Alcoolismo: sinais, causas, prevenção e tratamento

Alcoolismo

O alcoolismo é um problema de dependência e adição que tem graves consequências, quer para a pessoa que sofre do problema, quer para aquelas que a rodeiam. É comum termos por vezes ideias erradas sobre o alcoolismo ou não compreendermos bem porque acontece e os mecanismos que o mantêm.

Neste artigo explicaremos o que é o alcoolismo, quais os fatores de risco para o seu desenvolvimento, como pode ser prevenido e qual o tratamento. Boa leitura!

O que é o alcoolismo?

O alcoolismo é definido, clinicamente, como o transtorno ou perturbação por uso de álcool. Caracteriza-se por um padrão problemático de uso de álcool, que leva a um prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo em diferentes áreas da vida do indivíduo.

O alcoolismo deve ser visto tendo em conta que o consumo de álcool é um contínuo, que vai desde o consumo de baixo risco à dependência do álcool. Assim, podemos definir diferentes tipologias de consumo:

  • Abstinência: abster-se do consumo de álcool;
  • Consumo de baixo risco: padrão de consumo associado a uma baixa incidência de problemas de saúde e sociais. A quantidade máxima consumida varia conforme o género ou a idade, e o consumo deve ser repartido nas principais refeições e de modo descontinuado, sendo aconselhável não beber pelo menos dois dias da semana. Até duas unidades de bebida padrão/dia (aproximadamente 20g de álcool);
  • Consumo de risco: padrão de consumo ocasional ou continuado que, se persistir, aumenta a probabilidade de ocorrência de consequências negativas para a pessoa. Situa-se normalmente entre 2 a 6 unidades de bebida padrão/dia;
  • Consumo nocivo: padrão de consumo que causa danos à saúde, quer físicos quer mentais, acompanhado ou não de consequências sociais negativas. Caracteriza-se geralmente por mais de 6 unidades de bebida padrão/dia (mais de 60g de álcool);
  • Dependência: padrão de consumo constituído por um conjunto de fenómenos fisiológicos, cognitivos e comportamentais que podem desenvolver-se após o consumo repetido de álcool. Inclui o desejo intenso de consumir, descontrolo sobre o uso, manutenção do consumo independentemente das consequências, uma alta prioridade dada aos consumos em detrimento de outras atividades e obrigações, aumento da tolerância e sintomas de privação quando o consumo é interrompido.

Assim, podemos dizer que o alcoolismo se situa no tipo de consumo designado por dependência. A mesma pessoa pode apresentar diferentes tipos de consumo ao longo do tempo.

Quais os sinais e sintomas do alcoolismo?

Perante um quadro de alcoolismo, há sinais e sintomas a salientar:

  • A pessoa consome álcool frequentemente e/ou em maiores quantidades do que o normal, por um período mais longo do que o pretendido;
  • Há um desejo persistente ou esforços que não resultam em reduzir o consumo ou controlar o uso de álcool;
  • A pessoa gasta muito tempo em atividades necessárias à obtenção de álcool, à utilização de álcool ou a recuperar dos efeitos do álcool;
  • Forte desejo ou necessidade de consumir álcool;
  • Uso recorrente de álcool, que resulta em não conseguir desempenhar atividades importantes ou cumprir obrigações;
  • Uso continuado de álcool, apesar de este causar problemas diversas, por exemplo profissionais, pessoais ou familiares;
  • A pessoa abandona atividades importantes (familiares, profissionais ou de tempos livres) por causa do consumo de álcool, ou reduz o tempo dedicado a estas atividades;
  • A pessoa usa álcool mesmo em circunstâncias que podem representar um perigo para a sua integridade física (por exemplo, se depois vai conduzir);
  • O uso do álcool continua apesar de a pessoa ter consciência de ter um problema físico ou psicológico que é causado ou exacerbado por causa do consumo de álcool;
  • A pessoa apresenta tolerância, ou seja:
    • Tem necessidade de consumir quantidades cada vez maiores de álcool para obter o mesmo efeito (embriaguez);
    • A quantidade de álcool já não causa o mesmo efeito que antes causava;
  • A pessoa apresenta síndrome de abstinência, caracterizada por sintomas físicos e emocionais derivados de interromper o consumo de álcool.

O que é a síndrome de abstinência no alcoolismo?

