A piromania é uma perturbação do foro mental que se insere dentro dos transtornos disruptivos, do controlo dos impulsos e da conduta. Caracteriza-se, essencialmente, por um comportamento incendiário deliberado, ou seja, a pessoa ateia fogos de forma intencional. Apesar de relativamente raro, com o fenómeno dos incêndios crescentemente presente na nossa realidade, torna-se pertinente compreender melhor a piromania.
Neste artigo pretendemos explicar o que é a piromania, quais as causas, os sintomas e como pode ser tratada.
O que é a piromania?
A origem da palavra piromania ajuda-nos a compreender um pouco a sua definição. Piro, de origem grega, significa inflamação ou fogo. Por outro lado, o conceito “mania” designa um distúrbio mental que está associado à compulsão. Daí que a piromania se insira no transtorno de controlo de impulsos, caracterizando-se como uma compulsão que a pessoa não consegue controlar.
A piromania caracteriza-se por uma perturbação na qual a pessoa provoca incêndios de forma deliberada e propositada, em mais do que uma situação ou ocasião. Verifica-se a presença de uma tensão ou excitação antes de realizar o ato, bem como a presença de um fascínio, interesse, curiosidade ou atração pelo fogo e pelo seu contexto situacional, ou seja, equipamentos, usos e consequências.
As pessoas com piromania muitas vezes observam e estão presentes regularmente em situações de incêndio, por exemplo na sua vizinhança, e podem inclusive fazer disparar falsos alarmes uma vez que acabam por obter prazer ao conviver e estar perto de equipamentos e situações associadas a incêndios, como por exemplo os bombeiros. Também não é raro que passem tempo em corporações de bombeiros e até que procurem afiliar-se a algum corpo de bombeiros.
A pessoa que sofre de piromania, isto é, o piromaníaco, sente prazer, gratificação ou alívio ao provocar incêndios e/ou quando testemunha ou participa nos incêndios e suas consequências. O incêndio não é provocado com fins específicos como por exemplo obtenção de dinheiro, manifestação de ideologias sociopolíticas, ocultação de atividades criminosas, expressão de raiva ou vingança ou melhoria das circunstâncias de vida, nem é apenas uma resposta a um delírio ou alucinação, nem resultado de um juízo ou julgamento alterado. Ou seja, a pessoa provoca o incêndio pois sente um impulso para o fazer, que não consegue controlar, e após o fazer tem uma sensação de alívio ou prazer.
Antes de provocar o incêndio, a pessoa com piromania pode fazer uma preparação antecipada da situação, planeando cautelosamente a forma como o vai fazer. O processo de planeamento, que pode incluir escolher o local, o objeto com o qual o fogo será ateado, as ferramentas necessárias, entre outras etapas, é gerador de prazer e satisfação para a pessoa que sofre de piromania. A sensação de prazer e gratificação associadas ao atear incêndios são irresistíveis para o pirómano, e como tal superiores a quaisquer consequências negativas que possam ser previstas ou que se possam observar.
Geralmente também há alguma indiferença face às consequências que o incêndio pode ter para os outros e, pelo contrário, existe até um prazer ou satisfação com a destruição patrimonial que resulta do incêndio. Em várias situações pode existir de facto algum sentimento de culpa, no entanto ele não é suficiente para interromper o impulso e o prazer sentido com o comportamento.
As situações em que a pessoa provoca incêndios ocorrem por episódios, e podem ao longo do tempo aumentar ou diminuir de frequência. A piromania ocorre mais frequentemente no sexo masculino do que no sexo feminino. Geralmente as pessoas que sofrem de piromania apresentam défices ao nível das competências sociais e por vezes revelam também dificuldades de aprendizagem.
Apesar de muitas vezes existirem incêndios provocados por adolescentes, na verdade nem sempre se trata de um diagnóstico de piromania. Provavelmente, os jovens que o fazem sofrem de um transtorno da conduta ou de adaptação, não diretamente de um transtorno de piromania. Também na infância há por vezes provocação de incêndio, mas que decorre da experimentação que ocorre no desenvolvimento, por exemplo brincar com isqueiros, fósforos ou fogo, não sendo assim reflexo de piromania.
