A infidelidade é um tema recorrente numa sociedade monogâmica como a que vivemos. É algo que existe desde que o casamento foi inventado, e que foi legislado, debatido, politizado e demonizado ao longo da história. É também um acontecimento relativamente frequente e comum, para além de gerador de múltiplas emoções negativas e incompreensão.
Neste sentido, o objetivo deste artigo é o de explorar o tema de infidelidade, as diferentes causalidades e fatores que nela interferem.
O que é a infidelidade?
A infidelidade é definida como uma rutura na confiança e que pode ocorrer em diferentes contextos. Consiste no não cumprimento de um compromisso de fidelidade previamente assumido. Como tal, é vista como uma violação das regras e limites mutuamente acordados num relacionamento. Na sua aceção mais comum, a fidelidade consiste em manter relações amorosas exclusivas com uma pessoa que é seu parceiro ou parceira. Logo, a infidelidade será a quebra desse acordo de mantimento de relações sexuais exclusivas com essa pessoa que se elegeu como parceiro ou parceira.
A infidelidade pode significar a rutura de qualquer compromisso que se tenha assumido livremente e que por qualquer circunstância foi quebrado. Deste modo, nem sempre infidelidade é sinónimo de adultério. O adultério designa a prática da infidelidade conjugal ou, por outras palavras, o envolvimento em atos sexuais com outra pessoa que não o parceiro. Atualmente pode não se tratar apenas de relações sexuais, mas por exemplo um beijo ou outra interação íntima.
É fácil perceber que dificilmente uma definição concreta e objetiva abarca todo o fenómeno complexo que é a infidelidade. Aquilo que uns definem como ser infiel poderá ser distinto do que o que outros consideram como tal. Por isso, a definição de infidelidade é atualmente extremamente ambígua: uma troca de beijos? Troca de fotos íntimas? Almoços ou encontros secretos? Flirt pela internet?
Na verdade, não existe uma definição concreta e os termos devem ser definidos pelo próprio casal. Se a infidelidade é quebrar um acordo estabelecido pelos dois, são esses dois que devem definir o que constitui ou não uma quebra na confiança. Por isso, o que se constitui como traição não é necessariamente uma conduta sexual ou emocional específica; é a circunstância de essa conduta não estar contemplada no acordo existente entre o casal. O problema é que muitos casais não conversam de forma clara e inequívoca sobre isto. Alguns casais estabelecem os seus compromissos sem rodeios, mas muitos fazem-no por tentativa erro.
Quais os componentes da infidelidade?
De uma forma global a infidelidade envolve sempre um ou mais de três elementos: secretismo, alquimia sexual e envolvimento emocional. Não têm de estar os três presentes, estando pelo menos um deles. Vejamos então cada um deles:
- Secretismo: uma relação extraconjugal vive à sombra da relação principal, procurando-se que nunca venha a ser descoberto. Muitas vezes o secretismo em si mesmo reforça a infidelidade, uma vez que os segredos nos fazem por vezes sentir poderosos, menos vulneráveis e mais livres. O secretismo funciona também, muitas vezes, como um portal para a autonomia e para o controlo. No entanto, os segredos não são só diversão, uma vez que envolvem e alimentam a mentira, a negação e a dissimulação. Ficar envolto numa espécie de vida dupla pode fazer com que a pessoa se sinta isolada e acabar por conduzir à vergonha e à autoaversão.
- Alquimia sexual: a infidelidade por vezes inclui sexo, outras vezes não, mas tem geralmente uma componente erótica. O erotismo pode fazer com que o beijo imaginado possa ser tão poderoso ou mais do que a sua consumação. Muitos casos extraconjugais são menos sobre sexo e mais sobre desejo: o desejo de se sentir desejado, de se sentir especial, de ser visto e estar em sintonia, de chamar à atenção. Tudo isto carrega uma energia erótica que pode fazer a pessoa sentir-se viva, renovada, revitalizada.
