Terapia familiar: o que é, objetivos e benefícios

terapia familiar

A terapia familiar é uma abordagem psicoterapêutica de que provavelmente quase toda a gente já ouviu falar. No entanto, uma vez que a terapia familiar se foca não num indivíduo, mas num sistema – a família – esta torna-se complexa e dotada de características muito particulares.

Neste artigo pretendemos explicar o que é a terapia familiar, quais as suas aplicações, objetivos e benefícios, bem como ajudá-lo a perceber se pode ser uma alternativa para si e para a sua família e, se sim, o que pode fazer.

A família enquanto sistema

Todos temos uma família que contribui, de algum modo, para sermos quem somos. A família pode ser definida como um agrupamento humano formado por indivíduos com antepassados em comum e/ou ligados por laços afetivos e que, geralmente, coabitam. A família constitui uma das unidades básicas da sociedade.

Podemos considerar a família como um sistema social em que os seus elementos se encontram ligados por uma teia relacional e emocional. Cada família é única e constitui uma entidade global, com um elevado nível de complexidade, separando-se do exterior por fronteiras, mais ou menos permeáveis, através dos quais troca informações e recebe feedback, evoluindo e diferenciando-se ao longo do tempo.

Nos sistemas familiares podemos considerar vários subsistemas: individual, conjugal, parental, fraternal, entre outros. Os diferentes elementos relacionam-se e desempenham funções tendo em conta as necessidades individuais de proteção e autonomia, de acordo com as normas explícitas ou implícitas criadas na família.

A família é mais do que a soma dos seus elementos, ou seja, a nossa família é mais do que a soma de nós mesmos, o pai, a mãe, o irmão, etc. pois o que confere unicidade à família é o tipo de relações estabelecidas, a forma de comunicar, as atividades desenvolvidas dentro e fora de casa, a troca de afetos, as normas…

É inevitável que em todos os relacionamentos e em todas as famílias surjam conflitos, com maior ou menor intensidade. Assim, a terapia familiar pode ser importante na intervenção ao nível destes conflitos.

O ciclo vital da família

A família passa por diferentes etapas e fases. As mudanças ao nível familiar têm inevitavelmente um impacto na família, e muitas famílias apresentam elevados níveis de stress face a uma nova fase, o que pode levar à necessidade da terapia familiar.

Algumas das principais etapas do ciclo vital familiar são:

  • Saída de casa (jovens solteiros): implica aceitar a responsabilidade emocional e financeira, diferenciação do self em relação à família de origem, desenvolvimento de relações íntimas com pares e estabelecimento de uma identidade profissional e financeira;
  • União de famílias (formação do casal): implica o compromisso com um novo sistema, a formação do sistema conjugal e a redefinição das relações com as famílias de origem e amigos de forma a incluir o cônjuge;
  • Famílias com filhos pequenos: implica aceitar os novos elementos da família, ajustamento do subsistema conjugal para criar espaço para os filhos, criação do subsistema parental e redefinição das relações com as famílias de origem de forma a incluir os papéis de pais e avós;
  • Famílias com adolescentes: implica uma flexibilização dos limites ou fronteiras do sistema familiar para aceitar a independência dos filhos, uma redefinição das relações pais-filhos devido à necessidade do adolescente se movimentar para dentro e fora do sistema, um foco na relação conjugal e questões profissionais e o início da função de suporte à geração mais velha;
  • Saída dos filhos: implica a aceitação das várias saídas e entradas do sistema, a renegociação do sistema conjugal como par, a redefinição das relações pais-filhos, a redefinição das relações de forma a permitir parentes por afinidade e netos e o lidar com a incapacidade e morte dos pais/avós;
  • Ninho vazio: implica aceitar a mudança dos papéis geracionais, a manutenção e adaptação dos interesses individuais e do casal, a aceitação do papel mais preponderante da geração intermédia (filhos), a aceitação e integração da sabedoria e experiência dos mais velhos, suporte da geração mais velha sem superproteção, e a aceitação da perda do cônjuge, irmãos e outros da mesma geração, bem como a preparação para a própria morte (revisão e integração da vida).

