Trabalho comunitário: o que é, objetivos e regras

Trabalho comunitário

O “trabalho comunitário”, “serviço comunitário” ou “trabalho a favor da comunidade” é uma forma alternativa de punição de um arguido, ou seja, de uma pessoa acusada da prática de um crime.

Esta forma de punição tanto pode ser aplicada na fase de inquérito (fase de investigação) do processo penal, em que ainda não se encontra provada a prática do crime mas o arguido quer evitar o julgamento, aplicando-se o chamado instituto da suspensão provisória do processo.

Sendo cumprido o trabalho comunitário, o processo é arquivado, como pode ser aplicada no julgamento, como pena principal, como pode ainda ser, posteriormente à aplicação de uma pena de prisão ou pena de multa, vir substituir essas penas.

No entanto, nem todas as situações permitem a aplicação do trabalho comunitário, sendo reservado para as situações de menor gravidade, e, neste artigo, pretendemos dar-lhe a conhecer que situações são essas, bem como tudo o que se relaciona com este tema. Boa leitura!

O que é o trabalho comunitário?

O trabalho comunitário consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas públicas ou a entidades privadas, cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.

Quais os objetivos do trabalho comunitário?

Os objetivos do trabalho comunitário são:

  • reprovar o crime através de ações positivas de prestação de trabalho;
  • reparar simbolicamente a comunidade, promovendo a utilidade social do trabalho prestado;
  • facilitar a reintegração social do delinquente.

Em que situações pode ser aplicado?

A pena de prestação de trabalho comunitário pode ser aplicada:

  • a título de pena principal quanto a crimes a que corresponda pena de prisão não superior a 1 ano;
  • em substituição de penas de prisão não superiores a 2 anos;
  • em substituição de penas de multa, quando o arguido o requeira após a condenação;
  • como dever/regra de conduta imposta no âmbito da suspensão provisória do processo;
  • como obrigação aplicável a jovens delinquentes com idades entre os 16 e os 21 anos;
  • como alternativa às sanções previstas no regime jurídico do consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas aplicáveis pelas Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência.

Que trabalho comunitário pode ser realizado?

Como o próprio nome indica, o arguido pode realizar qualquer trabalho que o tribunal considere que beneficia a comunidade. Designadamente, a nossa lei prevê os seguintes trabalhos:

  • apoio a crianças, idosos e deficientes, ou no domínio de outras atividades de apoio social;
  • melhoria das condições ambientais das comunidades locais;
  • serviços auxiliares em hospitais e outros estabelecimentos de saúde;
  • ações de prevenção de incêndios;
  • trabalho em associações ou participação em atividades de carácter cultural, social ou desportivo com fins não lucrativos.

Onde pode ser realizado trabalho comunitário?

O trabalho comunitário pode ser realizado em qualquer local que preste serviços à comunidade. São exemplos disso:

  • Câmaras Municipais;
  • Juntas de Freguesia;
  • Cruz Vermelha;
  • Santa Casa da Misericórdia;
  • Instituto Português da Juventude;
  • Associações de Bombeiros;
  • Jardim Zoológico;
  • Escolas;
  • Hospitais;
  • Instituições Particulares de Solidariedade Social.

Qual o tempo de prestação de trabalho comunitário?

O tempo de trabalho comunitário é definido caso a caso pelo tribunal, sendo que:

  • no caso de substituição de pena de prisão, cada dia de prisão corresponde a uma hora de trabalho;
  • nos casos de substituição de pena de multa, o limite máximo de tempo de trabalho comunitário é de 480 horas.

A prestação dessas horas de trabalho comunitário deve ser feita dentro de um prazo de 30 meses, extensíveis apenas com o consentimento do condenado, sendo que:

  • o tempo despendido na deslocação para e do local de prestação de trabalho, bem como as faltas justificadas, não são contados para efeitos de tempo de trabalho efetivamente prestado;
  • a interrupção para tomada de refeições, não superior a meia hora, conta como tempo de trabalho efetivamente prestado.

Como é definido o período e local de trabalho em concreto?

Após o tribunal decidir aplicar trabalho comunitário ao arguido e quantas horas devem ser prestadas, serão os serviços de reinserção social (Direção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais – DGRSP) que contactarão o arguido com vista a:

  • articular o horário de prestação do trabalho comunitário com os horários do emprego – o número de horas de trabalho comunitário não deve prejudicar a jornada normal de trabalho do arguido, nem exceder, por dia, o número de horas extraordinárias previsto no regime legal do trabalho suplementar;
  • definir o concreto trabalho a prestar e o local onde deve ser realizado – nesta definição, devem ser considerados o sexo, idade, capacidades e competências profissionais, local de residência, obrigações profissionais, familiares ou sociais e outros fatores que devam ser tomados em conta, nomeadamente por indicação do tribunal

Quais as obrigações do prestador de trabalho comunitário?

O arguido/condenado que presta trabalho comunitário tem os seguintes deveres:

  • cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações do supervisor quanto à forma como as tarefas devem ser executadas;
  • responder às convocações do tribunal competente para a execução da pena e dos serviços de reinserção social;
  • informar os serviços de reinserção social sobre quaisquer alterações de emprego, de local de trabalho ou de residência, bem como sobre outros factos relevantes para o cumprimento da pena;
  • obter autorização prévia do tribunal competente para a execução da pena para efeito de interrupção da prestação de trabalho por tempo superior a dois dias de trabalho consecutivos;
  • informar a entidade beneficiária sempre que estiver impossibilitado de comparecer no local de trabalho conforme o horário previsto;
  • justificar as faltas ao trabalho;
  • não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos com efeito análogo no local de trabalho, bem como não se apresentar sob a influência daquelas substâncias, de modo a prejudicar a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas.

