O que acontece depois da insolvência?

O que acontece depois da insolvência

A generalidade das pessoas sabe que uma pessoa numa situação económica difícil pode pedir a sua insolvência. Dúvidas, no entanto, surgem muitas vezes em relação ao que acontece depois da insolvência.

A verdade é que existem três momentos que podemos abordar quando nos referimos a esta temática: a declaração da insolvência, o encerramento do processo de insolvência e o termo do período de cessão de rendimentos. Confuso? Ainda bem que tem este artigo mesmo à mão. Boa leitura!

O que é a insolvência?

Quando falamos em insolvência, podemos estar a referir-nos à situação de insolvência, à declaração de insolvência ou ainda ao processo de insolvência. Esta distinção é importante quando perguntamos o que acontece depois da insolvência, pois podemos estar a referir-nos a diferentes momentos.

A situação de insolvência é aquela em que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas, ou seja, há um incumprimento generalizado por parte do devedor, sem que este tenha capacidade económica para cumprir.

Quando o devedor está nesta situação, pode pedir (ele ou um seu credor) ao Tribunal a declaração da sua insolvência, pedido esse que dá início a um processo de insolvência.

Quando é declarada a insolvência?

Após o referido pedido de declaração de insolvência, o Tribunal aprecia o pedido, nomeadamente se falta o preenchimento de algum requisito ou documento a acompanhar aquele pedido. Não faltando ou estando corrigida essa falta, o Tribunal declara a insolvência no prazo de 3 dias úteis. E então o que acontece depois da insolvência?

No caso de a insolvência não ter sido pedida pelo devedor, este é citado e pode opor-se fundamentadamente à declaração de insolvência no prazo de 10 dias. Terminado este prazo sem que o devedor se tenha oposto de acordo com os requisitos para tal, no dia útil seguinte, é declarada a insolvência.

Se o devedor se tiver devidamente oposto, é marcada audiência de discussão e julgamento para um dos 5 dias subsequentes e, nela, o juiz dita logo para a ata, ou profere no prazo de 5 dias, a sua decisão, que pode ser uma:

  • Sentença de declaração da insolvência; ou
  • Sentença homologatória de desistência do pedido.

O que acontece depois da insolvência?

O que acontece depois da insolvência, referindo-nos aqui à declaração de insolvência, é o seguinte:

  • É nomeado um administrador de insolvência;
  • Os poderes de administração e disposição sobre os bens integrantes do património do devedor (chamado massa insolvente) são retirados do insolvente e entregues ao administrador de insolvência – o que significa que não será, por exemplo, o devedor a pagar as suas dívidas a partir deste momento – a menos que o juiz decida entregar a administração ao devedor e esta, então, é fiscalizada pelo administrador de insolvência;
  • O devedor entrega ao administrador de insolvência todos os documentos necessários, nomeadamente referentes aos credores, às execuções que correm contra si e aos seus bens, bem como as contas anuais quando tenha contabilidade organizada;
  • São apreendidos os elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens para entrega ao administrador da insolvência;
  • Começa o prazo de 30 dias para os credores reclamarem os créditos que têm sobre o devedor;
  • É nomeada uma comissão de credores, a menos que o juiz considere desnecessário;
  • Todas as ações judiciais que apreciem questões relativas aos bens compreendidos na massa insolvente são apensadas ao processo de insolvência;
  • Todas as ações executivas a correr (nomeadamente penhoras) ficam suspensas e não podem ser instauradas e prosseguir novas ações executivas;
  • Os negócios em curso ficam com o seu cumprimento suspenso até que o administrador de insolvência opte pela sua execução ou recuo no cumprimento.

Após a declaração da insolvência e o prazo para a reclamação de créditos, o administrador da insolvência apresenta uma lista de todos os credores reconhecidos por si e uma lista dos não reconhecidos. Esta lista pode ser impugnada, havendo possibilidade de resposta à impugnação pelo administrador de insolvência, havendo audiência e sentença de verificação e graduação de créditos.

Depois, o administrador de insolvência elabora o inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente, uma lista provisória de credores e um relatório com análise geral da situação de insolvência. Após uma assembleia de apreciação do relatório, o administrador de insolvência procede à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente e deposita o produto dessa liquidação à ordem da administração da massa.

Por fim, o administrador deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta e procede ao pagamento dos créditos à custa do produto da liquidação.

O devedor, por sua vez, além do dever de colaborar, nomeadamente de fornecer todas as informações relevantes ao processo quando solicitadas, tem o dever de elaborar e depositar contas anuais, mantendo-se as suas obrigações fiscais (a menos que seja deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento no caso de insolvência de empresa).

