Vício do jogo: sinais, causas e consequências

Vício do jogo

O vício do jogo, ou jogo patológico como é também conhecido, é um problema grave e cada vez mais comum num mundo em constante evolução tecnológica e que oferece, hoje mais do que nunca, uma panóplia de meios eletrónicos e virtuais onde um jogador facilmente se pode perder.

Neste artigo exploramos em que consiste o jogo patológico, quais os seus sintomas e o que pode fazer para lidar com este problema.

Jogo patológico ou vício do jogo: o que é?

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, o jogo patológico é considerado um distúrbio psicológico, que pode ser definido como o comportamento de jogo ou aposta repetido e problemático, que causa angústia ou problemas significativos na vida do jogador.

O jogo, uma atividade lúdica em que uma pessoa coloca em risco uma determinada quantia de dinheiro ou outros valores, com o objetivo de obter uma recompensa maior, não é, só por si, problemático. Algumas pessoas, no entanto, tendem a desenvolver um vício relacionado com o jogo, que pode ser comparado ao alcoolismo ou à toxicodependência, o que na maioria dos casos se traduz em problemas financeiros, legais, no trabalho ou na vida pessoal.

Jogar envolve arriscar algo valioso, com a esperança de obter algo ainda mais valioso. Em muitas culturas há apostos em jogos e eventos e muitas vezes isto é vivido sem que traga qualquer problema. Contudo, algumas pessoas acabam por desenvolver um comprometimento significativo em relação ao comportamento de jogo.

Quais os sinais e sintomas do vício do jogo?

O vício do jogo, ou transtorno do jogo, caracteriza-se por um comportamento de jogo problemático que é persistente e recorrente e que leva a prejuízo e sofrimento clinicamente significativo.

Os principais sinais e sintomas do vício do jogo são os seguintes:

  • Necessidade de apostar quantias de dinheiro cada vez maiores para conseguir atingir a excitação desejada;
  • Inquietude ou irritabilidade quando tenta reduzir ou interromper o hábito de jogar;
  • A pessoa faz ou já fez esforços repetidos e que não surtem efeito, no sentido de controlar, reduzir ou interromper o hábito de jogar;
  • Preocupação frequente com o jogo, por exemplo, pensar em experiências de jogo passadas, avaliar possibilidades para os próximos jogos, planear a quantia a apostar, pensar em formas de obter dinheiro para o jogo, etc;
  • Frequentemente joga quando se sente angustiado/a, nervoso, ansioso, triste, ou seja, o jogo é usado como estratégia de coping ou de gestão das emoções negativas;
  • Após perder dinheiro no jogo, frequentemente volta a jogar para “recuperar o prejuízo”;
  • Mente para esconder a extensão do seu envolvimento com o jogo;
  • Os relacionamentos ou o trabalho são prejudicados devido ao vício do jogo;
  • Depende de outras pessoas para obter dinheiro a fim de saldar situações financeiras desesperadoras causadas pelo jogo.

Considera-se que o vício do jogo é leve se 4 ou 5 destes sinais estiverem presentes, moderado se se verificar a presença de 6 ou 7 destes sinais e grave se estiverem presentes 8 ou 9 destes sinais ou sintomas do vício do jogo.

Pessoas com vício do jogo podem ainda apresentar distorções do pensamento. Por exemplo, negar que têm um problema, terem determinadas superstições em relação ao jogo, apresentarem sentimentos de poder e controlo sobre o resultado de eventos regulados pelo acaso ou excesso de confiança. Muitas das pessoas com o vício do jogo acreditam que o dinheiro é tanto a causa quanto a solução para os seus problemas.

Algumas pessoas com vício do jogo são impulsivas, enérgicas, competitivas e inquietas, ficando aborrecida e entediada facilmente. Podem também mostrar-se demasiado preocupadas com a aprovação dos outros e ser generosas a um ponto excessivo quando ganham. Outras pessoas, pelo contrário, acabam por ser deprimidas e solitárias e podem jogar quando se sente deprimidas, culpadas ou impotentes. Cerca de metade das pessoas com vício do jogo pode apresentar ideação suicida.

Como se desenvolve o vício do jogo?

