Coração acelerado, pele vermelha, calores pelo corpo, e vontade de bater em algo ou alguém… Soa familiar? A raiva é uma emoção humana comum e que nos pode acometer a todos nós. No entanto, quando temos dificuldade em geri-la podem surgir ataques de raiva que nos fazem perder o controlo. Neste artigo, iremos explicar o que são os ataques de raiva, porque acontecem e de que forma os podemos controlar.
O que é a raiva?
Na origem dos ataques de raiva está uma emoção humana básica: a raiva. A raiva sempre existiu e, embora seja uma emoção normativa, quando sai do controlo pode dar origem a situações problemáticas e até a violência ou agressões.
No entanto, a raiva também tem aspetos positivos, quando controlada, uma vez que a sua função é a de energizar e preparar o organismo para se defender de alguma potencial ameaça. No entanto, quando ela não é gerida e controlada da melhor forma, pode dar origem a situações de explosão, ou ataques de raiva, com consequências desastrosas.
Assim, é importante compreender que a raiva faz parte do reportório de emoções natural do ser-humano, sendo inclusivamente útil para a sua sobrevivência. Ela torna-se desadaptativa ou desajustada quando a resposta que a pessoa tem face à emoção é desadequada e traz prejuízos, como acontece frequentemente nos ataques de raiva.
Assim, a raiva é um sentimento de intenso desconforto que resulta da perceção de algum tipo de provocação, que pode ser uma ofensa, mau tratamento, desacordo, rejeição, frustração, agressão ou desmerecimento por parte de alguém. O desconforto gerado pela raiva é geralmente intenso e, quando esta intensidade atinge um pico, podem ocorrer ataques de raiva.
A raiva é constituída por pensamentos ou cognições, reações emocionais, reações físicas e comportamentos. Estes comportamentos podem ser adequados e revelarem uma forma construtiva de expressar a raiva ou, por outro lado, podem ser desadaptativos e desadequados, como é o caso dos ataques de raiva, em que se verificam agressões físicas ou verbais.
Raiva estado vs raiva traço
Quando falamos em raiva, podemos falar em raiva estado ou em raiva traço. A raiva estado, ou estado de raiva, é um episódio de raiva isolado no tempo, ou seja, é o facto de a pessoa se sentir enraivecida num determinado momento, podendo variar desde irritabilidade até fúria intensa. A intensidade da raiva sentida irá depender da perceção que a pessoa tem da situação e de como a interpreta.
Por outro lado, a raiva traço é algo que faz parte do temperamento ou personalidade da própria pessoa. Diz respeito à tendência a perceber as situações como frustrantes ou desagradáveis, gerando estados de raiva ou mesmo ataques de raiva mais frequentes. As pessoas com raiva-traço têm tendência a sentirem-se constantemente injustiçadas. Esta característica ao nível da personalidade ou temperamento caracteriza-se por:
- Temperamento: caracteriza-se pela propensão geral de a pessoa vivenciar e expressar a raiva, sem que exista uma provocação específica ou sem que essa provocação seja suficientemente grave para gerar ataques de raiva. Quem possui um temperamento com elevados níveis de raiva é, em geral, impulsivo e tem dificuldade em gerir e controlar os seus sentimentos e emoções;
- Reação: diz respeito à propensão ou tendência para expressar a raiva quando é criticado ou se sente frustrado ou injustiçado.
Como se processa a raiva a nível cerebral?
A raiva possui centros de processamento específicos a nível cerebral. A raiva estimula sobretudo o córtex orbitofrontal e as amígdalas. O córtex orbitofrontal está envolvido no processo cognitivo, nomeadamente na tomada de decisão. Está também envolvido no processamento de certas emoções e na determinação da sensibilidade ao reforço e à punição. A amígdala, por outro lado, é o centro de identificação do perigo. Existe uma interação direta entre a amígdala e o hipocampo, e é esta interação que determina o comportamento de agressão.
A nível neuroquímico, a raiva dá-se pela ação neuroendócrina da resposta de “luta ou fuga” do organismo. A raiva está ligada a várias mudanças hormonais. Quando a amígdala recebe uma mensagem de perigo, a glândula pituitária é ativada e esta, por sua vez, liberta no sangue uma hormona que ativa as glândulas suprarrenais. Estas, ao serem ativadas, produzem cerca de 30 hormonas diferentes.