- Envolvimento emocional: muitos dos casos de infidelidade têm, em maior ou menor medida, uma componente emocional. Num extremo temos o caso amoroso ou o apaixonar-se, em que o envolvimento com outra pessoa resulta numa forte ligação emocional. Ao longo do continuum podemos encontrar outros níveis de envolvimento emocional, indo até pequenas aventuras recreativas, anónimas, virtuais ou até pagas, sem grande componente emocional. Algumas pessoas chegam a considerar que a ausência de envolvimento emocional faz com que não exista infidelidade (“não significou nada!”). No entanto, os envolvimentos físicos e emocionais são difíceis de separar e geralmente ambos surgem a par, embora em diferentes níveis.
As convicções e crenças acerca dos casos extraconjugais e da infidelidade estão profundamente enraizadas na nossa psique cultural e, por isso, naturalmente, dependerão da sociedade na qual vivemos. Aliás, nem todas as sociedades são monogâmicas. Na nossa sociedade ocidental o discurso contemporâneo sobre o tema tende a ser da seguinte maneira: a infidelidade deve ser um sintoma de uma relação que correu mal. Se tivermos em casa todas as coisas que precisamos, não haverá razão para as ir procurar noutro lado.
Os homens traem por tédio e medo da intimidade; as mulheres traem por solidão e ânsia de intimidade. O parceiro fiel é o maduro, comprometido e realista; o infiel é o egoísta, imaturo e pouco contido. Face à infidelidade, a única maneira de restaurar a confiança e a intimidade é confessar a verdade, mostrar arrependimento e procurar o perdão. Por último, mas não menos importante, o divórcio tende a gerar mais respeito por nós mesmos do que o perdão.
Este discurso da sociedade moderna tende a ter um tom moralizador e a ignorar inúmeras variáveis, atribuindo o “problema” da infidelidade a casais ou pessoas imperfeitas, passando ao lado de grandes questões que devem ser entendidas. Aliás, se fosse verdade que a infidelidade reside em casais ou pessoas com defeito, como haveria tantas pessoas a passar pela experiência de infidelidade? Não parece lógico que todas elas tenham alguma espécie de problema.
Porque é que a infidelidade acontece?
Para compreendermos a infidelidade não podemos deixar de observar questões e mudanças a nível social. Atualmente queremos do casamento aquilo que existia na família tradicional (segurança, filhos, bens e respeito) mas também queremos amor e desejo, interesse e paixão. Queremos ser melhores amigos, mas também amantes fervorosos. Queremos o amor incondicional, a intimidade arrebatadora e o sexo excitante, até ao fim, com a mesma pessoa.
Ao mesmo tempo que pretendemos a estabilidade, segurança, previsibilidade e fiabilidade, também queremos espanto, mistério, aventura e risco. Familiaridade e novidade. Continuidade e surpresa. As exigências colocadas sobre as atuais relações e o casamento também complexificam a dinâmica da relação e exige do casal um maior trabalho na própria relação para a manter.
Uma pergunta bastante comum e difícil de responder é porque é que as pessoas traem. O ser humano precisa de ordem, de sentir que tem controlo, e como tal precisamos de ter respostas para as coisas. Muitas vezes, na ausência de respostas, atribuímos aquelas que achamos mais convenientes.
Os motivos que levam à infidelidade variam bastante, assim como as reações e possíveis consequências. Alguns casos extraconjugais são atos de resistência enquanto que outros acontecem porque não se ofereceu qualquer tipo de resistência. Uma pessoa pode ultrapassar a fronteira por uma simples aventura, enquanto que outra o faz porque quer sair da relação em definitivo. Algumas infidelidades são rebeldias fúteis geradas por um sentimento de aborrecimento, um desejo de novidade ou uma necessidade de saber se ainda se detém o poder da atração. Outras revelam um sentimento até então desconhecido – um sentimento de amor avassalador que não pode ser contido.
Embora possa parecer contraditório, algumas pessoas têm casos fora do casamento para o conseguirem salvar ou preservar. Quando as relações se tornam abusivas, a transgressão pode ser uma força regeneradora. Um desvio pode fazer soar o alarme que sinaliza uma urgente necessidade de prestar atenção ou pode ser a sentença de morte da relação. A infidelidade pode ser um ato de traição e, ao mesmo tempo, uma expressão de desejo e perda.
