Resiliência: o que é, fatores-chave e desenvolvimento

resiliencia

Resiliência é um termo que podemos ouvir muitas vezes e usado em diferentes contextos e situações. A resiliência é uma capacidade, competência ou qualidade humana, que nos permite gerir adversidades e problemas. Embora possamos ser mais ou menos resilientes, a resiliência é uma capacidade que pode ser desenvolvida. Neste artigo pretendemos explicar o conceito da resiliência de que forma esta pode ser desenvolvida.

O que é a resiliência?

O conceito de resiliência é originário das ciências físicas, referindo-se à resistência dos materiais ou a capacidade de uma substância retornar à sua forma original quando a pressão é removida, ou seja, à sua flexibilidade. Na década de 70, o conceito de resiliência passou a ser aplicado na área da saúde para se referir aos processos de superação de crises e adversidades em pessoas, grupos e organizações.

A resiliência diz respeito à capacidade de lidarmos com problemas, obstáculos ou adversidades e de conseguirmos superá-los, adaptando-nos às mudanças e transformando as experiências negativas em aprendizagem ou crescimento. Assim, a resiliência é uma capacidade muito importante para conseguirmos gerir melhor o stress e a dificuldade inerente a algumas situações de vida mais complexas, conseguindo aproveitar os aspetos positivos da vida.

Sendo a resiliência uma capacidade importante que nos ajuda a gerir as adversidades, isto não significa que ser resiliente é estar bem com tudo ou fazer com que os problemas desapareçam. Não existem soluções mágicas e ainda bem, porque é importante que consigamos processar os eventos negativos para aprendermos com eles. A resiliência também não significa conseguirmos gerir tudo sozinhos, até porque saber pedir ajuda é também fundamental.

Para entendermos o conceito de resiliência temos também de entender o conceito de bem-estar. Bem-estar não é necessariamente sinónimo de felicidade, ou de estarmos sempre bem, até porque ninguém se encontra sempre bem. Bem-estar significa sim um equilíbrio nos vários domínios de vida – físico, psicológico, social… Significa ser saudável e não padecer de doenças limitadoras, bem como possuir estratégias que nos permitem gerir as dificuldades, sentirmo-nos bem e compreendermos as nossas emoções, bem como sentirmo-nos parte de uma comunidade responsiva às nossas necessidades.

A resiliência pressupõe que, quando este estado de bem-estar é alterado ou perturbado por algum obstáculo ou problema, conseguimos, de forma gradual, restabelecer o equilíbrio. A resiliência implica também a capacidade de aceitar e até crescer com os eventos ou situações negativas. Antes de podermos, no entanto, crescer com eles, é natural existir uma fase em que eles nos perturbam, em que as emoções negativas surgem. É preciso sentir e processar para se poder ultrapassar e superar. Ou seja, a dor também faz parte da resiliência.

Em suma, ser resiliente não é não sentir, mas sim sentir e aceitar as emoções negativas, para depois se ser capaz de reagir, da forma que melhor sabemos e conseguimos naquele momento. Não se passa de imediato para a fase de choque, de confronto com uma situação negativa, para a fase do ultrapassar e ser resiliente. Primeiro passamos pela fase da reação, das emoções negativas, do sofrimento. E só depois então a resiliência pode surgir. Portanto, o sofrimento faz parte da resiliência, que significa também aprendizagem e crescimento.

Resiliência também não é estar sozinho, pois implica a capacidade de saber pedir ajuda.

Em suma, a resiliência ou o crescimento pós-traumático inclui as mudanças positivas que podem advir de uma experiência negativa.

Quais os fatores-chave para a resiliência?

A resiliência inclui vários aspetos e capacidades, e para que esta possa acontecer é importante a existência de alguns fatores-chave:

  • Aceitar a própria dor e sofrimento, compreendendo-os como parte fundamental do processo. Entender que passar à frente etapas, querer avançar do impacto inicial para a recuperação, apenas prolongará os efeitos negativos e tornará mais difícil a resiliência;
  • Visualizar o sofrimento como parte do fortalecimento, e não como um sinal de fraqueza, é essencial na resiliência;
  • Reconhecer a necessidade do outro como algo fundamental para qualquer ser humano (porque somos seres inerentemente sociais) e não como prova de fraqueza ou incapacidade;
  • Aprender com a aleatoriedade e a imprevisibilidade dos acontecimentos, largando mão da necessidade constante de ter controlo sobre tudo, é essencial na resiliência. Perceber que não controlamos tudo aquilo que acontece pode ser uma aprendizagem libertadora e uma ferramenta essencial para gerir imprevistos e obstáculos futuros;
  • Atribuir sentido à adversidade, contextualizando os eventos negativos como parte do ciclo de vida e dando coerência a estes eventos;
  • Alterar a importância que atribuímos a certos aspetos da nossa vida. Em confronto com situações de crise ou eventos traumáticos, podemos reordenar e reorganizar as nossas prioridades, e é também isso que constitui a resiliência. Perceber melhor o que é realmente importante e o que é secundário. E essa aprendizagem permite-nos uma melhor reorganização do nosso tempo, dos nossos recursos e, enfim, da nossa vida;
  • Valorizar e apreciar os aspetos que se percebe serem realmente importantes. Geralmente, pequenas coisas às quais muitas vezes acabamos por ser alheios. Como a presença daqueles que gostamos, a tranquilidade da nossa própria companhia, a vitalidade para conseguir fazer uma caminhada ou uma corrida, a capacidade de apreciar a natureza;
  • Compreender a importância das relações com os outros, não tanto em termos de quantidade, mas sim de qualidade, é essencial para a resiliência. A importância de nos sentirmos conectados com os outros, do afeto e da proximidade. De ter relações significativas, preenchidas de sentido, e não o acumular de contactos mais ao menos desligados ou desprovidos de significado real;
  • Ser capaz de olhar para si mesmo com uma nova perspetiva, com uma perceção de força individual renovada. O saber que se é capaz de lidar com os desafios futuros e as adversidades. De entender que as situações mais críticas e adversas acrescentam à nossa mala de ferramentas novas estratégias para lidar com a adversidade;
  • Integrar a noção de dinamismo e mudança constante na vida, como uma coisa que pode ser positiva, é inerente à resiliência. Perceber que a mudança pode dar lugar a crescimento e renovação. E, por isso, tornar-se mais recetivo a mudar. Alterar crenças e formas de estar e, consequentemente, estar mais aberto a alterações, pequenas ou significativas;
  • Reescrever a própria história, não tentando eliminar os acontecimentos negativos ou tentar ser quem se era antes deles acontecerem. Ao invés, (re)construir-se, conseguindo inserir os acontecimentos adversos na sua própria história e dar-lhes sentido.

Medir o grau de resiliência: sou resiliente?

Para perceber se é ou não uma pessoa resiliente, ou analisar o seu grau de resiliência, procure responder às seguintes questões, sendo que quanto mais questões às quais responda positivamente, maior o seu grau de resiliência:

  • Consigo transformar situações adversas em algo positivo e descobrir os benefícios das experiências negativas?
  • Quando acontece uma crise, consigo pensar em várias soluções?
  • Tenho facilidade em resolver problemas e ser criativo ou lógico na procura de soluções?
  • Por vezes com situações negativas menos graves consigo rir-me disso e encarar com alguma leviandade?
  • Percebo que em circunstâncias diferentes me devo comportar de forma diferente para me adaptar às situações?
  • Quando enfrento um conflito, consigo-me acalmar e pensar em soluções práticas e úteis?
  • Costumo encara o futuro gerindo a ansiedade e preocupação com o que vai acontecer?
  • Quando tenho perdas ou contrariedades, consigo gerir as minhas emoções negativas de uma forma saudável?
  • Consigo lidar com situações incertas e imprevisíveis?
  • Sou curioso/a e gosto de aprender mais e experimentar formas novas de resolver as coisas?
  • Procuro perceber o que aprendi de novo após ter tido alguma dificuldade ou situação nova para superar?
  • Quando enfrento situações difíceis consigo sair delas melhorado/a e fortalecido/a?
  • Adapto-me a novas circunstâncias e acontecimentos?
  • Consigo ser flexível e adaptar-me às situações?
  • Quando estou a passar por uma fase difícil procuro o suporte das pessoas que me rodeiam em vez de me isolar?
  • Adapto-me a pessoas diferentes de mim?
  • Sou autoconfiante e tenho uma perceção positiva de mim mesmo/a?
  • Não me vejo como uma vítima das circunstâncias, mas sim como um agente ativo da minha vida?

Estratégias e competências da resiliência

Da resiliência fazem parte algumas estratégias e competências importantes. Uma delas é a tolerância ao stress, ou seja, a capacidade de regular e gerir a ansiedade e as emoções negativas em situações de stress, insegurança, pressão ou medo, construindo respostas adequadas às situações.

Algumas estratégias para desenvolver tolerância ao stress são:

  • Identificar as emoções, diferenciando entre emoções distintas, percebendo os gatilhos que levaram ao desencadear dessas emoções e os sintomas ou reações presentes;
  • Ser capaz de aceitar, identificar e compreender o que está a sentir;
  • Direcionar o que está a sentir de uma forma adaptativa, transformando a ansiedade em determinação.

Para a resiliência e tolerância ao stress também importante aprender a planear e gerir o seu tempo, definindo metas e prioridades, procurando manter o foco e eliminar fontes de stress ou pressão, bem como respeitar e priorizar os momentos de descanso e pausa. É importante ainda aprender a gerir o medo do incerto e do futuro, compreendendo e distinguindo entre aquilo que pode e aquilo que não pode controlar, bem como definindo planos que tenham margem para possíveis imprevistos.