Ao longo do ciclo vital são muitas as mudanças com que as famílias terão de lidar, mudanças essas que muitas vezes estão associadas a eventos negativos como a morte de um elemento da família. Os rituais são importantes para ajudar a gerir estas mudanças, nomeadamente, os casamentos, batizados, funerais… São uma forma de ajudar a família a partilhar emoções e a partilhar a dor sentida em caso de perda, procurando encontrar um novo equilíbrio emocional e funcional. Os rituais têm um potencial de ajuda e prevenção de uma possível desestruturação.

O que é a terapia familiar?

A terapia familiar é um tipo de terapia que se aplica a casais ou famílias, onde os membros possuem algum nível de relacionamento. A terapia familiar sistémica tende a compreender os problemas em termos de sistemas de interação entre os membros de uma família. Assim, os relacionamentos familiares são considerados como um fator determinante para a saúde mental e os problemas familiares são vistos mais como um resultado das interações, do que como uma característica particular de determinado indivíduo.

Os terapeutas familiares costumam orientar o seu foco de intervenção mais para o modo como os padrões de interação sustentam um problema, do que propriamente para a identificação das suas causas. Considera-se que a família como um todo é maior do que a soma das partes.

Quais os objetivos da terapia familiar?

Os objetivos da terapia familiar incluem:

  • Promover o autoconhecimento a nível individual e familiar;
  • Compreender a importância do diálogo e do respeito pelo outro;
  • Reconhecer os padrões que geram os comportamentos;
  • Melhorar a comunicação e as relações entre os membros da família;
  • Compreender o papel que cada elemento tem no bom funcionamento da dinâmica familiar;
  • Aumentar a responsabilidade pessoal;
  • Favorecer mudanças construtivas de forma a harmonizar o ambiente familiar.

Quais os benefícios da terapia familiar?

Entre os principais benefícios da terapia familiar destacam-se os seguintes:

  • Promoção do autoconhecimento;
  • Compreender a importância de entender, respeitar e comunicar de forma eficaz;
  • Compreender que os comportamentos são estabelecidos por padrões;
  • Melhorar a comunicação e os relacionamentos interpessoais;
  • Compreender que cada elemento da família é uma engrenagem, e se uma não funciona bem, as outras também serão afetadas;
  • Permite aceder a sentimentos e emoções e expressá-los.

Em que casos é indicada a terapia familiar?

A terapia familiar constitui uma abordagem que realiza sessões conjuntas com vários elementos da família. É uma abordagem ativa e orientada para a obtenção de resultados num curto prazo. É indicada para situações em que se deseja uma mudança de funcionamento da família. Alguns exemplos são situações de:

  • Dificuldades numa relação (dificuldades conjugais, incluindo as sexuais, dificuldades entre pais e filhos ou entre irmãos);
  • Dificuldades de separação / aproximação;
  • Problemas de uma criança ou um adolescente;
  • Crise familiar;
  • Mais do que um elemento da família a necessitar de acompanhamento;
  • Melhoria de um elemento da família que coincide com o desenvolvimento de sintomas em outro ou com a deterioração da relação entre eles.

É raro que as famílias procurem ajuda em conjunto e queixando-se da forma como funcionam. Mais frequente é que alguém procure ajuda (ou seja trazido até essa ajuda) por causa de determinado sintoma, e que se torne claro que o sintoma dessa pessoa se relaciona com o funcionamento da sua família e/ou exprima o sofrimento dessa família. Nestes casos, é o terapeuta quem propõe o envolvimento de outros elementos da família.

Em relação aos problemas e questões que podem ser discutidos na terapia familiar, destacam-se os seguintes:

  • Conflitos de geração;
  • Uso de drogas ou alcoolismo;
  • Discordâncias em relação à educação dos filhos;
  • Quadros de depressão, problemas do comportamento alimentar, problemas de comportamento e controlo dos impulsos e muitos outros que possam levar a família a procurar a ajuda de um terapeuta.

Como funciona a terapia familiar?

A terapia familiar realiza-se em sessões conjuntas com vários elementos da família. Tendencialmente a intervenção é breve e orientada para resultados concretos. Comparativamente com a terapia individual, na terapia familiar as sessões são mais espaçadas entre si.

