Direitos dos animais: o que diz a lei?

direitos dos animais

Os direitos dos animais são um tema muito discutido em todo o mundo há largos anos e cada vez com mais intensidade e resultados, não sendo Portugal exceção.

Já em 15 de outubro de 1978, foi feita uma proposta de diploma legal internacional à UNESCO, chamada Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a qual visava aplicação a todos os animais a nível mundial, embora nunca tenha sido realmente adotada.

De facto, o destaque tem sido sempre dado aos chamados “animais de companhia”, vulgarmente chamados animais de estimação, tendo sido criada, no âmbito da União Europeia, a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia.

Por reflexo da adesão de Portugal a essa convenção, diversas foram as alterações no ordenamento jurídico nacional, tanto a nível civil como penal, nos últimos anos, e, também no que concerne a outros tipos de animais (que não sejam de companhia), Portugal possui diversa legislação avulsa.

Embora não exista, em Portugal, uma lei só que liste os direitos dos animais, através deste artigo, pretendemos condensar e dar-lhe a conhecer todas as regras nacionais que os protegem. Boa leitura!

Qual é o estatuto jurídico dos animais?

Até 2017, a lei portuguesa considerava todos os animais como “coisas móveis”, isto é, meros objetos do direito de propriedade das pessoas. Existia, no entanto, grande pressão para que esta situação mudasse, porque, embora também não fossem pessoas, era evidente que não fazia sentido os animais, em especial os chamados “animais de companhia”, serem classificados da mesma forma do que objetos inanimados.

Foi assim que surgiu um estatuto jurídico intermédio entre o das “pessoas” e o das “coisas”: o dos animais, que são hoje definidos no nosso Código Civil como “seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”.

Assim, podemos dizer hoje que a lei prevê direitos dos animais, ao posicioná-los como seres dignos de proteção jurídica.

O que é um “animal de companhia”?

A lei define como animal de companhia o “animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia”.

Estes animais, a que comummente chamamos animais de estimação, abarcam uma diversidade enorme de espécies (cães, gatos, peixes de aquário, coelhos, roedores de diversa natureza, aves, anfíbios, répteis…), excetuando os que são abrangidos por legislação especial que proíba a sua detenção, e conquistaram grande importância dentro das famílias, inclusive no desenvolvimento das crianças, no acompanhamento de doentes com Alzheimer, no combate à depressão e até no incentivo à prática de exercício físico.

Aliás, mesmo nos nossos tribunais, era já antes evidente que o dano causado a um animal de estimação não era similar a um dano causado a um objeto, em relação ao proprietário da “coisa”, começando a falar-se em “dano de apego” e em “bem pessoal”, por isso o reconhecimento dos direitos dos animais, através de um estatuto novo e de uma proteção especial, foi só um percurso normal e necessário na lei.

Quais os direitos em caso de divórcio dos donos?

Se antes os animais de companhia eram coisas e, portanto, integravam a comunhão de bens do casal, sendo dividido junto com os restantes bens da propriedade dos cônjuges no caso de divórcio, hoje já não é assim.

Na realidade, se um dos cônjuges tinha um animal de estimação ao tempo da celebração do casamento, esse animal continuará a ser dele, ou seja, mesmo que exista um regime de casamento de comunhão geral de bens, o animal não integra essa comunhão porque não é uma coisa. Tal já não se aplica, no entanto, em relação aos chamados “frutos”, no caso, as ninhadas que o animal possa vir a ter.

Em caso de divórcio por mútuo consentimento, os cônjuges terão de apresentar a relação dos bens comuns (que hoje não integra os animais de estimação) e, a par dos acordos sobre o destino da casa de morada da família, sobre o exercício das responsabilidades parentais e sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, um acordo sobre o destino dos animais de companhia.

Se os cônjuges não estiverem de acordo quanto ao destino a dar ao animal de estimação, ou seja, se não conseguem chegar a um consenso sobre se fica com um ou outro cônjuge ou se até fica a ter uma espécie de “residência alternada”, caberá ao juiz confiar o animal a um ou ambos os cônjuges, tendo em conta os interesses dos próprios cônjuges, dos filhos do casal e também o bem-estar do animal, podendo ainda ter em consideração as condições que cada cônjuge pode oferecer ao animal, especialmente se se tratar de animal perigoso ou sobre o qual existam determinadas exigências legais.

Esta ponderação do juiz, embora garanta direitos dos animais, não é, no entanto, comparável ao que acontece em relação aos filhos dos cônjuges, uma vez que o legislador manda aplicar, subsidiariamente (ou seja, na falta de regra especial sobre os animais), o regime previsto para as coisas (e nunca o regime previsto para as pessoas). Por isso é que o juiz nunca poderá impor que um cônjuge se responsabilize por despesas com o sustento de um animal: não existe entre animais e pessoas uma relação que derive do “poder familiar”.

Os animais podem ser objeto de direito de propriedade?

Sim. Os animais continuam a ser objeto de direito de propriedade, no entanto, hoje têm um estatuto jurídico e uma proteção jurídica diferente das “coisas”, que confere direitos dos animais, por imposição de deveres aos seus proprietários.

Em concreto, o nosso Código Civil impõe um dever jurídico ao proprietário de animais de “assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis” e, em especial os seguintes direitos dos animais:

  • acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão; e
  • acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei.

Quais os direitos dos animais em caso de maus-tratos?