A comissão de credores, quando exista, fiscaliza a atividade do administrador de insolvência e presta-lhe colaboração. Por outro lado, pode examinar livremente os elementos da contabilidade do devedor e solicitar ao administrador de insolvência as informações e a apresentação de elementos que considere necessários.

E se, depois da insolvência, não existirem meios de subsistência?

O que acontece depois da insolvência se, após a declaração de insolvência, se verificar que o devedor carece de meios de subsistência, nomeadamente por não os angariar pelo seu trabalho, é que o administrador de insolvência pode arbitrar-lhe um subsídio à custa dos rendimentos da massa insolvente, a título de alimentos. Este rendimento pode também cessar por decisão do administrador de insolvência, desde que haja justo motivo.

Por outro lado, também aos credores, que se encontrem em situação de carência de meios de subsistência e que sejam titulares de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da violação ou cessação desse contrato, podem beneficiar de subsídios à custa dos rendimentos da massa insolvente, embora os valores que lhe sejam atribuídos sejam deduzidos aos créditos que lhes são devidos. Saliente-se ainda que estes trabalhadores (ou titulares de créditos emergentes de contrato de trabalho) podem também ativar o Fundo de Garantia Salarial.

E se sobrar dinheiro após pagas as dívidas da insolvência?

Se, depois de liquidados os bens da massa insolvente e pagos todos os créditos da insolvência, se verificar que o produto da liquidação foi suficiente para pagar integralmente aqueles créditos e ainda existe produto remanescente, este é entregue ao devedor pelo administrador da insolvência.

Quando termina o processo de insolvência?

O encerramento do processo de insolvência é declarado pelo juiz:

  • Após o pagamento de todos os créditos da insolvência;
  • Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência (quando exista) – o plano de insolvência é um documento que regula o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor;
  • A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência e desde que todos os credores prestem o seu consentimento;
  • Quando o administrador de insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente; ou
  • No caso de existir exoneração do passivo restante, no despacho inicial desse incidente, quando ainda não tenha sido declarado o encerramento.

O que é a exoneração do passivo restante?

A exoneração do passivo restante pode ser verificada nas situações de insolvência de pessoa singular e trata-se da libertação da obrigação de pagar os créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos 3 anos posteriores ao seu encerramento.

exoneração tem de ser pedida pelo devedor quando faz o pedido de declaração da sua insolvência ou, quando não é o próprio a apresentar-se à insolvência, no prazo de 10 dias após ter sido citado.

O que acontece após o encerramento do processo de insolvência?

O que acontece depois da insolvência, referindo-nos agora ao encerramento do processo de insolvência, é o seguinte:

  • Cessam todos os efeitos resultantes da declaração de insolvência, nomeadamente o devedor recupera a administração sobre o seu património;
  • Extinguem-se as execuções que tinham ficado suspensas;
  • Cessam, no geral, as funções do administrador de insolvência e da comissão de credores;
  • Os credores passam a poder exercer os seus direitos contra o devedor, desde que tal não esteja restringido pelo plano de insolvência ou plano de pagamentos;
  • Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus créditos não satisfeitos;
  • Se tiver sido concedida exoneração do passivo restante nos 3 anos posteriores (chamado período de cessão), o rendimento disponível (ou seja, fora o necessário para o seu sustento, por exemplo), que o devedor venha a auferir, considera-se cedido a entidade (chamado fiduciário), a qual, durante o período da cessão, vai  afetar os montantes recebidos, no final de cada ano, ao pagamento de custas do processo, ao reembolso das remunerações e despesas do administrador de insolvência e do fiduciário e à distribuição do remanescente pelos credores da insolvência.

O que acontece após o período de cessão?

Quando nos perguntamos o que acontece depois da insolvência, podemos ainda estar a referir-nos ao final do período de 3 anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência ( chamado período de cessão).

Após este período, o juiz decide sobre a exoneração do passivo restante (ou seja, no fundo, decide pelo “perdão” ou não das dívidas que até aquele momento não foi possível o pagamento). A exoneração implica, pois, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência, exceto os seguintes:

  • Créditos por alimentos;
  • Indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor;
  • Créditos por multas, coimas ou outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações;
  • Créditos tributários.

– artigo redigido com base no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004)

Susana Lima

Sempre com a missão de informar e ajudar as pessoas nesta área tão complicada, licenciou-se em Direito pela Universidade do Porto e abriu um escritório próprio como advogada, acreditando ser um pequeno peso que equilibra mais os pratos da balança da justiça.