Frequentemente entre as sessões são indicadas tarefas para a família realizar em casa. Todas as abordagens da terapia familiar partem da formulação de uma hipótese sobre a forma como o sintoma se articula no funcionamento da família, e centram a sua intervenção na mudança desse funcionamento.

Algumas das técnicas e metodologias utilizadas são:

  • Identificação e análise de padrões repetitivos e disfuncionais do passado, de forma a integrá-los no presente, produzindo mudanças no futuro;
  • Realização de um genograma (representação gráfica da família com a sua estrutura, as informações mais importantes e as relações entre os vários elementos). O genograma é um meio de avaliação familiar que permite conceptualizar visualmente a família no que toca aos seus membros e respetivas relações. Criar um genograma supõe traçar a estrutura familiar, registar a informação relevante sobre os elementos da família e delinear as relações familiares. Para que o genograma permita uma conceção geral da família, é fundamental que seja registada a informação de cada elemento e mesmo de eventos significativos (positivos e negativos) por ordem cronológica;
  • Alteração das posições relativas de cada elemento na estrutura familiar para mudanças das suas experiências;
  • Realização de um mapa familiar, que representa as posições relativas dos elementos na família, revelando alianças, coligações e conflitos explícitos e implícitos;
  • Realização de um ecomapa, que permite ver os recursos da família na comunidade, bem como as suas relações sociais exteriores (ex: família alargada, igreja, centro de saúde, amigos, vizinhos, trabalho, escola…);
  • Demonstração na sessão de episódios familiares relevantes;
  • Transmissão de estratégias de gestão familiar mais eficientes;
  • Questionamento circular, em que cada elemento da família é questionado sobre a forma como vê a relação entre outros dois, e é suscitada informação mais detalhada sobre os padrões de interação habituais;
  • Prescrição de tarefas que permitam uma experiência nova dos padrões de interação habituais.

1. A avaliação

Para iniciar a terapia familiar é fundamental realizar uma boa avaliação da família, conhecer o seu histórico, as suas problemáticas, sucessos e a sua capacidade de se adaptar às contingências da vida social. Para isso é fundamental fazer um historial da família, nomeadamente:

  • Quais são os acontecimentos mais importantes na história da família?
  • Em que momentos surgem os problemas?
  • A família tentou resolvê-las? Como? Com que resultados?
  • Em que situações a família pede ajuda profissional?
  • Que respostas são dadas? Com que resultados?
  • Repetem-se problemas, pedidos, respostas? Existe um padrão?
  • Que experiência a família possui com outros técnicos? Esta experiência pode afetar a aceitação da orientação ou relação com a família?
  • Quais as expectativas da família para a terapia familiar?

2. A intervenção

Para a intervenção ser eficaz é importante que seja planeada e definidos os critérios e objetivos. É fundamental que os objetivos sejam definidos e aceites por todos os elementos da família, em colaboração com os profissionais. Os objetivos devem ser realistas e tangíveis.

Para uma boa intervenção o terapeuta ou os terapeutas devem trabalhar em rede com as diferentes instituições envolvidas e com a própria família, de forma positiva e construtiva, pois isto facilitará a intervenção.

As sessões de terapia familiar costumam durar em média 50 a 60 minutos e a periodicidade varia, mas tende a ser mensal. Todos os membros participam na sessão. No entanto, existe sempre a possibilidade de flexibilizar quem pode estar nas sessões, por exemplo juntando numa sessão os irmãos, ou só os pais, ou mesmo outros elementos pertinentes. A ordem e o critério de quem estará presente na sessão depende do desenrolar do próprio processo terapêutico. Nada é pensado sem o contexto em que a sessão decorre e as relações que a família traz como material de trabalho para a intervenção.

No final da sessão é comum que a família receba tarefas para realizar até à próxima consulta. No início da sessão seguinte, cada elemento é convidado a resumir os avanços da terapia até ao momento e quais as mudanças já obtidas.

A sala onde se realiza a terapia familiar geralmente é um espaço amplo, térmico e confortável e deve contemplar um espaço em que as crianças possam brincar com material lúdico. O mobiliário da sala geralmente é sóbrio e dispõe de várias cadeiras para os vários membros da família e os terapeutas.

Quando termina a terapia familiar?