A lei civil prevê que o direito de propriedade do dono do animal “não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte”.

Existe ainda legislação especial, por aplicação da Convenção Europeia para proteção dos direitos dos animais de companhia, que impõe princípios básicos para o bem-estar dos animais, que se fundam em 5 liberdades essenciais:

  • ausência de fome e sede;
  • evitação de dor, ferimento ou doença;
  • ausência de desconforto;
  • liberdade de expressar comportamento normal; e
  • ausência de medo ou sofrimento.

Nesta legislação, encontram-se, aliás, previstas todas as condições essenciais para a manutenção das mais diversas espécies de animais de companhia.

Por outro lado, o nosso Código Penal dedica o seu último e recente título aos “crimes contra animais de companhia”, incluindo o crime de morte, o crime de maus-tratos e o crime de abandono.

Assim, se pena mais grave não lhe couber por circunstâncias do caso concreto:

  • Quem, sem motivo legítimo, matar animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias;
  • Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 120 dias;
  • Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.

Quais os outros direitos dos animais de companhia?

É ainda de mencionar, no que se refere aos animais de companhia, outras recentes alterações legislativas que vieram dar privilégios aos seus donos e que podemos, de certa forma, considerar como direitos dos animais:

  • A entrada de despesas de veterinário na declaração de IRS – que resulta numa dedução em IRS de 15% do IVA;
  • A permissão de entrada de animais em restaurantes – embora cada estabelecimento defina as suas próprias regras, existe agora a possibilidade de se classificarem como “pet friendly” e permitirem a entrada de animais.

Que direitos dos animais no geral prevê a lei?

A nossa lei, através de vários diplomas avulsos, foi distinguindo vários “tipos” de animais e prevendo regras para a sua proteção, entre eles:

  • Animais perigosos ou potencialmente perigosos – estes são animais de companhia aos quais foram fixados requisitos especiais para o seu registo e licenciamento e regras específicas para a sua circulação, alojamento e comercialização, com possibilidade de obrigatoriedade de esterilização de cães de algumas raças, bem como a necessidade de manutenção de um seguro de responsabilidade civil pelos seus detentores. É considerado um animal perigoso ou potencialmente perigoso aquele que:
    • tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa;
    • tenha ferido gravemente ou morto um outro animal, fora da esfera de bens imóveis que constituem a propriedade do seu detentor;
    • tenha sido declarado, voluntariamente, pelo seu detentor, à junta de freguesia da sua área de residência, que tem um caráter e comportamento agressivos;
    • tenha sido considerado pela autoridade competente como um risco para a segurança de pessoas ou animais, devido ao seu comportamento agressivo ou especificidade fisiológica.
  • Animais de trabalho – aqui incluem-se, por exemplo, os cães, furões e cavalos utilizados na caça, cuja utilização é regulada em legislação especial, embora estes possam ser também classificados como animais de companhia, e os animais utilizados na atividade pecuária, impondo-se ao produtor orientar a sua atividade de forma equilibrada, adotando medidas de prevenção e controlo no sentido de eliminar ou reduzir os riscos suscetíveis de afetar pessoas, animais, bens e ambiente, no respeito pelas normas de bem-estar animal, na defesa das populações animais e na prevenção de risco de saúde pública e para o ambiente.
  • Animais utilizadores em espetáculos – recente legislação veio proteger os animais utilizados em circos, passando a ser obrigatória a sua identificação e registo, e proibir a utilização de animais selvagens.
  • Animais utilizados na ciência – tendo a sua fonte em legislação europeia, foi criada legislação nacional que regula a utilização de animais em procedimentos científicos, a qual deve ser limitada aos domínios em que essa utilização proporcione benefícios para a saúde humana ou animal, ou para o ambiente e ser apenas considerada quando não exista uma alternativa não animal. Além disso, deve ser selecionado um método suscetível de proporcionar resultados satisfatórios e de provocar o mínimo de dor, sofrimento ou angústia ao animal.
  • Espécies cinegéticas – entendendo-se por estas as aves e os mamíferos terrestres que se encontrem em estado de liberdade natural e podem ser caçados, têm a sua conservação assegurada por regras que se impõem à caça.

– este artigo foi redigido por uma Jurista com base no Código Civil, no Código Penal, no Estatuto Jurídico dos Animais (Lei n.º 8/2017), no Regulamento de Registo, Classificação e Licenciamento de Cães e Gatos (Portaria n.º 421/2004, na Aplicação da Convenção Europeia para proteção dos animais de companhia (Decreto-Lei n.º 276/2001), na Detenção de Animais Perigosos (Decreto-Lei n.º 315/2009), no Regulamento da Lei de Bases Gerais da Caça (Decreto-Lei n.º 202/2004), no Novo Regime de Exercício da Atividade Pecuária (Decreto-Lei n.º 81/2013), na Lei de reforço de proteção de animais de circo (Lei n.º 20/2019), na Transposição de Diretiva Comunitária relativa aos animais utilizados para fins científicos (Decreto-Lei n.º 113/2013) e na Lei da Caça (Lei n.º 173/99).

Susana Lima

Sempre com a missão de informar e ajudar as pessoas nesta área tão complicada, licenciou-se em Direito pela Universidade do Porto e abriu um escritório próprio como advogada, acreditando ser um pequeno peso que equilibra mais os pratos da balança da justiça.