O que acontece no caso de acidente de trabalho?

Caso o arguido/condenado sofra um acidente de trabalho aquando da prestação de trabalho comunitário, tem direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais nos mesmos termos e para os mesmos efeitos estabelecidos na lei que regula os acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores por conta de outrem.

A retribuição a considerar para o cálculo das prestações devidas é a retribuição auferida pelo prestador de trabalho na sua atividade profissional normal, não podendo, em caso algum, ser inferior ao salário mínimo nacional.

O trabalho comunitário fica no registo criminal?

Depende. Se for uma prestação de trabalho comunitário no âmbito de uma suspensão provisória do processo, sendo cumprida, o processo é arquivado e o arguido não fica com registo criminal.

No entanto, se for trabalho comunitário aplicado em substituição de uma pena ou como pena principal ao arguido, fica registada a condenação pelo crime, mesmo tendo sido cumprido trabalho comunitário em vez de cumprida prisão ou paga multa.

O que acontece se não for cumprido?

O trabalho comunitário é aplicado com o consentimento do condenado, por isso, caso este não o cumpra ou cometa um novo crime, o tribunal pode determinar o cumprimento da pena determinada na sentença.

São os serviços de reinserção social o órgão responsável por comunicar ao tribunal todas as circunstâncias ou anomalias graves suscetíveis de determinar a suspensão provisória, a revogação e a substituição da pena de trabalho a favor da comunidade, incluindo:

  • problemas de saúde, profissionais ou familiares, que comprometam a execução nos termos fixados;
  • falta de assiduidade;
  • desrespeito grosseiro e repetido pelas orientações do supervisor e do técnico de reinserção social;
  • desrespeito grosseiro e repetido da obrigação de não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos de efeito análogo no local de trabalho, bem como não se apresentar sob a influência daquelas substâncias, de modo a prejudicar a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas;
  • graves dificuldades suscitadas pela entidade beneficiária;
  • distúrbios no local de trabalho;
  • prisão preventiva;
  • recusa ou interrupção da prestação de trabalho.

Que entidades podem beneficiar de trabalho comunitário?

Como vimos acima, não só entidades públicas, mas também privadas, desde que tenham um fim comunitário, podem beneficiar do trabalho comunitário prestado pelos arguidos/condenados.

Assim, para que possam ser beneficiárias do trabalho comunitário, as entidades devem fornecer aos serviços de reinserção social (Direção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais – DGRSP) os seguintes elementos:

  • identificação da entidade, do objeto social ou atividade desenvolvida e indicação do seu representante legal;
  • tipos e modalidades de trabalho disponíveis, incluindo os horários da sua prestação;
  • número de postos de trabalho e de horas suscetíveis de serem colocados à disposição do tribunal;
  • nome e qualificação técnico-profissional do interlocutor.

As entidades privadas devem fornecer, além dos acima expostos, os seguintes elementos:

  • cópia do ato de constituição ou de instituição da pessoa coletiva, bem como dos estatutos e regulamentos internos, sendo caso disso;
  • lista de delegações existentes no país e respetivos endereços.

Quais os deveres das entidades beneficiárias?

As entidades beneficiárias do trabalho comunitário têm os seguintes deveres:

  • acolher o prestador de trabalho, inserindo-o na equipa em que tenha lugar a realização das tarefas que lhe sejam atribuídas, e fornecer-lhe os instrumentos de trabalho necessários;
  • garantir que a execução do trabalho se processe de acordo com as normas relativas ao trabalho noturno, à saúde, à higiene e segurança no trabalho, bem como ao trabalho das mulheres e dos jovens, adotando os procedimentos necessários para o efeito;
  • efetuar o controlo técnico da prestação de trabalho através do supervisor, cuja identidade deve ser comunicada aos serviços de reinserção social;
  • registar, através do supervisor, a duração do trabalho prestado, em documento fornecido pelos serviços de reinserção social;
  • informar periodicamente o prestador de trabalho, designadamente a meio e a dois terços do cumprimento da pena, sobre o número de horas de trabalho prestado;
  • informar os serviços de reinserção social, nas vinte e quatro horas subsequentes, da ocorrência de acidente de trabalho que atinja o prestador de trabalho;
  • informar os serviços de reinserção social sobre qualquer dano voluntário ou involuntário causado pelo prestador de trabalho durante a prestação de trabalho e no exercício de tarefas inerentes a esta;
  • suspender a prestação de trabalho em caso de perigo imediato para o prestador de trabalho e em caso de falta grave por ele cometida, informando os serviços de reinserção social, nas vinte e quatro horas subsequentes, sobre a suspensão e os seus fundamentos;
  • receber as declarações médicas apresentadas pelo prestador de trabalho em caso de doença e remetê-las de imediato aos serviços de reinserção social;
  • comunicar de imediato aos serviços de reinserção social qualquer interrupção de trabalho;
  • avaliar a prestação de trabalho, em documento fornecido pelos serviços de reinserção social, no final da execução da pena e, também, em penas não inferiores a setenta e duas horas, uma vez cumpridos dois terços da pena.

– artigo redigido com base no Código Penal e no Decreto-Lei n.º 375/97.

Susana Lima

Sempre com a missão de informar e ajudar as pessoas nesta área tão complicada, licenciou-se em Direito pela Universidade do Porto e abriu um escritório próprio como advogada, acreditando ser um pequeno peso que equilibra mais os pratos da balança da justiça.