Quais as causas para a infidelidade?
Frequentemente tende a pensar-se nas razões da infidelidade de uma forma relativamente simplista: ou é um problema da relação ou é um problema da pessoa. Considera-se o caso extraconjugal como um sinal de alerta para uma condição preexistente, seja ela uma relação pouco saudável ou uma pessoa com um problema. Em algumas situações, isto até pode ser verdade, no entanto não o será em todas as situações. Os vínculos emocionais inseguros, a tentativa de evitar conflitos, a prolongada falta de sexo, a solidão ou apenas a monotonia podem ser disfunções conjugais que podem estar na base de alguns casos de infidelidade.
No entanto, também é possível, por estranho que pareça, que a infidelidade aconteça em relações saudáveis e na ausência e problemas conjugais sérios. Quando não conseguimos culpar a relação, a tendência é para culpar a pessoa – porque ela tem um distúrbio afetivo, porque teve problemas na infância, porque é viciada em sexo… No entanto, a questão tem de ser analisada mais a fundo porque serão vários os casos em que a razão não residirá na pessoa nem necessariamente em problemas conjugais.
As pessoas traem por diversas razões, e há quase tantas razões quanto pessoas. Parece existir um tema recorrente nas razões para a infidelidade: a descoberta pessoal, a busca por uma identidade nova ou perdida, uma exploração. Nestes casos a infidelidade não surge tanto como um sintoma do problema, mas sim como uma experiência expansiva que envolve a descoberta e a transformação.
Por vezes, quando procuramos o olhar de outra pessoa, não é ao nosso parceiro que viramos as costas, mas à pessoa em que nos tornámos. Mais do que um novo amante, procuramos encontrar uma nova versão de nós próprios. Muitas vezes é mais fácil culpar uma relação falhada do que lidar com os imponderáveis existenciais das nossas ambições, ânsias ou enfado.
A infidelidade pode de facto ter, em alguns casos, origem numa crise de identidade, numa reorganização interna da personalidade. Isolado das responsabilidades do dia-a-dia, o universo paralelo de um caso extraconjugal costuma ter contornos idealizados, sendo quase um mundo de possibilidades, uma realidade alternativa na qual nos podem reinventar. Ser outra pessoa. Uma espécie de parêntesis na nossa vida.
A procura do eu inexplorado é um forte motivador, ainda que muitas vezes inconsciente, para a infidelidade. Pode existir uma atração pela memória da pessoa que já fomos, ou fantasias que nos levam de volta a oportunidades perdidas ou falhadas e à pessoa que achamos que poderíamos ter sido. Enquanto que durante a infância temos a oportunidade de desempenhar outros papéis, durante a idade adulta é comum darmos por nós confinados aos papéis que nos atribuíram ou que adotámos. Quando escolhemos um parceiro, comprometemo-nos com uma história. No entanto, permanecemos curiosos: que outras histórias poderíamos ter construído? A infidelidade funciona por vezes como uma janela para essas outras vidas, um vislumbre do estranho dentro de nós. A infidelidade torna-se na vingança das possibilidades abandonadas.
As histórias proibidas são utópicas e romantizadas por natureza. Nos casos extraconjugais a indeterminação, a incerteza, o não saber são sentimentos que não toleraríamos na nossa relação principal, mas que se tornam o combustível do romance secreto. A infidelidade promete por vezes vidas que jamais poderiam ser as nossas. Importa também ter em conta que queremos que as nossas relações nos proporcionem segurança e ao mesmo tempo aventura, liberdade e compromisso
Muitas vezes a permanência e a estabilidade que procuramos acabam por abafar a chama sexual. Não só há pessoas que podem procurar noutros lugares as coisas que não têm em casa, como algumas delas podem procurar fora o que não querem realmente ter em casa. Ou seja, para algumas a estabilidade e candura que procuram numa companheira não se compatibiliza com o sexo desenfreado que encontra espaço nos casos extraconjugais. Nestes casos a infidelidade surge como uma solução segmentada: o risco e a adrenalina encontram-se na amante, o conforto e a intimidade encontra-se no seio conjugal.