A síndrome de abstinência no alcoolismo é um quadro de sintomas que acontecem quando a pessoa para de consumir ou reduz o consumo. Quando o faz, surge a síndrome de abstinência, onde ocorrem alguns dos seguintes sintomas:

  • Hiperatividade autonómica, por exemplo suar excessivamente ou ter a frequência cardíaca elevada;
  • Tremores nas mãos;
  • Insónia;
  • Náusea ou vómitos;
  • Alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias;
  • Agitação psicomotora;
  • Ansiedade;
  • Convulsões tónico-clínicos generalizadas.

Em casos raros, podem também ocorrer alucinações, geralmente visuais ou táteis.

Os sintomas de abstinência, normalmente, começam quando as concentrações de álcool no sangue declinam de forma abrupta, geralmente em 4 a 12 horas depois da interrupção do consumo. A intensidade dos sintomas de abstinência costuma atingir o pico durante o segundo dia de abstinência, e depois disso os sintomas começam a atenuar-se, ao quarto ou quinto dia. Após este período de abstinência aguda, podem persistir sintomas de ansiedade, insónia e disfunção autonómica durante algum tempo, podendo ir de 3 a 6 meses.

Quais as causas do alcoolismo?

Para compreendermos as causas do alcoolismo é importante percebermos que este é um fenómeno complexo e que não há uma causa direta, mas sim um conjunto de fatores de risco que fazem com que a pessoa esteja mais propensa a desenvolver um quadro de alcoolismo.

Alguns dos principais fatores de risco são:

  • Atitudes culturais e sociais em relação ao consumo e à intoxicação – isto é, se a pessoa crescer num contexto onde o consumo de álcool, nomeadamente o consumo excessivo e o ficar embriagado, é normalizado ou até incentivado, há um maior risco de ela sofrer de um problema de alcoolismo;
  • Disponibilidade de álcool, ou seja, ter álcool facilmente acessível e a um preço baixo;
  • Pertencer a um grupo social / grupo de pares onde o consumo de álcool é frequente;
  • Utilização do álcool como estratégia de coping, isto é, quando as pessoas recorrem ao álcool como forma de lidar ou “esquecer” os problemas, há um maior risco de desenvolverem um quadro de alcoolismo;
  • Influências genéticas, sendo que se a pessoa tiver familiares próximos com problemas de alcoolismo, está em maior risco de desenvolver este tipo de problema.

Quais as consequências do alcoolismo?

O alcoolismo tem consequências não só para a pessoa alcoólica, mas também para a sociedade como um todo. Portugal é dos países com maior consumo de álcool, quer a nível europeu, quer mundial. Entre os consumidores de álcool em Portugal, 16,9% apresenta um padrão de consumo excesso, 0.9% um consumo de risco e 2.1% uma dependência do álcool (ou alcoolismo).

O alcoolismo tem graves consequências para a saúde, já que o consumo de álcool tem sido relacionado com mais de 200 doenças com consequências graves. O alcoolismo e o consumo de álcool são responsáveis por mais de 3,3 milhões de mortes por ano, quer seja por acidentes rodoviários, por doenças cardiovasculares ou outras doenças como a diabetes, cirrose, traumatismos, cancros, etc.

Um dos órgãos do nosso corpo que mais sofre com o consumo de álcool é o cérebro. Isto porque, segundo os estudos científicos, o álcool é tóxico para o nosso cérbero e tem efeitos diretos nas nossas células nervosas. Isto é particularmente preocupante quando pensamos nos adolescentes e jovens, que desde muito cedo consomem álcool, o cujo desenvolvimento neurológico pode ficar comprometido por este consumo.

O nosso sistema biológico não está totalmente apto para degradar o álcool, o que significa que há o potencial de danos cerebrais, bem como de défices neurocognitivos que prejudicam a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo ou intelectual. De facto, estudos científicos demonstraram que adolescentes que tinha episódios de embriaguez tinham problemas cerebrais que resultavam em dificuldades ao nível do raciocínio, da aprendizagem, da atenção, da memória e da capacidade de tomada de decisão.

Como é feita a avaliação do alcoolismo?

Para que seja diagnosticado um quadro de alcoolismo, é importante que exista uma avaliação adequada. Esta avaliação pode ser realizada por um profissional de saúde, nomeadamente um psicólogo.

Pode ser feita inicialmente uma deteção rápida ou rastreio, com questionários próprios que têm este objetivo. Também é observado o comportamento do indivíduo, que dá pistas importantes, já que determinados sinais e sintomas físicos podem sugerir a existência de um problema de alcoolismo (capilares da face dilatados, tremores, olhos avermelhados, odor / cheiro a álcool, hipertensão, entre outros).

