Insolvência culposa: quando ocorre e quais as consequências?

insolvência culposa

A lei define a situação de insolvência como a impossibilidade de o devedor cumprir com todas as suas obrigações, devendo tal situação ser reconhecida pelo tribunal, no âmbito de um processo de insolvência.

O processo de insolvência destina-se às pessoas colectivas (insolvência das empresas) e às pessoas singulares (insolvência pessoal e insolvência do casal), e pressupõe, em termos gerais, a liquidação do activo do devedor, para fazer face às dividas, cabendo ao Administrador de insolvência promover com tais diligências.

No entanto, a lei acautela que a situação de insolvência se pode dever a uma conduta censurável do devedor ou dos seus administradores (insolvência culposa), prevendo mecanismos no processo da insolvência que visam apurar se existe culpa e responsabilizar as pessoas que causaram a situação de insolvência.

A insolvência pode ser considerada culposa?

No âmbito de um processo de insolvência, há lugar a um incidente autónomo que visa determinar se a insolvência deve ser declarada como culposa ou fortuita. A insolvência culposa acontece sempre que é possível comprovar que a conduta do devedor (no caso da insolvência pessoal) ou dos seus administradores (no caso da insolvência das empresas), causou ou agravou a situação de insolvência. Quando não é possível provar que a insolvência é culposa, a mesma deverá ser declarada fortuita.

O que qualifica a insolvência como culposa?

Conforme determina a lei portuguesa, quando é possível provar que a situação de insolvência foi criada ou agravada em consequência da atuação do devedor, isto é, culposa ou por culpa grave, nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência, a insolvência deve ser qualificada como insolvência culposa.

O legislador atribui ao tribunal a tarefa de apreciar os factos referentes a cada uma das insolvências, de modo a que, em cada um dos casos, se possa aferir se as circunstâncias que levaram à situação de insolvência impõem a sua qualificação como insolvência culposa ou não. No entanto, a lei elenca algumas situações-tipo que, caso se verifiquem, devem sempre sempre qualificadas como insolvência culposa.

Quando é presume insolvência culposa?

A lei determina que a insolvência se considera sempre culposa e, consequentemente, deverá ser assim qualificada, quando, pelo devedor ou pelos seus administradores, for:

  • Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer o património do devedor (no todo ou em parte considerável);
    • por exemplo: uma empresa que faz desaparecer toda a maquinaria ou os veículos automóveis em seu nome deve ver a insolvência qualificada como culposa.
  • Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
    • por exemplo: se o devedor cria dividas fictícias, numa tentativa de favorecer terceiros com a declaração de insolvência.
  • Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
  • Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
    • por exemplo: se uma empresa doa imóveis aos administradores, para que os bens não sejam vendidos no âmbito do processo de insolvência.
  • Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
  • Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
    • por exemplo: se uma empresa, antes de se apresentar à insolvência, contrai créditos bancários e utiliza o dinheiro para investir numa outra empresa.
  • Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
  • Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
  • Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação à insolvência e de colaboração com o tribunal, com o administrador de insolvência e com os restantes credores.

Quando se presume culpa grave?

A lei prevê ainda duas situações que, verificando-se, se presume a existência de culpa grave e, consequentemente a insolvência deve ser qualificada como culposa.

Deste modo, considera-se como culpa grave quando o devedor incumpriu:

  • O dever de requerer a declaração de insolvência;
  • A obrigação de elaborar as contas anuais (no prazo legalmente estabelecido), de submeter as contas à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.

Quem é afetado pela insolvência culposa?

A qualificação da insolvência como insolvência culposa determina que irão ser aplicadas consequências às pessoas responsáveis pela situação de insolvência. Enquanto que na insolvência pessoal é fácil depreender que a pessoa responsável pela situação de insolvência é a pessoa declarada insolvente, o mesmo não se pode dizer quanto às sociedades comerciais.

Deste modo, numa insolvência de empresa, pode ser responsabilizado um vasto conjunto de pessoas, como por exemplo administradores (de direito ou de facto), técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas.

Neste âmbito, referir que é competência do tribunal indicar as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como insolvência culposa.

Quais os efeitos da insolvência culposa?

Quando o tribunal declara a insolvência como culposa, deve indicar quem é que será afectado por tal qualificação, assim como quais as consequências concretas.

As consequências da qualificação como insolvência culposa podem abranger:

  • A inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros (por um período de 2 a 10 anos);
  • A inibição das pessoas afetadas no exercício do comércio (durante um período de 2 a 10 anos);
  • A inibição das pessoas afetadas para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa (durante um período de 2 a 10 anos);
  • A perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação (e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos eventualmente recebidos);
  • A indemnização dos credores do devedor insolvente no montante dos créditos não satisfeitos.

No caso da insolvência pessoal e da insolvência do casal, a qualificação como insolvência culposa determina que deverá ser indeferida a exoneração do passivo restante (que consiste no perdão das dívidas que não forem pagas no âmbito do processo da insolvência), pelo que os insolventes não poderão beneficiar de tal medida e continuarão responsáveis pela totalidade das suas dívidas.

A insolvência culposa é crime?

A qualificação da insolvência como culposa não é crime, pelo que a simples qualificação como insolvência culposa não significa que irá ser aplicada qualquer pena (seja pena de multa ou pena de prisão).

No entanto, a lei tipifica alguns crimes específicos à insolvência, pelo que, em processo autónomo podem ser apuradas responsabilidades criminais por factos que tenham levado à declaração de insolvência, independentemente de a mesma ter sido, ou não, qualificada como culposa.

Deste modo, independentemente da qualificação da insolvência como culposa, os factos podem corresponder à prática do crime de insolvência dolosa, insolvência negligente ou frustração de créditos.

– artigo redigido por um jurista com base no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004) e Código Penal (Decreto-Lei n.º 48/95)

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