento médico, são comportamentos que deve evitar.

Envolva-se em atividades que habitualmente lhe dão prazer

Por mais que, quando nos encontramos numa situação de mal-estar emocional, não nos apeteça fazer nada, contrariar esta tendência natural pode ser muito importante. Por isso, pense em que atividades que gosta particularmente de fazer e que lhe trazem algum prazer, e envolva-se na realização dessas atividades: ler, cozinhar, ouvir música, escrever, pintar, ver filmes, correr, etc.

Recorra aos serviços de apoio

Ninguém consegue solucionar e gerir uma situação de crise sozinho, ou, se o fizer, será a um custo muito mais elevado. Existem recursos e serviços que o podem ajudar a gerir a situação, quer em termos práticos quer em termos emocionais. Ative os serviços e apoios disponíveis a nível nacional ou na sua comunidade

Conheça os sinais de alerta e saiba quando pedir ajuda

 Se saber gerir a situação de forma pró-ativa é importante, também é importante reconhecer quando esgotou os seus recursos e a sua situação emocional se agudiza, não consegue lidar com ela sozinha e precisa de ajuda. Para isso, deve estar atento a alguns sinais de alerta, em si ou nos outros:

  • Não consegue deixar de pensar no que aconteceu ou está a acontecer;
  • Sente-se muito tenso ou com medo a maior parte do tempo;
  • Não consegue ter prazer com nada;
  • Não consegue ir trabalhar ou assumir as responsabilidades habituais;
  • Irrita-se ou é agressivo com as pessoas que o rodeiam;
  • Consome álcool, ou outras drogas, em excesso;
  • Faz automedicação;
  • Comporta-se de forma muito distinta do habitual antes do acontecimento.

Caso estes sinais de alerta estejam presentes, deve recorrer a ajuda profissional.

Algumas linhas fundamentais para as quais recorrer em diferentes situações:

  • Número de Emergência (112) – situações de emergência médica, de saúde ou de segurança;
  • Linha SNS24 (808 242 424) – saúde 24, para situações de saúde e em casos de epidemias;
  • Telefone da amizade (228 323 535) – em situações de crise pessoal e intenção suicida;
  • Proteção civil – 21 424 71 00.

Recorra sempre que possível aos serviços locais e da sua comunidade, como centros de saúde, postos de polícia e forças de segurança, equipas comunitárias, entre outras.

Por fim, lembre-se que é na crise que, confrontados com o inimaginável, o tornamos palpável e nos superamos, nos reinventamos. 

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.

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