De uma forma simplista a terapia familiar deve terminar quando os objetivos inicialmente definidos foram atingidos. Nem sempre o momento em que o terapeuta entende para finalizar a intervenção corresponde ao da família.

O terapeuta prevê que a terapia familiar termina quando o ciclo vital da família foi ultrapassado e os elementos passaram a estar noutro registo e a relacionar-se de forma mais positiva. Contudo, sendo a terapia familiar um processo que supõe o despender de muita energia e o aceitar a mudança, por vezes a família sofre muito para atingir estes resultados, fator que associado ao próprio grau de envolvimento dos seus membros pode condicionar a continuidade das sessões e aí a família poderá decidir a qualquer momento não continuar com a terapia.

Também pode acontecer que a família não volte porque após um conjunto curto de sessões passou a sentir-se diferente e naquele momento essa diferença é o suficiente.

Na terapia familiar há um ou dois terapeutas?

O terapeuta familiar pode atuar sozinho ou em co-terapia, sendo que a co-terapia em que atuam mais do que um terapeuta permite maior criatividade nas sessões, dado que estando dois terapeutas na sala um pode assumir um papel mais ativo e o outro sustentar em termos das intervenções.

Se existir uma co-terapia por vezes é indicado que seja um terapeuta homem e outro mulher, pois assim as diferenças em número de género masculino e feminino ficam equilibradas e será menos desconfortável para a família. A questão da co-terapia deve sempre ser discutida com a família e realizada se for confortável para a mesma.

Como saber se devo procurar terapia familiar?

Deve procurar a terapia familiar se considera que existem conflitos no sistema familiar difíceis de gerir, se aconteceu alguma situação preocupante ou se os elementos da sua família não estão a conseguir ter relações satisfatórias. Se necessário pode também expor a situação a um profissional de saúde nos cuidados de atenção primários, como o médico de família, que pode depois encaminhar para a terapia familiar.

Se pretende iniciar terapia familiar e não sabe como abordar isto com os restantes elementos da família, converse de forma calma e explique. Seja direto, mas ao mesmo tempo prepare-se para propostas de adiamento. Traga o assunto com calma e tranquilidade e seja paciente, não se coloque na defensiva ou tente forçar no outro a alternativa. É preferível conversar, plantar a ideia na mente da(s) outra(s) pessoa(s) e permitir que elas(s) pensem sobre isso calmamente. Demonstre empatia, mostrando que compreende que pode ser algo difícil, mas que pode ser fundamental para a melhoria da dinâmica familiar.

Uma vez que os outros membros podem não estar tão recetivos, pode ser mais eficaz se usar frases na primeira pessoa, tais como “acho que a terapia familiar nos poderia ajudar” ou “gostava de encontrar uma forma de não discutirmos tanto, e acho que procurar ajuda seria bom para mim, e para nós”.

Este modo de comunicar vai ajudá-lo a expressar o que sente e as suas intenções, evitando que os outros se sintam culpados ou forçados a algo. Pode ser também pertinente que se concentre em encontrar soluções, pois a sua família pode aceitar melhor a ideia da terapia familiar se preferir focar na maneira como ela pode resolver os problemas, enfatizando os aspetos práticos: como a terapia familiar vos pode ensinar a resolver problemas e a melhorar a comunicação, não sendo só uma oportunidade para conversar ou desabafar. Por exemplo, pode ser melhor dizer “quero fazer terapia para que consigamos conviver melhor e não discutir tanto” em vez de “quero fazer terapia para que me entendas melhor”.

Caso a pessoa não aceite a terapia familiar, explore alternativas, por exemplo:

  • Propor uma reunião semanal para conversar sobre o estado da relação e as mudanças ou evoluções;
  • Ouvir com mais interesse e empatia aquilo que o/a outro/a tem para dizer;
  • Dedicar 10 minutos por dia só para ouvir o sentimento do/s outros/s;
  • Ler livros ou materiais de autoajuda, que explorem temas como a comunicação, a resolução de conflitos…;
  • Planear atividades diferentes em conjunto e sair da rotina;
  • Considerar fazer psicoterapia, mesmo que sozinho, uma vez que pode aprender bastante sobre si mesmo e isso também ajudará a melhorar a dinâmica familiar.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.