Insolvência pessoal: o que é e como funciona?

insolvência pessoal

A facilidade de obtenção de crédito, associada à volatilidade do mercado de trabalho poderá levar a que muitas pessoas cheguem a uma situação em que não consigam cumprir com todas as suas obrigações financeiras.

Quando constituímos um empréstimo bancário ou recorremos a um crédito financeiro, por exemplo, devemos garantir que conseguiremos proceder ao pagamento das prestações mensais, assim como todas as despesas mensais normais (água, eletricidade, alimentação, internet, entre outras).

Contudo, um vasto conjunto de fatores que não conseguimos controlar (a título de exemplo, uma situação de despedimento ou um problema de saúde grave) pode alterar a nossa capacidade financeira, forçando-nos a incumprir com as nossas obrigações. Deste modo, é importante saber como reagir quando nos encontramos numa situação de incumprimento, sendo a insolvência pessoal uma possível solução.

Cientes da inúmeras questões que esta tema suscita redigimos o presente artigo onde procuramos dar resposta a algumas das perguntas mais frequentes sobre a insolvência pessoal, nomeadamente em que consiste, quais as condições e qual o funcionamento.

Quais as alternativas à insolvência pessoal?

Quando falamos em incumprimento das obrigações, devemos compreender se o incumprimento é definitivo ou pontual. Isto porque nem todas as situações de incumprimento exigem que se recorra a um processo de insolvência pessoal. O modo de agir dependerá da situação concreta.

Primeiramente, releva saber qual a natureza dos créditos. Se tomarmos como exemplo um empréstimo bancário, regra geral existem seguros associados. Assim, ainda antes de entrarmos em incumprimento, importa perceber se poderemos acionar o seguro por uma situação de desemprego ou doença.

Se já estamos a falar numa situação de incumprimento, é importante tentar renegociar as dívidas e os planos de pagamento, de forma a evitar a insolvência pessoal. Por exemplo, se falhamos algumas prestações de um empréstimo bancário, será importante tentar fazer uma reestruturação do crédito, de modo a tentar alargar o prazo de pagamento e reduzir as prestações mensais, de modo a evitar que o incumprimento seja definitivo.

Existe ainda o Procedimento extrajudicial de regularização de situações de Incumprimento (PERSI), que visa facilitar a realização de um acordo com as instituições de crédito para regularizar situações de incumprimento.

Uma outra alternativa à insolvência pessoal poderá passar por transferir o crédito para outra instituição bancária que garanta um spread mais vantajoso e que garanta prestações mensais mais baixas.

Existe ainda a possibilidade de socorrer-se do Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), que tem como principal objetivo facultar ao devedor a possibilidade de negociar com todos os credores e definir, em conjunto, um acordo de pagamentos.

Se não é viável recorrer a qualquer uma destas alternativas, deverá ser equacionado o recurso ao processo de insolvência pessoal.

O que é a insolvência pessoal?

A legislação portuguesa define como situação de insolvência a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.

Tanto se podem encontrar em situação de insolvência as pessoas coletivas (como por exemplo, as sociedades comerciais/empresas), a chamada insolvência coletiva, como as pessoas singulares, designada insolvência pessoal, pelo que a lei regula especificidades para cada uma das situações de insolvência.

As pessoas singulares podem ser (ou não) empresários ou titulares de pequenas empresas, sendo que a lei prevê um regime especial para a insolvência dos não empresários ou titulares de pequenas empresas.

Se um casal estiver em situação de insolvência (a chamada insolvência pessoal do casal), podem os cônjuges apresentar-se conjuntamente à insolvência, distinguindo as dívidas comuns (que são da responsabilidade de ambos) das dívidas próprias de cada um dos cônjuges.

A insolvência pessoal permite ao devedor apresentar um plano de pagamentos aos credores ou, em alternativa, requerer a Exoneração do Passivo Restante.

É obrigatória a constituição de advogado?

Sim, o devedor deve constituir advogado, porque, no caso de a iniciativa de insolvência pessoal partir do próprio devedor, será o advogado a intentar o processo de insolvência no tribunal. Caso o devedor não tenha a possibilidade para pagar a um advogado, poderá sempre solicitar apoio judiciário junto da Segurança Social.

Se a insolvência for requerida por um credor ou pelo Ministério Público, o devedor receberá uma citação para se opor em 10 dias. Caso pretenda que lhe seja nomeado um advogado, o devedor deve, nesse prazo, apresentar ao tribunal o comprovativo do pedido de apoio judiciário para nomeação de mandatário.