As nossas carências emocionais e as nossas carências eróticas nem sempre estão bem alinhadas. Para algumas pessoas, a segurança de uma relação fornece a confiança necessária para brincarem, arriscarem e entregarem-se a fantasias sexuais. Mas, para outras, as características que alimentam o amor e a intimidade são as mesmas que abafam o desejo.
De um ponto de vista psicológico, a nossa ligação ao proibido lança luz sobre as dimensões mais obscuras da nossa humanidade. Transgredir as regras é uma característica central da natureza humana. Sentimos um certo estremecimento quando nos escondemos ou agimos sorrateiramente.
É necessário, por isso, haver uma distinção entre a pessoa e a experiência, que é muitas vezes onde reside a solução para a pessoa se libertar dos seus casos extraconjugais. É possível a pessoa reencontrar aquilo que a relação extraconjugal oferecia de uma outra forma.
O que acontece após a infidelidade?
A traição e a desilusão são emoções altamente dolorosas, que explicam o peso da infidelidade. Quando a pessoa em quem confiávamos é aquela que nos mentiu, nos tratou como indignos do respeito mais básico, o mundo onde pensávamos que vivíamos é virado do avesso. A história da nossa vida fica completamente fraturada. O turbilhão de emoções desencadeado pela infidelidade é tão avassalador que podem muitas vezes gerar sintomas semelhantes ao trauma: ruminação obsessiva, hipervigilância, dormência e dissociação, fúrias inexplicáveis e pânico incontrolável. Muitas vezes as consequências são tão profundas que o casal e os seus elementos são incapazes de gerir sozinhos as sequelas emocionais e precisavam de ajuda psicológica para poderem superar a situação.
Após a infidelidade podem existir muitas emoções contraditórias, entre a raiva e o ódio, o amor e o desespero… O choque da revelação pode gerar reações primitivas de luta, fuga ou imobilidade. Algumas pessoas ficam simplesmente atónitas, enquanto que outras desaparecem de imediato, procuram escapar ao acontecimento e readquirir algum controlo. As emoções dominam e é difícil tomar decisões ponderadas.
A recuperação após a infidelidade pode ser dividida em três fases: crise, construção de sentido e criação de visão. O momento da crise gera-se a partir do conhecimento da infidelidade, e é necessário encontrar a capacidade de clareza e estrutura para pensar sobre o que aconteceu. Mais tarde, na fase da construção de sentido, serão explorados os motivos que originaram a traição e os papéis de cada um dos elementos do casal na história. Por fim, na fase da criação de visão, será o momento de tomar decisões em relação ao futuro, seja juntos seja separados.
A infidelidade cria uma rutura na narrativa do casal, que deixa de ser coerente. A narrativa é a estrutura interna que nos ajuda a prever e a regular ações e sentimentos futuros, criando um sentido de identidade (do casal) saudável. Quando a infidelidade acontece, muitas vezes a pessoa que foi traída sente que lhe foi roubada a narrativa, a história, e passa a questionar tudo aquilo que acreditava ser verdade. Por vezes mesmo as memórias mais felizes e aparentemente verdadeiras da vida a dois passam a ser questionadas. Será que a vida partilhada era falsa? Por isso, a infidelidade não se resume muitas vezes à perda da relação, mas à perda da identidade. O único lugar em que muitas vezes paramos de avaliar e reavaliar a nossa autoestima é no amor, considerando que nele ganhamos sempre. Por isso, é compreensível que a infidelidade possa gerar uma grande insegurança e crise existencial.
A crise de identidade não acontece só a quem foi traído. Também quem traiu a pode sentir, olhando para o seu próprio comportamentos pelos olhos do parceiro lesado, e deparando-se com uma imagem negativa de si mesmo. Construímos a noção de que “quem trai é mau” e por isso tendemos a dizer a nós próprios que “não somos esse tipo de pessoa”. Como tal, a traição pode gerar também neste caso uma crise de identidade. Verifica-se uma discrepância entre a imagem de si mesmo e as suas ações.
