Lei da caça: tudo o que precisa de saber

Lei da caça

A nossa lei regulamenta a caça, nomeadamente quem, como, onde e quando pode ser exercida e sempre com vista ao respeito pelo meio ambiente e pelas várias espécies de animais, nomeadamente a sua reprodução.

Se é caçador ou candidato a tal ou se simplesmente se interessa pelo tema, este artigo é para si, pois aqui ficará a conhecer tudo o que precisa de saber sobre a lei da caça, bem como a responsabilidade a que está sujeito. Boa leitura!

O que é a caça?

A caça é a forma de exploração racional dos recursos cinegéticos, sendo estes últimos as aves e os mamíferos terrestres que se encontrem em estado de liberdade natural, quer os que sejam sedentários no território nacional quer os que migram através deste, ainda que provenientes de processos de reprodução em meios artificiais ou de cativeiro e que figurem na lista de espécies publicada em anexo ao regulamento da caça.

O exercício da caça, por outro lado, também chamado de ato venatório, são todos os atos que visam capturar, vivo ou morto, qualquer exemplar de espécies cinegéticas que se encontre em estado de liberdade natural, nomeadamente a procura, a espera e a perseguição.

Onde se pode caçar?

É permitido caçar nos chamados terrenos cinegéticos, os quais incluem áreas de jurisdição marítima e as águas interiores. Os terrenos não cinegéticos, pelo contrário, são aqueles em que não é permitida a caça, incluindo-se neles:

  • áreas de proteção – por exemplo, praias de banho, terrenos adjacentes a estabelecimentos de ensino, hospitalares, prisionais ou tutelares de menores, científicos, lares de idosos, instalações militares ou de forças de segurança, estabelecimentos de proteção à infância, estações radioelétricas, faróis, portos marítimos e fluviais, aeroportos, instalações turísticas, parques de campismo e desportivos, instalações industriais e de criação animal, bem como quaisquer terrenos que os circundem, numa faixa de proteção de 500 m;
  • áreas de refúgio de caça – são criadas por despacho do membro do Governo responsável pelas áreas da agricultura e desenvolvimento rural, que estabelece as limitações às atividades que prejudiquem ou possam perturbar as espécies cinegéticas e não cinegéticas, cuja conservação, fomento ou proteção se pretende;
  • campos de treino de caça – instalados por associações de caçadores, clubes de canicultores, clubes de tiro e entidades titulares de zonas de caça, quando autorizadas;
  • enclaves ou terrenos que confinem com outras figuras de ordenamento cinegético e cuja área individualmente considerada não exceda 10% da área total da zona até um máximo de 50 ha;
  • zonas interditas à caça integradas em áreas classificadas e outras que venham a ser consideradas como tal em despacho do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas a requerimento da entidade gestora.

Existem ainda terrenos de caça condicionada, nos quais é proibido caçar sem consentimento de quem de direito. São os casos de quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação bem como em quaisquer terrenos que os circundem numa faixa de 250 m e ainda nos terrenos murados.

Em que consiste o direito à não caça?

O direito à não caça é a faculdade de os proprietários ou usufrutuários e arrendatários, neste caso quando o contrato de arrendamento inclua a gestão cinegética, requererem a proibição da caça nos seus terrenos, passando estes a constituir áreas de direito à não caça.

Os requerentes não podem ser titulares de carta de caçador e, no caso de pessoas coletivas, o objeto social não pode contemplar a exploração dos recursos cinegéticos nem os elementos que integram os órgãos sociais serem titulares de carta de caçador.

O reconhecimento do direito à não caça é requerido ao Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, mediante pedido apresentado nos serviços da DGRF do qual conste, designadamente:

  • Identificação completa do requerente;
  • Identificação dos prédios rústicos a afetar e respetiva planta dos terrenos, em suporte digital, nos termos a definir em portaria do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas;
  • Direitos do requerente sobre os prédios;
  • Declaração onde conste que sobre o prédio não incide qualquer acordo de integração em zona de caça.

O reconhecimento do direito à não caça é fixado por despacho do membro do Governo responsável pela área das florestas e publicitado no sítio na Internet do ICNF, I. P. e é concedido por um período de 6 e máximo de 12 anos, renovável automaticamente por iguais períodos.

O direito à não caça extingue-se:

  • Quando se extinguirem os direitos que fundamentam a atribuição do direito à não caça;
  • Por caducidade, se decorrido o prazo do direito à não caça não for renovado;
  • Quando deixarem de se verificar as condições previstas;
  • Quando ocorrer violação da proibição de caçar por parte dos titulares ou com o seu consentimento.

Que tipos de zonas de caça existem?