O vício do jogo pode começar durante a adolescência ou no início da idade adulta. No entanto, há pessoas em que o vício do jogo se manifesta apenas mais tarde, por exemplo na meia-idade ou até mesmo na idade adulta avançada.

De forma geral, o transtorno do jogo desenvolve-se ao longo dos anos, mas a progressão parece ser mais rápida em pessoas do sexo feminino do que nas do sexo masculino. A maioria das pessoas que desenvolvem o vício do jogo demonstra um padrão de com aumento gradual tanto da frequência quanto do valor das apostas. Formas mais leves do vício do jogo podem progredir para casos mais graves.

A maioria das pessoas com vício do jogo tende a ter problemas sobretudo com um ou dos tipos de jogos, embora possam jogar outros. Uma pessoa pode por exemplo ter um problema com raspadinhas e não com jogos de casino, ou vice-versa. A frequência do jogo também pode estar relacionada ao tipo de jogo. Por exemplo, comprar uma única raspadinha por dia pode não ser problemático, enquanto que apostas menos frequentes em casinos, desportos ou jogos de carta podem fazer parte de um vício do jogo.

As quantias que a pessoa gasta no jogo não são, em si, indicativas de um vício do jogo. Algumas pessoas podem apostar milhares de euros por mês sem terem um problema de vício do jogo, enquanto que outras podem apostar quantias menores mas sofrerem dificuldades significativas por causa do jogo.

O vício do jogo pode-se tornar mais intenso em períodos de maior stress ou problemas emocionais. Pode haver períodos de jogo pesado e problemas graves, períodos de abstinência total e períodos em que o jogo não é problemático. Quando as pessoas com vício do jogo param de jogar por algum tempo, podem assumir para si mesmas, de forma errada, que conseguem controlar e que não têm nenhum problema. Posteriormente, podem vir a ter uma recaída.

O desenvolvimento precoce do vício do jogo, por exemplo durante a infância ou juventude, está muitas vezes associado à impulsividade e ao consumo e abuso de substâncias. Os homens estão mais propensos a começar a jogar mais cedo na vida do que as mulheres.

Quais as causas do jogo patológico?

As razões que levam ao jogo patológico podem ser de variadas ordens: enquanto uns procuram a sensação de adrenalina associada ao risco, outros procuram um escape da vida quotidiana.

Algumas características pessoais e de ordem psicológica também funcionam como fatores de risco, como é o caso do abuso de substâncias, da doença bipolar e da depressão.

Importa também referir que os fatores genéticos e fisiológicos podem ter também um papel no desenvolvimento de um vício do jogo ou jogo patológico. Pessoas que têm parentes em primeiro grau com vício do jogo ou outros transtornos aditivos (como o abuso de álcool), estão mais propensas a desenvolver o mesmo problema.

Fatores relacionados com o ambiente em que vive o jogador exercem igualmente influência no desenvolvimento do vício: acesso livre à Internet, grande variedade e rapidez dos jogos a que o indivíduo tem acesso, a falta de uma rede de apoio e a pressão dos pares podem precipitar um jogador ocasional a tornar-se jogador patológico. Pessoas que desde a infância desenvolvem o hábito de jogar, estão em maior risco de desenvolver um vício do jogo.

Quais as consequências do vício do jogo?

O vício do jogo pode trazer diversas consequências para a pessoa e para aqueles que a rodeiam. Algumas das áreas mais afetadas por este vício são o funcionamento psicossocial, a saúde e saúde mental.

As pessoas que sofrem do vício do jogo ou jogo patológico podem, devido ao problema que têm com o jogo, colocar-se em risco ou perder relacionamentos importantes com amigos ou familiares. Estes problemas e conflitos podem ser consequência de a pessoa mentir para encobrir o seu problema de jogo patológico, por agregar dívidas ou recorrer a empréstimos devido ao jogo, ou mesmo por retirar / roubar dinheiro a pessoas próximas para poder apostar e jogar.

O trabalho também é uma área muitas vezes afetada quando a pessoa tem um vício de jogo. Esta pode faltar muitas vezes ao trabalho para poder jogar ou tratar de questões inerentes ao jogo, bem como ter o seu desempenho prejudicado por jogar durante o trabalho ou estar persistentemente a pensar no jogo.

Como perceber se é de facto um vício?

