Síndrome de Tourette: o que é, causas, sintomas e tratamento

sindrome de tourette

A síndrome de Tourette é um problema do neurodesenvolvimento que tem uma grande interferência na funcionalidade da pessoa afetada. Já se tem tornado mais conhecido e o conhecimento sobre a síndrome mais alargado. Ainda assim, nem sempre o conhecimento existente é fidedigno e correto, passando mais por estereótipos relativos à doença do que à compreensão da mesma.

Por isso, neste artigo pretendemos explicar em maior detalhe o que é a síndrome de Tourette, as suas causas e formas de intervenção e tratamento.

O que é a síndrome de Tourette?

A síndrome de Tourette é um problema do neurodesenvolvimento que se insere dentro dos transtornos de tique. Um tique é um movimento motor ou vocalização repentino, rápido, recorrente e não ritmado. A síndrome de Tourette caracteriza-se pela presença de múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais, embora possam não ocorrer ao mesmo tempo. Os tiques podem aumentar e diminuir de frequência ao longo do tempo. Os tiques podem ocorrer muitas vezes por dia, quase todos os dias ou de forma intermitente.

A síndrome surge antes dos 18 anos de idade. O período em que normalmente a síndrome de Tourette, ou mais especificamente os primeiros tiques, surge é entre os 4 e os 6 anos de idade. O surgimento dos tiques na idade adulta é raro e está geralmente associado ao consumo de substâncias, como por exemplo a cocaína, ou ao resultado de uma lesão do sistema nervoso central.

A pessoa pode ter vários sintomas de tique ao longo do tempo, mas em qualquer momento o reportório de tiques retorna de uma maneira característica. Apesar de os tiques poderem incluir praticamente qualquer grupo muscular ou vocalização, alguns sintomas de tiques, como piscar os olhos, são comuns nestes quadros. Os tiques costumam ser vivenciados como involuntários, ou seja, a pessoa não os consegue controlar, mas podem ser voluntariamente suprimidos por períodos de tempo variáveis.

Nesta síndrome os tiques podem ser simples ou complexos. Os tiques motores simples geralmente têm uma duração muito breve, de segundos, e podem incluir piscar os olhos, encolher os ombros ou estender as extremidades. Tiques vocais simples podem incluir limpar a garganta, fungar e produzir sons guturais, por vezes causados pela contração do diafragma ou dos músculos da orofaringe. Já nos tiques motores complexos, a duração é maior, incluindo uma combinação de tiques simples, como por exemplo virar a cabeça várias vezes e encolher os ombros.

Os tiques complexos por vezes podem parecer ter um objetivo ou finalidade, por exemplo um gesto sexual ou obsceno ou imitação dos movimentos de outra pessoa. De forma similar, os tiques vocais complexos incluem repetição dos próprios sons ou palavras, repetição da última palavra ou frase ouvida ou enunciação de palavras socialmente inaceitáveis, incluindo palavrões, palavras obscenas ou calúnias e insultos.

Os tiques aumentam e diminuem em gravidade, pelo que as pessoas com síndrome de Tourette podem ter períodos em que não ocorrem tiques, que podem durar semanas ou até meses. No entanto, uma pessoa que apresentou tiques por mais de um ano, desde o primeiro tique, considera-se que apresenta sintomas persistentes. Além disso, os tiques tendem a retornar.

Como se desenvolve a síndrome de Tourette?

Podemos afirmar que os tiques são comuns na infância, embora na maior parte dos casos sejam transitórios, não chegando por isso a um diagnóstico de Síndrome de Tourette. A prevalência estimada de síndrome de Tourette varia de 3 a 8 a cada 1.000 crianças em idade escolar. Parece haver mais rapazes com síndrome de Tourette do que raparigas.