As zonas de caça são classificadas de acordo com os interesses da sua constituição. Assim existem:

  • Zonas de caça de interesse nacional (ZCN) ou municipal (ZCM) – às quais têm acesso todos os caçadores, por ordem de prioridade e segundo critérios de proporcionalidade:
    • proprietários, usufrutuários, arrendatários dos terrenos nelas inseridos, bem como os caçadores que integram os respetivos órgãos de gestão;
    • caçadores não residentes nos municípios onde as mesmas se situam, não associados em zonas de caça integradas na mesma região cinegética;
    • demais caçadores.
  • Zonas de caça de interesse turístico – às quais têm acesso todos os caçadores de acordo com as normas gerais de exploração da atividade turística;
  • Zonas de caça de interesse associativo – às quais têm acesso os respetivos associados e os seus convidados.

Quando se pode caçar?

A caça só pode ser exercida durante os períodos fixados para cada espécie, os quais se designam períodos venatórios. Estes períodos venatórios devem atender aos ciclos reprodutivos das espécies cinegéticas sedentárias e, quanto às espécies migradoras, às épocas e à natureza das migrações.

Em cada época venatória, só é permitido o exercício da caça às espécies cinegéticas identificadas em portaria do ministro da agricultura, desenvolvimento rural e pescas.

Relativamente ao período do dia, o exercício da caça só é permitido no período que decorre entre o nascer e o pôr do Sol, exceto:

  • Na caça aos patos pelo processo de espera até 100 m dos planos de água, em que é permitido desde uma hora antes do nascer do Sol até uma hora depois do pôr do sol;
  • Na caça a espécies de caça maior pelos processos de aproximação e, em período de lua cheia, de espera.

A jornada de caça aos pombos, tordos e estorninho-malhado, bem como a detenção de exemplares destas espécies no exercício da caça, só é permitida entre o nascer do Sol e as 16 horas, excetuando-se em locais de passagem:

  • Em terreno que não esteja sujeito a qualquer tipo de ordenamento cinegético, em locais devidamente identificados em edital da Direção Geral dos Recursos Florestais (DGRF);
  • Em zonas de caça identificadas em edital da DGRF, nos locais que tenham sido autorizados.

Quem pode caçar?

Só é permitido caçar a indivíduos:

  • Com mais de 16 anos – no caso dos menores de 18 anos, têm de apresentar uma autorização escrita da pessoa que legalmente o represente;
  • Detentores de carta de caçador;
  • Titulares de seguro de responsabilidade civil – os caçadores devem celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir eventuais danos causados a terceiros, no montante mínimo de (euro) 100 000, valor que pode ser atualizado por portaria do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e dos ministros competentes em razão da matéria;
  • Munidos da necessária licença de caça e demais documentos legalmente exigidos;
  • No caso de exercício de caça com utilização de arma de fogo, licença de uso e porte de arma.

Como se tira carta de caçador?

Antes de mais, o candidato deverá:

  • ser maior de 16 anos;
  • não ser portador de anomalia psíquica ou deficiência orgânica ou fisiológica que torne perigoso o exercício da caça – este requisito poderá ser limitado à caça com emprego de armas de fogo, arco ou besta;
  • não estar sujeito a proibição de caçar por disposição legal ou decisão judicial.

Cumpridos estes requisitos, o candidato tem de elaborar um pedido de inscrição em exame para obtenção da carta de caçador, instruído com documentos comprovativos da verificação dos requisitos que enunciamos acima, nomeadamente atestado médico e certificado do registo criminal, bem como pagar uma taxa.

O exame consiste numa prova teórica a realizar perante os serviços competentes do Estado e representantes das associações de caçadores e de defesa do ambiente, destinados a apurar se o interessado possui a aptidão e conhecimentos necessários ao exercício da caça.

Qual a validade da carta de caçador?

A carta de caçador tem validade temporal, até aos 60 anos de idade e seguidamente por períodos de 5 anos.

A renovação da carta deve ser requerida pelo interessado nos 12 meses que antecedem o respetivo termo de validade. No prazo de 5 anos após a data de validade da carta, pode ainda ser requerida a renovação excecional, sob pena de caducar. A carta de caçador caduca ainda sempre que o titular seja condenado por crime de caça.

Quem está dispensado de carta de caçador?

Estão dispensados da carta de caçador:

  • membros do corpo diplomático e consultar acreditados em Portugal;
  • estrangeiros não residentes em território português, desde que estejam habilitados a caçar no país da sua nacionalidade ou residência;
  • portugueses não residentes em território português desde que estejam habilitados a caçar no país da sua residência.

O caçador tem de trazer consigo os documentos?