Por meio de todas as transformações hormonais e neuroquímicas que ocorrem mediante a emoção da raiva, o organismo fica energizado e pronto para a ação de “luta” ou de resposta à provocação. O coração acelera, as pupilas dilatam-se, o sistema digestivo é inibido e a pressão arterial aumenta. Estas mudanças têm como objetivo aumentar os níveis de energia do organismo e o seu vigor.
O que são ataques de raiva?
Os ataques de raiva caracterizam-se por momentos repentinos nos quais ocorrem picos de ativação fisiológica e excitação autonómica, nos quais ocorrem sintomas como suores, taquicardia, rubor ou sensação de perda de controlo. Os ataques de raiva podem acontecer de uma maneira espontânea ou serem resposta a uma provocação.
Os ataques de raiva geralmente inserem-se no transtorno explosivo intermitente, que é um transtorno no qual a pessoa apresenta ataques de raiva ou fúria descontrolados e agressividade repentina, não conseguindo controlar-se e podendo adotar comportamentos de agressão física ou verbal contra si mesmo, outras pessoas ou objetos.
Após os ataques de raiva a pessoa, geralmente, sente-se culpada e com remorsos, podendo também sentir vergonha.
Os principais sintomas dos ataques de raiva são:
- Falta de controlo sobre o impulso de agressividade;
- Destruir objetos, os seus pertences ou pertences dos outros;
- Sentir formigueiro, tremores ou suores;
- Batimento cardíaco acelerado;
- Fazer ameaças verbais ou partir para a agressividade física, muitas vezes sem um motivo suficientemente grave;
- Sentimento de vergonha, culpa ou remorso após os ataques de raiva.
Como saber se sofro de ataques de raiva?
Para compreender se tem uma propensão ou tendência para a raiva-traço e, consequentemente, a ter com maior frequência ataques de raiva, pode refletir acerca das seguintes questões, sendo que, quanto mais respostas afirmativas, maior a propensão para sofrer de ataques de raiva:
- Irrito-me com muita facilidade?
- Considero-me uma pessoa temperamental?
- Fico frequentemente incomodado com os outros?
- Fico furioso quando sou criticado?
- Apetece-me partir coisas quando fico frustrado?
- Fico muito irritado quando não recebo o reconhecimento ou a resposta que queria ter?
- Costumo dizer com frequência que fiquei com muita raiva ou senti muita raiva?
- Perco a compostura com muita facilidade e gero situações de elevada tensão ou mesmo escândalo?
- Quando fico aborrecido ou nervoso, digo coisas desagradáveis e desadequadas?
- Arrependo-me muito frequentemente daquilo que disse ou fiz quando estava zangado?
- Tenho vontade de bater ou agredir quando me sinto frustrado, zangado ou injustiçado?
Porque é que os ataques de raiva acontecem?
Diversos fatores podem estar na origem dos ataques de raiva e do transtorno explosivo intermitente. Por um lado, características da personalidade ou temperamento podem ter um papel importante. Como vimos, pessoas com raiva-traço têm maior tendência a sentir raiva e a interpretar as situações de forma hostil, o que as torna também mais propensas a sofrerem de ataques de raiva.
Fatores familiares, como por exemplo ter pessoas na família com um comportamento mais impulsivo ou agressivo, também podem ter um impacto e criar maior risco de a pessoa apresentar ataques de raiva. Outros fatores que também podem estar na origem dos ataques de raiva são alterações ao nível dos neurotransmissores e de determinadas regiões cerebrais que são responsáveis pelo controlo dos impulsos.
Situações adversas vividas na infância podem também ter influência no desenvolvimento desta propensão para os ataques de raiva. Quando as experiências de vida são negativas e, por exemplo, a criança passa por experiências de maus-tratos, indiferença, negligência ou desprezo, a sua noção do mundo é marcada pela desconfiança constante. Esta desconfiança pode fazer com que se forme uma tendência a visualizar as situações como negativas e, consequentemente, a sentir raiva. A tendência para a raiva pode ser adquirida e construída por vivenciar situações de agressividade por parte de alguém. Também crianças com pais demasiado permissivos apresentam uma certa tendência para a raiva, embora geralmente esta seja expressa internamente.