Na sequência de uma traição, precisamos de encontrar formas de restaurar a nossa autoestima – de separar o que sentimos por nós próprios dos sentimentos gerados em nós pela outra pessoa. Quando parece que todo o nossos ser foi sequestrado e a nossa autodefinição ficou nas mãos da mesma pessoa que a roubou, é importante lembrar que há outras partes importantes da nossa identidade. Não somos um ser rejeitado, embora parte de nós tenha sido rejeitada; não somos uma vítima, embora parte de nós tenha sido vitimizada; somos amados, valorizados e estimados por várias pessoas e até mesmo pela que nos foi infiel, embora possa não parecer no momento. Após a infidelidade a pessoa precisa de se resgatar a si própria, de se redescobrir, de reencontrar-se com partes de si que talvez estivessem negligenciadas e de se priorizar.
Há sempre só uma culpa na infidelidade?
A infidelidade pode gerar dois tipos de posturas diferentes: usá-la para nos ferirmos a nós próprios, entendendo que não temos valor suficiente e para realçar a aversão por nós mesmos; ou usá-la para culpar o outro e retaliar, fazendo o causador da dor senti-la também. Algumas pessoas voltam-se para dentro, outras voltam-se para os “culpados”, reais ou fantasiados. Oscilamos entre a depressão e a indignação, a apatia e a fúria, o colapso e o contra-ataque.
Após a infidelidade é frequente as pessoas sentirem-se indignas, confirmarem as suas próprias insuficiências ou defeitos. Há uma voz inconsciente que diz que se calhar a culpa é nossa. Uma parte de nós suspeita que tivemos o que merecíamos. A nossa autorrecriminação exagerada pode, de repente, reunir tudo aquilo que não gostamos em nós próprios e convertê-lo na justificação para a infidelidade.
Por outro lado, a vingança pressupõe a tentativa de “pagar na mesma moeda”, movida pelo espírito de retaliação. A vingança pode parecer desnecessária, mas esconde em si um grande sofrimento. Incapazes de recuperar os sentimentos danificados, usamos a vingança como uma espécie de ajuste de contas. No fundo são também tentativas desesperadas de readquirir o controlo e o poder, de exigir compensações, de autopreservação. Mas será que resulta? Na verdade, a vingança em vez de ter um efeito positivo o que faz é manter presentes os dissabores de uma ofensa e mantém-nos obcecados com o passado. Quando não empreendemos energia em aplicar uma punição, seguimos em frente mais depressa.
Ainda assim, pode ser difícil virar as costas ao desejo de vingança e lidar com essa emoção. Por isso, em vez de eliminá-lo, pode ser preciso aprender a lidar com ela de uma forma mais saudável. Podemos usar a fantasia da retaliação e da vingança na nossa imaginação, mas não passar à prática. As fantasias podem ser uma via para expurgarmos pensamentos e iras que nos atormentam. Podemos também negociar a “vingança” com a outra pessoa colocando os nossos próprios termos e condições.
Embora a decisão de ter um caso seja apenas de um dos elementos do casal, na maior parte das situações ambos são responsáveis pelo contexto relacional em que ele ocorre. Quase sempre deve ser feita uma análise bidirecional. No entanto, é preciso fazer uma distinção: assumir a responsabilidade pela criação das condições que podem ter contribuído para a traição é muito diferente de assumir a culpa pela existência da mesma. Quando se está em estado de choque é fácil confundir as duas coisas.
A única opção para a infidelidade é o fim da relação?
No discurso moderno sobre a infidelidade existe um julgamento muito claro sobre aqueles que perdoam a infidelidade. Tal é visto como um ato de fraqueza, incompreensível. Se antigamente o divórcio era estigmatizado, atualmente escolher ficar na relação é a nova vergonha.
Há, sem dúvida, momentos em que a separação é inevitável e desejável, a melhor decisão para todos os envolvidos. No entanto, poderá nem sempre ser a única opção ou a opção mais prudente em todos os cenários. Por isso, é preciso um entendimento mais aprofundado e, nalguns casos, de esperança e cicatrização das feridas – juntos ou separados. Existem de facto casais que se mantêm na relação apesar da infidelidade. Se a relação poderá ou não sobreviver à traição depende das circunstâncias e da capacidade de o casal, em conjunto, compreender que precisam de (re)construir uma nova relação compreendendo o que correu mal anteriormente.