Sim, durante o exercício da caça o caçador é obrigado a trazer consigo e a apresentar às entidades com competência para a fiscalização, sempre que lhe seja exigido:

  • A carta de caçador, quando não esteja dispensado nos termos da lei;
  • A licença de caça;
  • A licença dos cães que o acompanhem;
  • A licença de uso e porte de arma e o livrete de manifesto, quando utiliza armas de fogo, bem como a declaração de empréstimo, quando a arma não seja do próprio;
  • O recibo comprovativo do pagamento do prémio do seguro de caça válido;
  • O bilhete de identidade, o cartão de cidadão ou o passaporte;
  • Quando menor, a autorização escrita da pessoa que legalmente o represente especificando o período para o qual a mesma é válida.
  • O registo nacional CITES, regulado na Portaria n.º 7/2010, de 5 de janeiro, quando é utilizada ave de presa no exercício da caça.
  • Aquando do exercício da caça em ZCN ou ZCM, comprovativo da respetiva autorização.

Como pode ser exercida a caça?

O exercício da caça apenas é permitido com a utilização dos seguintes meios:

  • Armas de caça;
  • Pau;
  • Negaças e chamarizes;
  • Aves de presa;
  • Cães de caça;
  • Furão;
  • Barco;
  • Cavalo.

E pelos seguintes processos:

  • De salto – aquele em que o caçador se desloca para procurar, perseguir ou capturar exemplares de espécies cinegéticas que ele próprio levanta, com ou sem auxílio de cães de caça;
  • À espera – aquele em que o caçador, parado, emboscado ou não, com ou sem negaça ou chamariz e com ou sem cães de caça para cobro, aguarda as espécies cinegéticas a capturar;
  • De batida – aquele em que o caçador aguarda, para capturar, as espécies cinegéticas que lhe são levantadas por batedores, com ou sem cães de caça, no caso de caça menor, e sem cães, no caso de caça maior;
  • Com furão – aquele em que o caçador se coloca à espera para capturar coelhos-bravos com auxílio de furão;
  • A corricão – aquele em que o caçador se desloca a pé ou a cavalo para capturar espécies cinegéticas apenas com o auxílio de cães de caça, conduzidos pelo próprio ou por auxiliar, e com ou sem pau;
  • De cetraria – aquele em que o caçador, para capturar espécies cinegéticas utiliza aves de presa para esse fim adestradas, com ou sem auxílio de cães de caça;
  • De aproximação – aquele em que o caçador se desloca para capturar determinado exemplar de caça maior;
  • De montaria – aquele em que o caçador aguarda, em local previamente definido, para capturar exemplares de caça maior levantados por matilhas de caça maior conduzidas por matilheiros;
  • Com lança – aquele em que o caçador para capturar exemplares de caça maior utiliza lança, com ou sem auxílio de cavalo e de cães de caça.

O caçador tem direito às peças de caça?

Sim, o caçador adquire o direito à propriedade do animal por ocupação, sem prejuízo de regime diverso em zonas de caça e em montarias e batidas a espécies cinegéticas de caça maior em terrenos cinegéticos não ordenados, não podendo, porém, ser recusado ao caçador o direito ao troféu dos exemplares de caça maior, desde que cumpridos os termos regulamentares ou contratuais.

Quais crimes o caçador pode cometer?

O caçador está sujeito a responsabilidade criminal. Nomeadamente:

  • quem no exercício da caça não estando em condições de o fazer com segurança por se encontrar em estado de embriaguez ou sob a influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo ou por deficiência física ou psíquica, criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias;
  • se apresentar taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias;
  • se cometer crime contra a prevenção da fauna e das espécies cinegéticas, é punido com pena de prisão até 6 meses ou multa até 100 dias;
  • se violar os meios e processos permitidos, é punido com pena de prisão até 6 meses ou multa até 100 dias;
  • se exercer a caça sem habilitação legal, é punido com pena de prisão até 3 meses ou multa até 90 dias;
  • se se recusar em descarregar a arma, colocá-la no chão e afastar-se 10 m do local onde a mesma foi colocada quando tal lhe for ordenado pelos agentes fiscalizadores, é punido por crime de desobediência simples (prisão até 1 ano ou multa até 120 dias).

Pode ainda ser aplicada sanção acessória de interdição do direito de caçar e haver lugar à perda dos instrumentos e produtos da infração a favor do Estado, a qual pode ter duração entre 3 e 5 anos.

Menos graves que os crimes são as contraordenações, as quais se tratam de infrações às regras e que são punidas com coimas que variam entre os € 50,00 e € 3.700,00.

A quem compete a fiscalização da caça?

A fiscalização da caça compete ao corpo nacional da guarda-florestal, à GNR, à PSP, aos guardas florestais auxiliares nos termos das suas competências bem como às autoridades que venham a ser atribuídas essas competências.

– artigo redigido com base na Lei n.º 173/99 (Lei de Bases Gerais da Caça) e no Decreto-Lei n.º 202/2004 (Regulamento da Lei de Bases Gerais da Caça).

Susana Lima

Sempre com a missão de informar e ajudar as pessoas nesta área tão complicada, licenciou-se em Direito pela Universidade do Porto e abriu um escritório próprio como advogada, acreditando ser um pequeno peso que equilibra mais os pratos da balança da justiça.