Da avaliação clínica mais completa tem sempre de fazer parte a entrevista clínica, na qual são recolhidas informações importantes, nomeadamente:

  • Problemas atuais e a sua relação com o consumo de álcool;
  • História do consumo:
    • Quantidade, frequência, padrão de consumo;
    • Consumo de outras substâncias, como tabaco ou substâncias psicoativas;
    • Duração do consumo;
    • Severidade dos sintomas de abstinência;
    • Função do álcool na vida da pessoa;
    • Crenças associadas ao consumo de álcool;
    • Perceção das pessoas próximas (amigos, familiares) sobre o consumo de álcool;
  • História pessoal e familiar:
    • Estrutura e dinâmica familiar;
    • Antecedentes familiares de alcoolismo ou consumo de álcool;
    • Rede de suporte social;
    • Percurso escolar e profissional;
    • Questões legais;
    • Situação financeira;
  • Avaliação do estado de saúde:
    • Problemas de saúde existentes;
    • Sinais de intoxicação ou abstinência;
    • Avaliação nutricional e do padrão de sono;
  • Avaliação do estado mental:
    • Verificar se existem outras psicopatologias, como por exemplo depressão e ansiedade, bem como avaliar o risco de suicídio;
    • Exame do estado mental, percebendo o funcionamento cognitivo da pessoa e se há alterações, por exemplo, ao nível da memória, atenção, raciocínio…
  • Motivação para a mudança, ou seja, até que ponto a pessoa quer alterar o seu problema de alcoolismo e se se sente pronta para essa mudança.

Qual o tratamento para o alcoolismo?

O tratamento para os quadros de alcoolismo dependerá sempre de cada situação em particular, nomeadamente, das características da pessoa, das consequências ao nível da saúde, do padrão de consumo, do histórico de consumo…

Pode ser necessário, no tratamento do alcoolismo, uma intervenção médica, nomeadamente se houver consequências físicas do consumo de álcool. Pode ser necessário também o recurso a medicamentos, nomeadamente no tratamento da síndrome de abstinência.

Muitas vezes, em casos mais sérios e prolongados, as pessoas podem ser admitidas em hospitais ou instituições criadas para o efeito, onde são tratadas por equipas multidisciplinares. As equipas multidisciplinares podem incluir médicos, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras…

O tratamento pode ainda seguir uma modalidade individual ou grupal. Os grupos terapêuticos apresentam uma boa eficácia no tratamento do alcoolismo e de outras adições. No entanto, a inserção num grupo terapêutico tem de ter um timing específico e não se aplica a todas as fases da recuperação nem a todas as pessoas.

Alguns dos principais objetivos no tratamento do alcoolismo são:

  • Facilitar o acesso a informação sobre o álcool e as consequências do seu consumo;
  • Examinar as crenças que a pessoa tem sobre o consumo de álcool;
  • Ajudar a pessoa a identificar riscos associados ao consumo e a ponderar o custo-benefício do consumo;
  • Ajudar a gerir a ambivalência face à mudança, nomeadamente com técnicas como a entrevista motivacional e a reestruturação cognitiva (modificação de crenças e pensamentos automáticos);
  • Reduzir ou parar o consumo, fomentando competências de auto-observação e controlo de estímulos, promovendo a autoestima e a autoeficácia, identificando contextos e estratégias alternativas (usando técnicas de reforço, programação de rotinas e atividades, trabalhando técnicas de autocontrolo…);
  • Prevenir a recaída, analisando fatores de risco e comportamentos alternativos, construindo um plano de prevenção de recaída e ensinando estratégias de regulação emocional, de resolução de problemas, entre outras.

A prevenção de recaída é uma parte muito importante do tratamento, uma vez que muitas pessoas com problemas de alcoolismo apresentam recaídas recorrentes. A prevenção de recaída consiste num conjunto de estratégias que ajudam a pessoa a reconhecer as situações de risco que podem desencadear o consumo, a modificar a forma como reage a estes fatores, reduzindo o risco de recaída.

É importante distinguir entre uma recaída e um lapso. Um lapso é quando a pessoa, num ato isolado, consome álcool, quando está em situações de risco e não consegue lidar com as mesmas. Por exemplo, porque os amigos pressionam para beber ou porque teve um problema e se sente ansiosa ou deprimida. Este comportamento, se for isolado, não constitui uma recaída.

