Depressão psicótica: o que é, sintomas, causas e tratamento

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A depressão psicótica, também considerada transtorno esquizoafetivo, constitui um quadro depressivo onde se verificam sintomas psicóticos, tais como delírios ou alucinações. Para combinar perturbação de humor com sintomas psicóticos, torna-se num quadro particularmente grave e complexo. Neste artigo pretendemos explicar o que é a depressão psicótica, quais os seus sintomas e qual o tratamento.

O que é a depressão psicótica?

O traço comum entre os vários tipos de quadros depressivos é a presença de humor deprimido, podendo ser expresso ou manifestado por uma sensação de tristeza, vazio, irritabilidade, e que é acompanhada por alterações de funcionamento e sintomas afetivos, cognitivos e comportamentais que afetam a vida da pessoa.

A depressão tem por base padrões cognitivos, ou seja, padrões de pensamento, caracterizados por crenças e pensamentos disfuncionais e negativos. A pessoa com depressão apresenta uma visão negativa de si mesma (por exemplo “não valho nada” ou “ninguém gosta de mim”), do mundo e dos outros (“as pessoas não me dão valor”, “as pessoas são injustas”, “o mundo é um lugar cruel” e do futuro (“nunca vou ser feliz”).

A depressão psicótica distingue-se porque, para além dos sintomas acima referidos, verifica-se também a presença de sintomas psicóticos, que influenciam a perceção da realidade. A depressão psicótica é mais grave do que outros tipos de depressão, por ter um impacto ainda maior na funcionalidade da pessoa que dela sofre. O risco de suicídio é também maior na depressão psicótica.

A depressão psicótica surge no Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais (DSM-V) como uma perturbação depressiva maior com características psicóticas. Neste caso, pode verificar-se um episódio único grave ou um episódio recorrente grave. No primeiro caso, verifica-se a presença de um episódio depressivo e, no segundo caso, de dois ou mais episódios depressivos que se fazem acompanhar de características psicóticas.

Os sintomas psicóticos, presentes na depressão psicótica, caracterizam-se por um corte com a realidade, afetando a capacidade da pessoa de distinguir entre o que é real e o que não é real.

Geralmente, na depressão psicótica, os sintomas psicóticos estão relacionados com as crenças e pensamentos negativos da pessoa. Por exemplo, como a pessoa sente que não tem valor ou faz tudo errado, pode ter alucinações auditivas em que ouve uma voz que a repreende e culpa por tudo o que faz de mal. Assim, as distorções cognitivas que a pessoa apresenta em relação a si, ao mundo e ao futuro, contribuem para o surgimento e manutenção dos sintomas psicóticos.

Apesar de a maioria das pessoas poder não ter esta noção, a depressão psicótica é comum. De facto, a presença de sintomas psicóticos tende a estar presente em cerca de 15% dos pacientes de depressão. Se analisarmos os pacientes deprimidos que são internados, essa percentagem sobe para 25%.

Quais os sintomas da depressão psicótica?

Os sintomas que caracterizam a depressão psicótica são os seguintes:

  • Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, que pode ser expresso por uma sensação de vazio, tristeza ou desesperança e pode ou não ser observado pelos que rodeiam a pessoa deprimida;
  • Diminuição do interesse ou prazer nas atividades de vida diária, na maior parte do dia e quase todos os dias;
  • Pode ainda existir:
    • Perda ou ganho significativo de peso sem que a pessoa faça algo por isso (ou seja, sem que tenha alterado voluntariamente o seu regime alimentar), ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias);
    • Insónia (dificuldade em adormecer) ou hipersónia (dormir demasiado) quase todos os dias;
    • Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias, o que geralmente é observado por outras pessoas, que notam que a pessoa está mais agitada ou que, pelo contrário, funciona de forma mais lenta e vagarosa;
    • Fadiga ou perda de energia quase todos os dias;
    • Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada;
    • Dificuldade em pensar, concentrar-se ou tomar decisões;
  • Características psicóticas, ou seja, presença de sintomas psicóticos que podem ser: delírios, alucinações, desorganização do discurso e do pensamento e isolamento social. Pode também verificar-se flutuações de humor frequentes, personalidade imprevisível, inatividade como se estivesse numa espécie de “transe”…

Compreendendo melhor em que consistem estes sintomas psicóticos, importa distinguir cada um deles.

Os delírios são crenças fixas que não se conseguem alterar argumentando com a pessoa. Consistem em acreditar numa realidade alternativa, que não existe, distorcendo a perceção da realidade. Podem ser de diferentes tipos, por exemplo de perseguição (a pessoa acredita que algo ou alguém a persegue ou que a tenta prejudicar), de grandeza (achar que tem capacidades superiores ou até sobrenaturais), de referência (acreditar que determinados gestos, estímulos ou comentários são dirigidos a si), somáticos (preocupações em relação à saúde e aos órgãos físicos acreditando ter várias doenças ou funções corporais alteradas), entre muitos outros.

Na depressão psicótica, os delírios podem ser congruentes ou incongruentes com o humor. Delírios congruentes com o humor são aqueles que estão de acordo com o estado de humor da pessoa, por exemplo, delírios associados a culpa, punição, perseguição, doenças ou incapacidade pessoal. Por outro lado, delírios incongruentes com o humor são aqueles que não estão relacionados com o humor da pessoa e não parece existir relação aparente entre uma coisa e outra.

