A celebração de um contrato de trabalho gera um conjunto de direitos e deveres para o empregador e trabalhador. A título de exemplo referir que, se por um lado o trabalhador fica obrigado a prestar uma determinada atividade, por outro, o empregador fica obrigado ao pagamento da retribuição pela atividade prestada.
Mas será que conhece todos os deveres do trabalhador? Afinal de contas, a legislação do trabalho é vasta e, em alguns casos, bastante complexa, sendo fácil “perder o norte” no meio de tantos diplomas.
Tendo isso em consideração, redigimos o presente artigo onde, entre outros aspetos, abordamos os deveres do trabalhador do setor privado e do setor público, previstos no Código do Trabalho e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, respetivamente.
Quais os deveres gerais do trabalhador?
Os deveres do trabalhador podem resultar da própria lei, de instrumentos de regulamentação coletiva (acordos entre a organização sindical de um determinado setor e as entidades patronais), do próprio regulamento da empresa ou ainda dos usos e do próprio contrato de trabalho. O princípio orientador destes deveres é o princípio da boa fé, pelo qual se pautam todos os deveres e obrigações emergentes de qualquer relação jurídica.
Não obstante outras obrigações que a lei possa estabelecer, é obrigatório o cumprimento dos deveres do trabalhador, designadamente os seguintes:
- Dever de obediência – este dever advém do facto de a atividade ter de ser prestada sob as ordens, direção e poder disciplinar do empregador. Terá de ser aferido tem em conta o caso específico, na medida em que poderão existir casos em que o trabalhador não é obrigado a cumprir certas ordens ou instruções por parte do empregador, quando estas possam colidir com os seus direitos e garantias;
- Dever de assiduidade e pontualidade – ao estabelecer-se este dever, a lei acautela as eventuais perturbações que possam decorrer para o funcionamento da empresa, pelo facto de o trabalhador chegar tardiamente ao local de trabalho;
- Dever de lealdade – dever que surge desde o início com a celebração do contrato e se mantém para além da extinção do vínculo laboral. Está diretamente relacionado com o dever de não concorrência, que veda ao trabalhador a negociação por sua conta ou com terceiros, em áreas que possam competir com a atividade que está a ser desenvolvida pelo seu empregador. O dever de sigilo também está aqui implícito, uma vez que o trabalhador tem de guardar segredo relativamente a informações confidenciais de que tenha tido conhecimento por força da relação laboral;
- Dever de zelo e diligência na prestação do trabalho – aqui, a atuação do trabalhador terá de corresponder a um comportamento exigível com o tipo de função que exerce, porque há cargos que requerem um nível de zelo superior face a outros (por exemplo: ao dirigente da empresa ou a um trabalhador com bastante experiência ser-lhe-á exigido um nível de diligência muito superior face a um trabalhador indiferenciado ou com pouca experiência);
- Dever de promover a melhoria da produtividade da empresa – este dever tem uma dimensão organizacional, estando diretamente ligado com o dever de zelo e diligência. Neste sentido, o trabalhador deverá usar todas as ferramentas que tem ao seu alcance, colaborando com os seus colegas, para melhorar a organização onde presta atividade;
- Dever de respeito e urbanidade – não só em relação ao empregador como em relação a todos os seus colegas e superiores hierárquicos. Este dever traduz a observância e respeito pelas normas e regras de conduta sociais;
- Dever de custódia – que impõe que o trabalhador deve demonstrar zelo face à utilização e conservação do equipamento de trabalho, devendo ser observado tanto fora como dentro do local de trabalho;
- Dever de participar em ações de formação – aqui, o trabalhador tem de participar ativamente em ações de formação profissional proporcionadas pelo empregador, com a finalidade de se manter informado e atualizado relativamente às matérias que lhe são mais úteis.
Quais os deveres do trabalhador público?
Os funcionários públicos, isto é, os trabalhadores sujeitos ao regime do contrato de trabalho em funções públicas, regulado pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, estão sujeitos a um conjunto de deveres próprios (deveres do trabalhador público), nomeadamente:
- Dever de prossecução do interesse público – consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
- Dever de isenção – traduz-se em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce;
- Dever de imparcialidade – consiste em desempenhar as funções com equidistância, relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar, positiva ou negativamente, qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos;
- Dever de informação – traduz-se em prestar ao cidadão, nos termos legais, a informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não deva ser divulgada;
- Dever de zelo – consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos, que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas;
- Dever de obediência – consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal;
- Dever de lealdade – traduz-se em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço;
- Dever de correção – consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos;
- Dever de assiduidade e de pontualidade – traduz-se em comparecer ao serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas.
Ainda no âmbito dos deveres do trabalhador público, referir que é também sua obrigação frequentar as ações de formação no âmbito da atividade em que exerce funções, só podendo ser dispensado por motivo que se mostre atendível.
Incumprimento dos deveres do trabalhador
No caso de incumprimento dos deveres do trabalhador, a entidade patronal pode exercer o poder disciplinar que lhe é atribuído por lei, aplicando um conjunto de sanções disciplinares, em função da gravidade e culpabilidade da infração do trabalhador, como em seguida exemplificamos.
Saliente-se que o direito a exercer este poder disciplinar por incumprimento dos deveres do trabalhador prescreve um ano após a prática da infração ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime, devendo o procedimento disciplinar iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento da infração.
Também o procedimento disciplinar pode prescrever, decorrido que seja um ano a contar da data em que foi instaurado, sem que o trabalhador tenha sido notificado da decisão final. E, mesmo tomada a decisão final, se a sanção não for aplicada no prazo de 3 meses, caduca.
Com o início do procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o trabalhador, se a sua presença se mostrar inconveniente, mantendo, no entanto, o pagamento da sua retribuição e sendo este obrigatoriamente ouvido em audiência prévia.
O trabalhador pode também defender-se através de ação judicial, reclamação para escalão hierarquicamente superior ao que aplicou a sanção ou recurso a processo de resolução de litígio, quando previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou na lei.
Entre as sanções disciplinares no âmbito do Código do Trabalho aplicáveis ao setor privado pelo incumprimento dos deveres do trabalhador estão a/o:
- Repreensão;
- Repreensão registada;
- Sanção pecuniária – embora esta não possa exceder um terço da retribuição diária e, em cada ano civil, a retribuição correspondente a 30 dias;
- Perda de dias de férias – embora não possa pôr em causa o gozo de 20 dias úteis;
- Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade – embora não possa exceder 30 dias por cada infração e, em cada ano civil, o total de 90 dias;
- Despedimento sem indemnização ou compensação.
- Sanções disciplinares previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aplicáveis a funcionários públicos):
- Repreensão escrita;
- Multa;
- Suspensão;
- Despedimento disciplinar ou demissão.
Por fim, referir que tão mais importante que conhecer os seus direitos é conhecer os seus deveres. Esperamos que o presente artigo tenha sido útil para conhecer os deveres do trabalhador, exerça estas funções no setor privado ou público.
– este artigo foi redigido por uma Jurista com base no Código do Trabalho e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.