Geralmente os tiques iniciam-se entre os 4 e os 6 anos de idade, sendo que o pico de gravidade tende a ocorrer entre os 10 e os 12 anos, diminuindo na adolescência. A maioria dos adultos apresenta uma diminuição dos sintomas, embora um pequeno grupo de adultos apresente sintomas mais graves e um agravamento do quadro sintomático da síndrome de Tourette.

Os tiques associados à síndrome de Tourette manifestam-se de um modo semelhante em todas as faixas etárias e ao longo da vida. Os tiques diminuem e aumentam em gravidade e podem alterar-se os grupos musculares afetados e as vocalizações ao longo do tempo.

Com o passar do tempo por vezes as crianças indicam que os tiques estão associados a alguma sensação premonitória – ou seja, uma sensação que antecede o tique, sendo que quando o tique ocorre há uma redução da tensão. Pode haver uma resistência à sensação que antecede e ao próprio tique. Assim, antes do aparecimento do tique podem ocorrer sensações subjetivas como por exemplo comichão, tensão ou aperto nas áreas dos tiques. A pessoa pode ainda sentir a necessidade de realizar o tique de uma maneira específica, ou de repeti-lo, até ter a sensação de que o tique saiu como era suposto.

As crianças que apresentam tiques compatíveis com síndrome de Tourette apresentam maior risco de desenvolver perturbação de hiperatividade com défice de atenção ou perturbação obsessivo-compulsiva ou ainda perturbação de ansiedade de separação. Já quando os tiques se verificam em adolescentes e adultos há um maior risco de desenvolver transtorno depressivo maior, transtorno por abuso de substâncias ou transtorno bipolar.

Quais os sintomas da síndrome de Tourette?

Como vimos, a síndrome de Tourette caracteriza-se essencialmente pela ocorrência de tiques. Antes do tique acontecer, a pessoa tem uma sensação presente, uma espécie de compulsão que a leva a fazer o tique. Podemos comparar esta compulsão com a necessidade de espirrar ou coçar-se. Assim, há uma tensão acumulada, geralmente nalguma parte do corpo, e a pessoa tem necessidade de fazer o tique, para libertar essa mesma tensão.

Por vezes a pessoa é capaz de adiar o tique, mesmo com a tensão presente, mas para isso tem de empregar um esforço muito grande e consciente. Eventualmente, ao fim de alguns minutos, a compulsão torna-se impossível de contrariar. Como tal, para as pessoas com síndrome de Tourette controlar os tiques é bastante difícil, sobretudo se a pessoa estiver numa situação de stress ou desequilíbrio emocional, derivado por exemplo do cansaço.

Apesar disso, também o facto de a pessoa estar descansada e sem estar focada em nada em específico pode piorar a ocorrência do tique. Por exemplo, se observarmos uma criança com síndrome de Tourette a ver televisão, é muito provável que os tiques ocorram nesse momento.

Num determinado momento, os tiques podem seguir um padrão e ser parecidos e repetitivos, no entanto, ao longo do tempo, variam em termos de frequência, intensidade e de tipo. Por vezes começam de uma forma drástica e súbita, e podem acontecer várias vezes por hora e deixarem de aparecer durante um tempo prolongado. Reforçando o que foi apresentado acima, podem existir diferentes tipos de tiques na síndrome de Tourette:

  • Tiques simples motores: piscar os olhos, torcer o nariz, contrair o pescoço, contrair os lábios ou a testa, fazer caretas, movimentar de forma brusca a cabeça, encolher os ombros…;
  • Tiques simples vocais: grunhir ou latir, fungar ou bufar, limpar a garganta, fungar, pigarrear…;
  • Tiques complexos motores: combinação de um conjunto de tiques simples, por exemplo virar a cabeça e encolher os ombros, empurrar o braço, bater com os pés, cheirar repetidamente um objeto, espernear, ou uso de gestos sexuais ou obscenos (copropraxia) ou imitação dos movimentos de outras pessoas (ecopraxia);
  • Tiques complexos vocais: dizer palavras socialmente inadequadas (obscenidades, insultos…) ou repetir os sons ou palavras do próprio ou que foram ditos por outra pessoa (ecolalia).