Por outro lado, as alucinações são alterações na própria perceção, ou seja, a pessoa perceciona coisas que não estão lá, como por exemplo ver algo que não está presente ou ouvir sons que mais ninguém ouve. As alucinações podem ser visuais, auditivas, corporais, etc.

A desorganização do pensamento e do discurso consiste em a pessoa ter um discurso confuso, mudando de um tópico para outro ou não conseguindo organizar devidamente as ideias para conseguir expressar devidamente o que pretende expressar.

Para que não se confunda a depressão psicótica com quadros como a esquizofrenia, é importante ter em conta que na depressão psicótica não estão presentes outros sintomas mais bizarros que surgem na esquizofrenia, como por exemplo o comportamento bizarro e o discurso desorganizado.

Quais as causas da depressão psicótica?

Tal como em qualquer perturbação psiquiátrica, a depressão psicótica é um quadro complexo que não tem uma causa única. As causas consistem numa confluência de fatores interrelacionados entre si. Na origem da depressão psicótica podem estar fatores genéticos e hereditários, biológicos e contextuais, ou seja, relativos à história de vida.

A presença de membros da família com este quadro pode aumentar o risco para a pessoa desenvolver depressão psicótica. Além disso, alguns desequilíbrios hormonais e bioquímicos podem também ser parcialmente responsáveis pela depressão psicótica.

No que diz respeito a fatores do contexto ou questões da história de vida da pessoa, a vivência de situações adversas e traumáticas faz com que haja um maior risco de desenvolver um quadro de depressão psicótica.

Geralmente, os sintomas psicóticos costumam surgir após a pessoa já ter tido episódios depressivos anteriormente. A maioria das depressões psicóticas surgem entre os 20 e os 40 anos. A depressão psicótica tende a ocorrer por episódios, ou seja, os sintomas surgem, permanecem por um determinado período de tempo e depois vão diminuindo.

Qual o tratamento para a depressão psicótica?

Nalguns casos de depressão mais leve pode acontecer o tratamento passar apenas pela psicoterapia, sem medicação. No entanto, na depressão psicótica os dois devem ocorrer sempre em simultâneo, uma vez que sem a medicação seria difícil trabalhar em psicoterapia uma vez que a perceção da pessoa está alterada. O recurso à medicação antipsicótica é fundamental para normalizar o contacto da pessoa com a realidade. Também podem ser prescritos antidepressivos.

A medicação antipsicótica bloqueia os recetores de dopamina e serotonina de forma a que seja reduzida a comunicação entre células, já que a psicose resultado de uma atividade excessiva das células sensíveis à dopamina e à serotonina. Assim, em termos práticos os antipsicóticos vão ajudar a que a pessoa consiga percecionar a realidade e organizar as informações ao seu redor.

Por outro lado, os antidepressivos promovem a estabilização do humor para diminuir assim a sintomatologia depressiva.

Uma das abordagens no tratamento de diversas perturbações psicológicas, nomeadamente a depressão psicótica, é a terapia cognitivo-comportamental. A terapia cognitivo-comportamental no caso da depressão psicótica tem como objetivos: reduzir a angústia que é provocada pelos sintomas e modificar alterações da perceção; promover estratégias de coping eficazes para gestão dos sintomas; reduzir o mal-estar emocional sentido e desconstruir crenças e pensamentos disfuncionais.

Em termos de prioridades, o primeiro aspeto a acautelar na intervenção com pacientes com depressão psicótica é a prevenção do suicídio e a intervenção da ideação suicida, assim como os sintomas psicóticos. Isto porque, dependendo do tipo e conteúdo dos sintomas psicóticos, estes podem colocar a pessoa ou outros em risco.

Técnicas usadas no tratamento da depressão psicótica

Como vimos anteriormente, a depressão psicótica é diferente da depressão sem sintomas psicóticos. Como tal, também o tratamento deve ser específico e diferenciado e as técnicas usadas na psicoterapia devem atender a estas diferenças. Apresentamos de seguida algumas das técnicas usadas na depressão psicótica:

  • Técnica de inoculação do stress, que ajuda o paciente a procurar soluções adequadas para a resolução dos seus problemas;
  • Psicoeducação – técnica que ensina o paciente, ajudando-o a compreender o que é a depressão psicótica e quais os seus mecanismos, de forma a que ele compreenda melhor o que se passa consigo;
  • Programação de atividades – consiste em programar desafios graduais e atividades agradáveis que permitam ao paciente experienciar mais vezes um humor positivo e aumentar o seu sentido de autonomia e competência;
  • Registo e monitorização de pensamentos disfuncionais – consiste em ajudar o paciente a identificar e monitorizar os seus pensamentos negativos e disfuncionais, para que depois estes possam ser trabalhados na sessão de psicoterapia;
  • Estratégias de coping e enfrentamento – considerando que as alucinações e delírios tendem a acontecer em contextos e circunstâncias específicas, é importante ajudar o paciente a encontrar formas de identificar e gerir esses sintomas. São abordadas técnicas como a reestruturação cognitiva, experiências comportamentais e teste da realidade;
  • Técnica da normalização, que consiste em ajudar o paciente a compreender o que cria e mantém os sintomas psicóticos, encontrando a ligação entre o conteúdo alucinatório ou delirante e a sua história de vida.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.