Aplica-se, portanto, a lógica de que cada caso é um caso e apenas as pessoas no seio da relação poderão decidir se romper a relação ou mantê-la é a melhor opção. E essa é uma decisão que deve ser feita pelos elementos do casal e não motivada pelo julgamento alheio.
A infidelidade pode destruir uma relação, sustentá-la, forçá-la a mudar ou criar uma nova. Cada caso é um caso diferente, e cada relação determina o legado que um caso extraconjugal terá. Para os casais que ficam juntos podem existir diferentes desfechos possíveis: ficarem presos ao passado e não conseguirem ultrapassar a situação, esforçarem-se por recuperar das mazelas da crise que ocorreu, ou erguerem-se sobre as cinzas e criarem uma melhor relação. Por outro lado, quando o desfecho é o fim da relação, pode ser necessário um trabalho de conseguir que este fim seja o mais calmo e digno possível. E que, separados, cada um consiga curar as feridas que, entretanto, se abriram.
O que fazer para prevenir a infidelidade?
Como vimos, a infidelidade não é algo linear nem algo que consigamos garantir que nunca faremos ou que nunca nos acontecerá a nós. As suas razões são múltiplas e a infidelidade pode acontecer por várias circunstâncias que nem sempre estão dentro do nosso controlo. No entanto, é possível promover padrões mais saudáveis entre os casais que previnam a infidelidade ou, pelo menos, permitam manter uma relação saudável:
- Não esperar pela tempestade e pelo surgimento dos problemas para se debater questões importantes entre o casal: falar sobre o que atrai, o medo da perda, os limites, as necessidades, etc, numa atmosfera de confiança;
- Partilha entre o casal dos diversos desejos, mesmo aqueles perante os quais existe maior medo ou vergonha na revelação;
- O casal deve conversar e negociar a independência erótica de cada um no âmbito de uma conversa mais abrangente sobre a individualidade e a união. Ou seja, falar sobre o que é individual na nossa sexualidade (fantasias, masturbação, etc.) e o que deve sempre ser partilhado;
- O casal deve tornar mais explícito, entre si, o que consideram como infidelidade e quais os limites da relação. Devem ser estabelecidos os princípios da relação em torno da honestidade e da transparência;
- Cada elemento do casal deve manter a sua individualidade, não se anulando perante a relação. Manter amigos, projetos pessoais, ambições individuais, e uma boa rede de amigos e familiares. Um sentido de individualidade bem desenvolvido e saudável modera a nossa vulnerabilidade e protege-nos;
- Encontrar uma forma saudável e que funcione para ambos os elementos do casal de conjugar amor e desejo, e perceber que ambos são aspetos que terão de ser trabalhados ao longo da vida do casal;
- Não minimizar a importância do sexo para o bem-estar do casal, e perceber que este é fundamental e que o casal deve conversar sobre isto para poder ter uma vida sexual satisfatória;
- Evitar formas de controlo e policiamento, como vigiar o telemóvel ou controlar as relações do outro, pois geralmente isto leva ao efeito oposto do pretendido;
- O casal pode procurar criar as suas próprias formas de mistério, desejo e fascínio pelo proibido um com o outro em vez de com outras pessoas. Alguns exemplos podem ser o role-play, encontros imprevisíveis e diferentes um com o outro ou quaisquer outras formas de sair da rotina que funcionem para o casal;
- Aceitar e compreender que a pessoa que está connosco não nos pertence; saber que a podemos perder não tem de minar o compromisso, apenas exige um envolvimento ativo e um trabalho contínuo na relação;
- Perante um caso de infidelidade ou qualquer outro problema conjugal, a terapia de casal pode ser uma boa opção para ajudar os elementos do casal a gerir as emoções e a processar a situação, quer a sua decisão depois seja a da separação ou não.