Há muitos estereótipos e crenças associados à síndrome de Tourette, o que acontece por ser algo diferente, o que suscita nas pessoas uma curiosidade que dá lugar ao exagero. Ao contrário do que muitas vezes pensamos, muitas pessoas com síndrome de Tourette não grita obscenidades ou insultos de uma forma aleatória, podendo por exemplo só apresentar tiques motores ou vocais que constituem apenas sons.

Fatores de risco e prognóstico para a síndrome de Tourette

Como em qualquer perturbação ou síndrome de grande complexidade, também na síndrome de Tourette não existe uma causa única e objetiva. No entanto, alguns fatores de risco e prognóstico são reconhecidos.

Os fatores genéticos influenciam a expressão e gravidade da síndrome de Tourette. Foram identificadas variantes genéticas raras em famílias com transtornos de tique. Além disso, a presença de variações de genes de risco parecem ter impacto na síndrome de tourette.

Outros fatores associados à síndrome de Tourette e ao agravamento dos tiques são complicações obstétricas, baixo peso ao nascer, idade paterna avançada e tabagismo materno durante a gestação. Por vezes as pessoas com distúrbios como doença de Huntington ou infeção cerebral desenvolvem tiques. Estes podem também ser resultado do uso de determinados medicamentos.

Os tiques tendem a piorar com a ansiedade, a excitação e a exaustão, melhorando quando a pessoa se sente calma e relaxada. Podem existir menos tiques quando há o envolvimento em tarefas escolares ou profissionais porque há um maior foco. Situações de vida stressantes ou estimulantes, como fazer um teste ou participar numa atividade demasiado excitante, pode piorar os tiques.

Quando a pessoa com síndrome de Tourette observa alguém a fazer um gesto ou som, pode ter tendência a realizar um gesto ou som semelhante, o que muitas vezes é entendido pela outra pessoa como sendo de propósito. Isto pode ser particularmente problemático quando a pessoa está a interagir com figuras de autoridade, como a polícia ou professores.

Quais as consequências da síndrome de Tourette?

A gravidade da síndrome de Tourette é muito variável de pessoa para pessoa, uma vez que depende da gravidade e da forma de expressão dos tiques. Algumas pessoas com tiques de gravidade leve ou moderada podem não ter grande prejuízo na sua vida quotidiana e até não se aperceber dos seus tiques.

Outras pessoas, com sintomas mais graves, têm um grande prejuízo na sua vida diária, embora com alguma frequência consigam funcionar e responder às exigências quotidianas. Se associada à síndrome de Tourette existirem outras perturbações, como perturbação de hiperatividade com défice de atenção ou perturbação obsessivo-compulsiva, há um maior impacto no funcionamento da pessoa.

Na síndrome de Tourette quando a gravidade dos tiques é maior e estes são frequentes, pode existir uma interferência significativa nas atividades diárias, resultando num maior isolamento social, em conflitos interpessoais e na possibilidade de sofrer de bullying ou humilhação pelos pares, bem como incapacidade no trabalho ou na escola e uma baixa qualidade de vida. A pessoa pode apresentar um grande sofrimento psicológico.

Complicações mais raras da síndrome de Tourette podem incluir lesões físicas, como por exemplo lesões nos olhos devido à pessoa ter tiques em que golpeia o próprio rosto, ou lesões ortopédicas e neurológicas, devido a movimentos forçados da cabeça e do pescoço.

Como é feito o diagnóstico da síndrome de Tourette?

Como a síndrome de Tourette surge normalmente na infância, são os pais e os cuidadores quem primeiro se apercebe da existência de tiques da criança. Quando há a perceção destes tiques, muitas vezes o primeiro instinto não é procurar um profissional, sobretudo se os tiques forem subtis.