Para além destas questões, é importante termos em conta que alguns mecanismos sociais podem fazer com que as pessoas tenham dificuldade em gerir adequadamente a raiva. Por exemplo, aprendemos socialmente que a raiva é uma emoção má e negativa, que demonstrar zanga ou raiva é “feio” ou “vergonhoso” e, por isso, tentamos a todo o custo reprimir a raiva. Ao negarmos este sentimento de forma automática, devido ao condicionamento social durante anos, faz com que muitas vezes não consigamos perceber que estamos com raiva e, dessa forma, não temos possibilidade de aprender como agir nestas situações. Pretendemos manter uma imagem de calma e tranquilidade e, por isso, reprimimos a raiva.
O resultado pode ser uma explosão da raiva que durante tanto tempo foi contida, em paralelo com a falta de estratégias para saber geri-la, limitada pela falta de oportunidades para fazer esta aprendizagem. Também pode acontecer que a raiva, não tendo oportunidade para ser expressa, se transforme em ansiedade ou mágoa e se revele em sintomas como palpitações, ansiedade ou insónias.
Quais as consequências dos ataques de raiva?
Os ataques de raiva podem dar origem a diversas consequências. Em primeiro lugar torna-se óbvio que existem consequências que dizem respeito às consequências geradas pelos comportamentos agressivos gerados pelos ataques de raiva. Estas consequências podem ser destruição de objetos, problemas com as autoridades, conflitos e perda de relações interpessoais, problemas familiares e problemas profissionais podendo mesmo levar à perda de emprego.
A nível relacional muitas vezes as pessoas que apresentam ataques de raiva geram nas suas relações ciclos viciosos de agressão e contra-agressão, vendo-se envolvidas em relações altamente disfuncionais. A raiva e os ataques de raiva podem levar inclusivamente a pessoa ao isolamento social. A nível familiar muitas vezes os ataques de raiva são geradores de situações de violência doméstica.
Para além destas consequências mais diretas dos ataques de raiva, a raiva é também um fator de risco que surge associado à hipertensão, doença coronária e mesmo morte prematura. A raiva surge como um fator de risco associado a várias doenças. De facto, quando sentimos níveis elevados de raiva, a pressão arterial apresenta um aumento significativo. Se isto ocorrer vezes repetidas, pode ter efeitos nefastos ao nível cardiovascular.
A raiva também aumenta significativamente os níveis de stress. Por sua vez, o stress constante e frequente é altamente prejudicial para o organismo.
Apesar de a raiva em si provocar mudanças fisiológicas, alguns estudos verificaram que quando a pessoa consegue gerir e expressar a raiva de uma forma adequada, a pressão arterial basal é mais baixa e não fica tão alterada. Ou seja, a expressão adequada da raiva ajuda a minimizar as consequências.
Como controlar a raiva?
Compreendendo todo o mecanismo dos ataques de raiva e as suas consequências, impõe-se a questão: é possível controlar a raiva e os ataques de raiva? O ser-humano tem uma grande capacidade de adaptação e aprendizagem, o que significa que de facto conseguimos modificar e gerir a nossa forma de pensar e de nos comportarmos.
Apresentamos de seguida algumas estratégias que podem auxiliar no controlo da raiva:
- Compreender o que originou a raiva:
- Primeiro procure perceber e identificar quando estiver a ficar irritado ou zangado. Reconheça os sinais que sente no seu corpo quando começa a sentir-se enraivecido, pois compreender estes sinais pode ajudá-lo a travar os mecanismos desencadeadores dos ataques de raiva;
- Identifique concretamente os sinais físicos da raiva – o que sente no seu corpo quando a raiva aparece? Pode ser aumento do batimento cardíaco, calor, suores, dentes cerrados, vermelhidão no rosto, tonturas, aperto no estômago, entre outros;
- Identifique as manifestações emocionais da raiva, ou seja, os sinais emocionais que começa a sentir, como por exemplo vontade de fugir, sentimento de irritação, culpa, ansiedade ou frustração, bem como sensação de que lhe apetece atacar algo ou alguém;
- Identifique as mudanças que ocorrem ao nível do seu comportamento, por exemplo cerrar os punhos, andar de um lado para o outro, sentir vontade repentina de beber ou fumar, aumentar o tom de voz, entre outros;
- Questione-se sobre a sua raiva: porque estou irritado? O que me está a deixar enfurecido? E porquê?