Uma outra competência importante para a resiliência é a tolerância à frustração, que corresponde à capacidade de adiar a gratificação ou satisfação, aguentando um estado de desconforto, controlando a irritação e compreendendo e aceitando as limitações que a realidade e as circunstâncias podem impor à realização dos nossos desejos. Para desenvolver a tolerância à frustração é importante:

Para desenvolver a tolerância à frustração é importante:

  • Perceber a intensidade da sua frustração ou raiva;
  • Identificar os gatilhos;
  • Controlar os impulsos;
  • Analisar e compreender o eu estado emocional;
  • Transformar a frustração em assertividade e dirigir a emoção de forma positiva:
    • Respirar fundo pelo menos 3 vezes;
    • Contar até 10, 20 ou 100 se for preciso;
    • Esperar que o pico de raiva passe e não agir até que isso aconteça, para não tomar decisões precipitadas;
    • Canalizar a energia para atividades que ajudem a descarregar energia de forma positiva, como por exemplo a atividade física ou desporto;
    • Colocar em prática estratégias de relaxamento.

Por fim, uma outra capacidade importante para a resiliência diz respeito à autoconfiança, que reflete o nosso sentimento de perceção de valor pessoal e de força interior, valorizando as nossas conquistas e realizações, cultivando o otimismo e a crença de que somos capazes de aumentar as nossas potencialidades e investir no desenvolvimento contínuo e na melhoria das nossas dificuldades e limitações.

Para desenvolver a autoconfiança, é importante:

  • Identificar as suas potencialidades, capacidades, limitações e dificuldades;
  • Analisar as suas experiências de vida, quer os êxitos quer os fracassos;
  • Dimensionar as habilidades conquistadas em relação aos desafios;
  • Utilizar o seu potencial e as suas capacidades de forma positiva;
  • Definir um plano de ação para gerir as suas limitações;
  • Investir no desenvolvimento pessoal.

Como desenvolver a resiliência?

É possível desenvolver e aprimorar a nossa resiliência, através de algumas estratégias que permitirão desenvolver a nossa capacidade de enfrentar a adversidade:

  • Mantermo-nos flexíveis, isto é, sermos capazes de enfrentar desafios e correr riscos, obviamente ajustados e equilibrados, bem como de alterar e adaptar os nossos planos e metas quando tal se revela necessário;
  • Aprendermos com a experiência e aceitarmos as situações difíceis, o erro ou o fracasso como uma forma de aprender para fazer melhor no futuro, sendo esta uma capacidade essencial para a resiliência;
  • Procurar ter uma atitude positiva, focando-nos no obstáculo como um problema ou desafio a partir do qual podemos gerar diversas soluções;
  • Ser tolerante com os outros e consigo próprio, sabendo controlar o mal-estar, a tensão ou a frustração de forma adequada;
  • Não personalizar os fracassos ou erros, isto é, evitar a assunção de culpa quando algo corre menos bem. A culpa é inimiga da resiliência. Todas as situações têm múltiplos fatores e variáveis, e é importante ter uma visão ampla que o permita compreender tudo o que pode ter influenciado o resultado;
  • Mantermo-nos conectados com os outros, investindo nas relações que são importantes para nós, quer recorrendo aos outros quando deles precisamos, quer estando disponível para eles, uma vez que o suporte social é fundamental na resiliência. O sentido de ser útil e de poder ajudar proporciona-nos um sentimento de realização e fortalece as relações que mantemos com os que nos rodeiam. É fundamental ter a capacidade de estabelecer vínculos afetivos com outras pessoas, criando relações saudáveis que permitem integrar redes emocionais salubres onde nos podemos apoiar;
  • Praticarmos o autoconhecimento e a autorreflexão, olhando para dentro e procurando analisar e compreender as nossas emoções, em vez de as tentarmos negar ou suprimir. Algumas formas úteis de fazer isto são escrever um diário, meditar, fazer terapia, ou simplesmente refletir sobre o seu dia antes de ir dormir;
  • Investir nas coisas que têm significado para a nossa vida e priorizá-las, em detrimento de tarefas ou atividades com pouco significado para nós, mas às quais damos por vezes demasiada importância e tempo;
  • Adquirir e manter hábitos de vida saudáveis (alimentação, exercício físico, descanso, estimulação cognitiva e intelectual);
  • Reconhecer e valorizar, bem como potenciar, as suas próprias capacidades e forças pessoais, pois isto promoverá a resiliência;
  • Sorrir e manter o sentido de humor, pois este é um forte antídoto face aos aspetos stressantes do quotidiano, contribuindo ainda para fortalecer o sistema imunitário e promover o relaxamento;
  • Sair da zona de conforto e abraçar a mudança, compreendendo que as situações desafiantes e ligeiramente desconfortáveis são fundamentais para adquirirmos novas capacidades e estratégias para lidar com as mais diversas circunstâncias;
  • Viver mais no presente, conectado com o “aqui e agora”, e menos nos meandros do passado ou na incerteza do futuro. Uma prática útil para cultivar a capacidade de viver o presente é o mindfulness.  

Em suma, os obstáculos na viagem conturbada que é a vida podem ser fortalecedores e torná-la numa viagem de aprendizagem e crescimento, promovendo a resiliência. Para isso, não é preciso ser mais forte, mais inteligente ou mais sábio. É preciso, tão somente, estar disponível para a imprevisibilidade da viagem, e ser capaz de se adaptar a ela.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.