Muitas vezes os pais começam por tentar gerir o comportamento da criança e, acreditando que os tiques são intencionais ou que a criança consegue controlá-los, podem até aplicar castigos ou outras formas de tentar que os tiques cessem. Isto pode até levar a um agravamento dos tiques.

Como tal, é importante que os pais levem a criança a um profissional de saúde, pois quanto mais atempado for o diagnóstico, melhor. O diagnóstico da síndrome de Tourette baseia-se na análise dos sintomas presentes e na sua duração. É feito geralmente um despiste de outros problemas orgânicos, nomeadamente através de exames neurológicos.

Pode ser necessário o profissional de saúde avaliar a criança periodicamente durante um certo período de tempo, para conseguir melhor caracterizar a sintomatologia apresentada. Também é feito um diagnóstico diferencial, bem como avaliada a presença de outras perturbações concomitantes, como a perturbação de hiperatividade e défice de atenção ou a perturbação obsessivo-compulsiva.

Para a avaliação da síndrome de Tourette é fundamental observar a criança e recolher informação com ela, bem como com os pais e outros cuidadores ou figuras significativas, como por exemplo professores ou educadores. Uma avaliação completa que contemple várias formas e fontes de avaliação permitirá elaborar um quadro mais completo do problema para um diagnóstico mais eficaz e acertado.

Qual o tratamento para a síndrome de Tourette?

O tratamento para a síndrome de Tourette pode incluir, por um lado, a toma de medicação e, por outro, a intervenção psicológica, especificamente a terapia cognitivo-comportamental. O plano de tratamento dependerá sempre do quadro de sintomas, que é variável de pessoa para pessoa.

Por vezes não é necessário recorrer à medicação, nomeadamente se os sintomas forem leves e se se instruir pais e professores a compreenderem melhor a síndrome de Tourette e a forma como podem ajudar a criança.

No que diz respeito à terapia cognitivo-comportamental, esta tem por objetivo ajudar a pessoa a lidar com os tiques. Geralmente inclui:

  • Técnicas cognitivo-comportamentais, tais como:
    • Treino de reversão do hábito, que envolve ensinar comportamentos para substituir os tiques (por exemplo, se o tique for encolher os ombros, pode-se ensinar a manter os braços esticados até à vontade / compulsão passar);
    • Exposição com prevenção de resposta: implica a exposição crescente à vontade ou compulsão do tique, por forma a suprimir a resposta por mais tempo. Ou seja, a pessoa acostumar-se à sensação ou compulsão para o tique até que esta diminua.
  • Psicoeducação acerca dos tiques;
  • Estratégias de relaxamento;
  • Educação e treino parental relativamente à síndrome de Tourette e aos tiques, ajudando a identificar situações em que os tiques se agravam e situações ou estratégias que ajudam a amenizar e controlar os tiques.

No que diz respeito à medicação, esta apenas é recomendada para a síndrome de Tourette se os tiques forem persistentes e interferirem significativamente na vida diária e no equilíbrio psicológico da pessoa. É usada uma dose baixa, o mínimo necessário para tornar os tiques toleráveis, sendo que a dose é diminuída progressivamente à medida que se adquire algum maior controlo sobre os tiques.

Existem medicamentos que podem ser bastante eficazes, ajudando a controlar a ansiedade e a hiperatividade que muitas vezes podem acompanhar a síndrome de Tourette e os tiques. No entanto, a medicação pode ter, no entanto, alguns efeitos secundários, como sonolência. A medicação não deve ser interrompida de forma abrupta.

Alguns medicamentos antipsicóticos também são utilizados na presença de tiques graves. No entanto, existem alguns efeitos secundários possíveis, tais como rigidez muscular ou agitação, bem como movimentos involuntários repetidos e lentos. Ainda assim, estes efeitos secundários são relativamente raros, sobretudo se as doses tomadas forem baixas.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.