Há muitos incendiários que provocam os incêndios por razões diversas, como por exemplo receber dinheiro do seguro ou vingar-se de alguém, incendiar como ato de protesto, para atrair a atenção ou obter reconhecimento (por exemplo, provocar um incêndio intencionalmente para depois o “descobrir” e ser considerado “um herói”). Como vimos, estas razões não se enquadram na piromania, uma vez que o pirómano é aquele que incendeia por impulso e pelo prazer que o ato lhe proporciona. De facto, alguns estudos verificaram que o transtorno de piromania é diagnosticado apenas em cerca de 3% dos incendiários.
Quais as causas da piromania?
A piromania, também por ser um transtorno raro em termos de prevalência, é ainda pouco estudada. Como tal, não se conhecem de forma concreta e exata as causas deste transtorno. Ainda assim, especula-se que as causas possam estar relacionadas com desequilíbrios químicos que ocorrem no cérebro, bem como a fatores genéticos e a fatores ambientais como stressores de vida.
De facto, tem-se verificado que os transtornos do controlo dos impulsos podem ter uma componente hereditária. Assim, a piromania poderá também ter motivações genéticas, embora não existam ainda suficientes estudos científicos que confirmem inequivocamente esta hipótese.
Nos adolescentes muitas vezes a piromania surge associada a uma dificuldade acentuada em gerir as emoções, bem como a situações de stress acentuado. Assim, o atear fogos pode surgir como uma expressão de emoções negativas como a raiva que, não encontrando outra forma de expressão, se revela através de comportamentos destrutivos.
Sinais de alerta na piromania
Considerando que o indivíduo com piromania tem consciência de que os atos que comete são errados ou julgados pelos outros como errados, tudo fará para esconder e ocultar os seus comportamentos. Como tal, nem sempre é fácil identificar a presença do problema. Ainda assim, alguns sinais de alerta aos quais se deve estar atento são o surgimento de lesões advindas de lutas corporais ou sinais de queimaduras que resultam de provocar um incêndio, assim como comportamentos impulsivos, agressividade, irritação e stress.
A pessoa com piromania não incendia tudo aquilo que vê, nem o faz diariamente. Os episódios vão ocorrendo com algum espaço entre eles, até porque existe um processo de preparação geralmente envolvido.
Perceber que a pessoa se mostra demasiado fascinada por tudo o que tem a ver com fogo, desde o fogo e incêndio em si mesmo aos equipamentos associados como bombeiros, mangueiras, formas de combate a incêndios, entre outros, pode ser também um sinal de alerta importante para a piromania. Se a pessoa está muitas vezes presente em situações de incêndio, seja para ver ou com o pretexto de ajudar, e até se mostra bastante envolvida na resolução do incêndio, poderá parecer contraditório, mas pode ser um sinal de alerta para a piromania, se conjugarmos com aqueles anteriormente referidos.
Quais as consequências da piromania?
Uma vez que a piromania se caracteriza por um impulso que leva a uma atividade perigosa e ilegal, quem sofre desta perturbação tem muitas vezes prejuízos em diversos domínios: danos materiais, consequências legais e problemas com a justiça, lesões provocadas pelo incêndio ou até mesmo a sua morte ou a morte de outras pessoas.
Muitas vezes as pessoas que sofrem de piromania apresentam também uma história atual ou passada de abuso de álcool. É frequente também observar-se flutuações de humor nos indivíduos com piromania, que podem sentir-se deprimidas com frequência, assim como criar conflitos com pessoas próximas e apresentar uma grande irritabilidade. Obviamente, isto cria para a pessoa um grande stress e prejuízo nos vários domínios da sua vida, podendo levar à perda de emprego, perda de relações pessoais, entre outras.
Como se realiza o diagnóstico da piromania?
Não é fácil realizar o diagnóstico de piromania, quer porque o indivíduo procura ocultar e negar a presença do problema, quer porque pode ser complexo delinear os concretos motivos para a pessoa atear incêndios. As raras pessoas com esta perturbação que procuram ajuda geralmente não revelam os seus comportamentos, tendo como principal motivação atenuar os sintomas de ansiedade, depressão ou stress secundários à perturbação.
Por outro lado, um diagnóstico de piromania também implica descartar outras causas para os comportamentos incendiários, bem como descartar a presença de outras perturbações mentais. Se o episódio de atear um incêndio ocorre como parte de um transtorno da conduta, de um episódio maníaco ou de um quadro de personalidade antissocial, então não podemos diagnosticar piromania.
É importante que o diagnóstico seja realizado por um profissional competente, pelo que na presença de sinais de alarme o indivíduo deve ser encaminhado para um profissional de saúde, particularmente na área da saúde mental (psicólogo ou psiquiatra).