A família e rede de suporte social são uma parte importante do tratamento do alcoolismo, já que os problemas do alcoolismo não afetam apenas a pessoa que consome, mas também aqueles que a rodeiam. Assim, no processo de intervenção existe também um apoio à família, ajudando-a por exemplo a lidar com o problema de álcool do seu familiar. Muitos programas terapêuticos incluem já os familiares no processo de tratamento.

O que são grupos de autoajuda no alcoolismo?

Os grupos de autoajuda no alcoolismo, que conhecemos mais frequentemente como “Alcoólicos Anónimos” são programas que podem complementar o tratamento médico e/ou psicológico. Pode ser importante para a pessoa que tem um problema de alcoolismo conhecer outras pessoas com o mesmo problema, partilhar experiências, etc.

Um dos programas de autoajuda mais conhecidos para o alcoolismo é o “Programa dos 12 passos“, e que tem também resultados eficazes. Neste programa as pessoas têm de frequentar reuniões e geralmente têm um padrinho ou madrinha que orientam o processo de recuperação.

Ajudar alguém com um problema de alcoolismo

Se temos alguém próximo que apresenta sinais que nos indicam de que pode existir um problema de alcoolismo, ou que a pessoa pode estar em risco de desenvolvê-lo, a nossa atuação pode fazer a diferença.

Primeiramente é importante percebermos que grau de consciência ou insight é que a pessoa tem: ela percebe os riscos do consumo? Ela sabe que o seu consumo se está a tornar problemático?

Depois, devemos ter cuidado na nossa abordagem. Se não somos assim tão próximos da pessoa ou se achamos que ela não vai reagir bem à nossa abordagem, pode ser importante pedirmos a alguém mais próximo ou da confiança da pessoa para abordar a questão com ela.

Depois disto, algumas estratégias práticas podem ser úteis:

  • Ser empático, e em vez de julgar a pessoa, procurar compreender que papel o álcool desempenha na vida dela, o que é que precipita os seus consumos e porque é que o problema de alcoolismo se desenvolveu ou se está a desenvolver;
  • Perceber que consciência a pessoa tem e que conhecimento tem dos recursos de ajuda que existem;
  • Direcionar a pessoa para receber o apoio que precisa, mediante o nível de risco do seu consumo e também aquilo com que ela se sente mais confortável. Ela pode preferir, por exemplo, procurar grupos de ajuda em vez de recorrer a um profissional num primeiro momento;
  • Tentar diminuir os fatores de risco que sabemos que propiciam o consumo e que podem agravar o problema de alcoolismo da pessoa, tais como: alterações de humor, stress, relações disfuncionais, “más influências”, contextos e ambientes de consumo como bares, etc.
  • Procurar proporcionar à pessoa momentos agradáveis e positivos em que o consumo de álcool não esteja presente;
  • Ajudar a pessoa a encontrar atividades alternativas para ocupação do seu tempo e para distração;
  • Ajudar a pessoa a ter outras formas de lidar com as suas emoções e problemas, que sejam mais adaptativas e que não comportem um risco em termos de alcoolismo.

Como prevenir os problemas de alcoolismo?

Como vimos, o alcoolismo é um problema sério e grave, que afeta a nossa sociedade e que traz consequências individuais, mas também sociais. Como tal, não basta o tratamento e é necessário apostar na prevenção, já que, como diz o dito popular, “mais vale prevenir do que remediar”.

Prevenir o alcoolismo não passa apenas por agir quando alguém consome álcool ou quando achamos que o consumo se está a tornar um problema. Passa também por educar sobre os riscos, desde o início, nomeadamente com crianças e jovens. Passa por uma consciencialização social mais alargada.

Algumas estratégias práticas que ajudam na prevenção do alcoolismo:

  • Informar sobre as consequências e os efeitos do consumo de álcool;
  • Criar limitações ao consumo de álcool, sobretudo em adolescentes e jovens;
  • Monitorização e educação por parte dos pais relativamente ao álcool, ao seu consumo e às suas consequências;
  • Fazer campanhas educativas sobre os riscos do alcoolismo, em escolas, empresas, instituições de saúde…;
  • Ter canais de atendimento nos cuidados de saúde primários, como centros de saúde, e formar os profissionais para fazerem um rastreio e deteção precoce de problemas de alcoolismo ou de padrões de consumo que possam constituir um risco para desenvolver um problema de alcoolismo.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.