Como funciona o processo de insolvência pessoal?

À semelhança do que ocorre com a insolvência de uma pessoa coletiva (das empresas, por exemplo) a declaração de insolvência pessoal pode ser requerida pelo devedor, pelo Ministério Público ou por qualquer credor (como por exemplo um banco ou uma financeira).

Será necessário apresentar ao Tribunal um vasto conjunto de informações, das quais destacamos:

  • Identificação de todos os credores e dos montantes devidos;
  • Identificação de todas as ações e execuções em curso contra o devedor;
  • Identificação de todos os bens imóveis ou móveis sujeitos a registo que sejam propriedade do devedor.

O tribunal irá apreciar a questão e, verificando-se que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir com todas as suas obrigações vencidas, será proferida sentença a declarar a insolvência pessoal, nomeando-se um administrador de insolvência.

O Administrador de Insolvência tem como principal função liquidar o património do devedor e proceder ao pagamento dos vários créditos reclamados.

O que é a exoneração do passivo restante?

A exoneração do passivo restante deve ser requerida no início do processo de insolvência e nada mais é que é um mecanismo que permite um perdão das dívidas quando o património do devedor não é suficiente para as liquidar. Deste modo, é uma faculdade que a lei atribui aos devedores para “recomeçar” a vida.

O tribunal irá apreciar o pedido e, caso não exista qualquer motivo para indeferimento (como por exemplo, se o devedor criou ou agravou a situação de insolvência; se o devedor dissipou o seu património), é proferido um despacho inicial de exoneração do passivo.

Nesse despacho, o tribunal irá nomear o fiduciário e fixar o valor necessário para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar (que, por norma, corresponde a um salário mínimo nacional quando o devedor não tem dependentes). Durante o período de cinco anos, o insolvente deve cumprir com várias obrigações, onde se destacam as seguintes:

  • Não ocultar nem dissimular rendimentos;
  • Exercer uma profissão remunerada;
  • Em caso de desemprego, procurar diligentemente emprego;
  • Entregar quaisquer montantes que ultrapassem o valor fixado como sustento mínimo ao fiduciário, para que este possa proceder ao pagamento das custas do processo de insolvência e ao pagamento dos credores.

Caso o insolvente não cumpra com as suas obrigações (por exemplo, caso não entregue o dinheiro ao fiduciário) o tribunal recusará a exoneração do passivo, pelo que o insolvente continuará a ser devedor e, consequentemente, responsável por quaisquer montantes que não tenham sido liquidados no processo de insolvência.

A exoneração do passivo restante engloba todas as dívidas?

Não. Existem créditos que não se extinguem com a exoneração do passivo restante, nomeadamente os que indicamos de seguida:

  • Créditos por alimentos;
  • Indemnizações devidas por factos ilícitos;
  • Multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações;
  • Créditos tributários (por exemplo: segurança social ou finanças).

Quais os efeitos da insolvência pessoal?

Da declaração da insolvência pessoal emitida pelo tribunal, resultam como principais consequências:

  • Suspensão das penhoras – Todos os processos de execução (incluindo fiscais e penhoras) são suspensos com a declaração de insolvência pessoal, porque, a partir desse momento, todos os credores deverão ser pagos no âmbito do processo de insolvência. Deste modo, também não poderão ser intentados processos executivos novos.
  • Privação da gestão do património – O insolvente pessoal perde a propriedade de todos os seus bens que possam ser penhorados para pagamento das dívidas, incluindo rendimentos e contas bancárias, sendo integrados na massa insolvente, que será administrada (nomeadamente sendo vendidos os bens em leilão) pelo Administrador da Insolvência.
  • Salário mínimo nacional – O rendimento disponível ao insolvente será reduzido ao montante necessário à sua subsistência, correspondendo ao valor do salário mínimo nacional (€665,00 em 2021), sendo que o restante será usado para pagar aos credores.
  • Publicidade da insolvência – O estado de insolvência é tornado público em Diário da República, no local de trabalho e no tribunal.
  • Inscrição na base de dados de riscos de crédito – O insolvente tem o seu nome inscrito na base de dados de riscos de crédito do Banco de Portugal, o que impossibilita, nomeadamente, a obtenção de financiamento.

– este artigo foi redigido por um advogado com base no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004).

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