Considerando, como vimos antes, que a pessoa que sofre de piromania (piromaníaco) terá dificuldade em admitir ou compreender totalmente o seu problema, no diagnóstico e avaliação são importantes outras fontes de informação, tais como familiares, amigos ou profissionais da justiça e forças de autoridade, no caso de a pessoa já ter tido problemas legais, o que é frequente acontecer.
É muito importante explorar devidamente a história de vida da pessoa que está a ser diagnosticada, uma vez que frequentemente há um historial de abuso ou negligência que se encontram na base de comportamentos destrutivos.
Para um adequado diagnóstico de piromania alguns sintomas devem estar inequivocamente presentes:
- A pessoa ateia fogos de forma deliberada e consciente e geralmente fá-lo em mais do que uma ocasião;
- Há uma sensação de stress e tensão antes de provocar o incêndio;
- A pessoa revela um fascínio e curiosidade por tudo o que tem a ver com fogo e incêndios;
- Há uma clara sensação de alívio ou prazer logo após atear o fogo ou então após observar os seus resultados;
- A pessoa apresenta um interesse pouco comum por crimes relacionados com incêndios;
- A pessoa revela vontade constante de observar o fogo, queimando por exemplo papel e ficando a observar atentamente as chamas;
- A pessoa não tem outros motivos para atear o fogo, de natureza monetária, passional, etc.
Qual o tratamento para a piromania?
Intervir na piromania passa por intervir, sobretudo, ao nível do controlo dos impulsos que estão na base do comportamento incendiário. Assim, as abordagens psicoterapêuticas, particularmente a terapia cognitivo-comportamental, parecem ter eficácia.
No entanto, é muitas vezes necessário conjugar diferentes técnicas e abordagens, mediante as características específicas de cada indivíduo e dos fatores que podem estar na origem da perturbação. O tratamento deve ser adequado à pessoa de acordo com as suas características.
Na base da intervenção psicológica estará sempre o trabalho ao nível do controlo dos impulsos, ajudando a pessoa a identificar os pensamentos e sensações que surgem associados à intenção de atear fogos, para que depois a pessoa adquira estratégias cognitivas e comportamentais para gerir e controlar esses impulsos. São identificadas outras formas mais seguras de libertar e gerir o stress existente no momento, bem como outras formas de obter gratificação e prazer.
Se a piromania surge associada a outras perturbações, como por exemplo a depressão ou o stress pós-traumático, estas devem também ser alvo de intervenção.
Quando a intervenção ocorre em crianças ou adolescentes, deve existir uma participação e colaboração ativa da família ou dos cuidadores, podendo inclusivamente existir sessões familiares / em grupo no plano de tratamento.
É fundamental ter em conta que nos transtornos associados ao controlo dos impulsos há uma influência de fatores biológicos e psicossociais, pelo que todos estes devem ser atendidos para um tratamento adequado. Por essa razão, juntamente com o tratamento de psicoterapia deve existir também um acompanhamento psiquiátrico que poderá coadjuvar a intervenção psicológica com farmacoterapia, ou seja, toma de medicação. Alguns antidepressivos, por exemplo, podem ajudar na diminuição dos sintomas.
Como prevenir a piromania?
Uma vez que a piromania é ainda pouco estudada e, como tal, as suas causas e a sua complexidade permanecem ainda por entender de forma clara, também pode ser um desafio compreender de que forma esta pode ser prevenida. Ainda assim, algumas estratégias podem ser úteis na tentativa de impedir que este distúrbio se instale e que gere consequências mais graves:
- Promover nas crianças, desde cedo, a capacidade de expressar de forma saudável as suas emoções negativas, de forma a que não tenham tanta necessidade de o fazer de uma forma destrutiva e desadequada;
- Estar atento a alterações de vida drásticas ou bruscas;
- Quando existem situações de abuso ou traumáticas, encaminhar atempadamente para acompanhamento psicológico para que estas não originem problemas graves mais tarde;
- Educar a criança acerca do perigo de brincar com o fogo e com objetos que o podem provocar;
- Estimular nas crianças as habilidades sociais e a capacidade de conviver de forma saudável com os seus pares;
- Procurar averiguar a presença de piromania nas pessoas condenadas por comportamentos incendiários, para que além da pena legal exista um tratamento adequado que previna uma reincidência.