- Compreenda as influências do meio ambiente: ou seja, tente identificar os estímulos e as situações que geralmente tendem a desencadear a sua raiva. Dessa forma, pode ou evitar essas situações (por exemplo evitar determinados ambientes com pessoas conflituosas) ou então preparar-se para eles, relaxando e ponderando antes da situação. Se, por exemplo, fica stressado no escritório por o telefone estar constantemente a tocar, fale com algum superior para perceber como pode gerir o tempo e a prioridade a umas ou outras tarefas e se algumas chamadas podem ser delegadas. Procure evitar colocar-se em situações que o vão irritar, sempre que possível;
- Altere a sua forma de interpretar e encarar as situações: pondere os prós e contras da raiva e dos ataques de raiva e pense em formas alternativas de lidar com as situações. Pode pensar em situações passadas e analisar de que forma a raiva o ajudou ou prejudicou e se poderia ter agido doutra forma, e qual seria essa outra alternativa mais eficaz;
- Em determinadas situações, afaste-se da situação no momento para que seja possível acalmar-se e diminuir o nível de ativação fisiológica, ganhando também alguma perspetiva sobre a situação;
- Procure adiar as suas reações: adie mentalmente a decisão de reagir à situação que está a enfrentar, para que tenha tempo de pensar mais calmamente sobre todos os fatores. Uma das formas de o fazer pode ser contar até 10 antes de reagir a qualquer situação de stress, para que tenha mais tempo de processar a informação recebida e emitir uma resposta adequada;
- Tente aliviar temporariamente as fontes de raiva, através por exemplo de uma pausa ou um período de férias, caso esteja a ter uma fase particularmente stressante no trabalho;
- Alimente o pensamento positivo, procurando ter uma perspetiva mais abrangente das situações e relativizando os problemas, ao perceber que há muito mais do que os aspetos negativos de uma situação. Quando estiver irritado procure pensar em coisas positivas e mais importantes para si;
- Procure ver a situação através do ponto de vista da outra pessoa, nomeadamente exercitando a empatia;
- Invista no relaxamento, praticando atividades como yoga, meditação ou exercícios de relaxamento. O exercício físico de forma geral também pode ajudá-lo a descarregar energias e a libertar hormonas de bem-estar que diminuem os níveis de stress;
- Procure desenvolver padrões de comunicação mais eficientes com as outras pessoas e nas suas relações;
- Procure usar o humor para lidar com situações de tensão.
Tratamento para os ataques de raiva
Se a pessoa verifica que sozinha não é capaz de controlar a raiva, e que os ataques de raiva são frequentes, intensos e com consequências negativas, para além de incontroláveis, então é importante procurar ajuda. Se a raiva traz prejuízos para a pessoa, quer seja a nível pessoal, social, familiar, profissional ou da saúde, é necessário que sejam trabalhadas estratégias para gestão dos ataques de raiva.
Um psicólogo, através da terapia cognitivo-comportamental, pode ajudar a pessoa a compreender o mecanismo da raiva e a trabalhar estratégias para gerir a raiva e os ataques de raiva de forma a gerir esta emoção de uma maneira não destrutiva, tanto para a própria pessoa como para aqueles que a rodeiam.
A terapia cognitivo-comportamental pode ajudar a pessoa a alterar a forma como compreende e interpreta o mundo, como se sente face às situações e como reage a elas. Desta forma ajuda-se a pessoa a sentir menos raiva e a conseguir geri-la e controlá-la de uma forma mais eficaz e saudável, que diminua as consequências negativas.
Na intervenção psicológica para controlo da raiva os principais objetivos de intervenção são:
- Identificar os pensamentos, compreender as sensações ou reações físicas e as emoções que antecedem os ataques de raiva;
- Utilização de técnicas de reestruturação cognitiva, ou seja, estratégias de questionamento e modificação dos pensamentos para conseguir mudar os pensamentos automáticos que acompanham a reação de raiva;
- Aprender técnicas de respiração profunda e relaxamento para reduzir o nível de ativação fisiológica gerada pela raiva;
- Aprender comportamentos ponderados e adequados que permitam resolver ou reduzir a situação geradora do ataque de raiva;
- Autorreforçar positivamente as estratégias e comportamentos adequados na gestão da raiva, planeando como agir em situações futuras.
A eficácia da intervenção psicológica no controlo da raiva tem sido comprovada pelos estudos científicos. Inclusive estudos de neuroimagem demonstraram mudanças estruturais no cérebro como resultado da psicoterapia.