Nem sempre é fácil compreender se o padrão de jogo da pessoa se trata de um problema ou vício ou não. Isto porque há pessoas que jogam de forma profissional ou que têm o jogo como principal hobbie. Nestes casos, é natural que a pessoa dedique muito tempo a jogar e que o jogo possa ocupar uma parte significativa do seu tempo.

Aquilo que pode ajudar a distinguir se, de facto, se trata de um problema e de um transtorno, é o grau de controlo que a pessoa tem sobre o ato de jogar. Pessoas que têm o jogo como hobbie, ainda que joguem com muita frequência, fazem-no com um propósito específico, por tempo limitado e sem colocar em risco vários domínios da sua vida, como por exemplo o financeiro.

Da mesma forma, profissionais do jogo também jogam durante muito tempo e com frequência, mas, se exercem um controlo e conseguem gerir o impacto do jogo na sua vida, então não se trata de um vício do jogo.

O que fazer para lidar com o vício do jogo?

Se sofre de vício do jogo ou conhece alguém com esta perturbação, saiba que existem alguns métodos que pode utilizar para tentar combater o problema.

Caso sinta que pode ser um jogador patológico:

  • Procure o apoio de outras pessoas com o mesmo problema, através, por exemplo, de grupos de suporte como os Jogadores Anónimos;
  • Autoexclua-se do jogo: o instituto público Turismo de Portugal, responsável pela regulação e inspeção de jogos, coloca à disposição de qualquer cidadão um mecanismo de autoexclusão ou proibição de jogar;
  • Poderá autoexcluir-se das salas de jogo de casinos ou dos sites de jogo online licenciados;
  • Procure a ajuda de um psicólogo ou de um psiquiatra: a psicoterapia será sempre vantajosa e, dependendo do caso, a administração de medicação (especialmente quando há outros distúrbios psicológicos associados) pode ser necessária. Na psicoterapia, alguns dos principais objetivos são:
    • Promover a motivação para a mudança, através da entrevista motivacional;
    • Utilizar a psicoeducação para explicar os mecanismos da dependência e os riscos associados ao vício do jogo ou jogo patológico, facilitando o acesso à informação;
    • Desconstruir e alterar crenças limitadoras e disfuncionais e pensamentos automáticos negativos associados ao jogo, através da reestruturação cognitiva;
    • Promover uma autoestima e autoeficácia mais positivas;
    • Promover competências de autoconhecimento, auto-observação e autocontrolo;
    • Treinar competências de relaxamento e autocontrolo;
    • Planificar metas e objetivos;
    • Programar o tempo livre e atividades alternativas ao jogo, que também proporcionem gratificação e prazer;
    • Desenvolver um plano de ação;
    • Trabalhar estratégias de gestão emocional;
    • Treinar a resolução de problemas;
    • Definir um plano de prevenção de recaída e apoiar na sua implementação.

Caso seja familiar/parceiro de um jogador patológico:

  • Deverá igualmente procurar a ajuda de grupos de apoio, onde o podem aconselhar sobre como lidar com pessoas viciadas em jogo;
  • Reconheça as qualidades da pessoa e não se foque apenas no problema;
  • Mantenha uma postura calma quando falar com a pessoa sobre o vício do jogo e as suas consequências;
  • Explique à pessoa que o vício do jogo também o afeta a si e que por isso mesmo quer ser uma parte ativa na procura de ajuda para a resolução do problema;
  • Tenha em mente que o tratamento para este problema levará o seu tempo e requer um enorme esforço por parte do jogador e de todos os que lhe são mais próximos;
  • Promova uma gestão conjunta das finanças, definindo limites e revendo com a pessoa os seus gastos de forma a incutir um sentimento de responsabilidade;
  • Se o problema for o jogo ou as apostas online, equacione limitar o acesso à Internet;
  • Não exclua a pessoa de atividades em família ou da vida quotidiana;
  • Não espere uma cura imediata ou o desaparecimento de todos os problemas mal a pessoa pare de jogar;
  • Acima de tudo, não desculpe, negue ou encubra comportamentos patológicos relacionados com o vício do jogo – o primeiro passo para a resolução do problema é admitir que ele existe.

Saiba ainda que, em Portugal, está atualmente em vigor uma política de Jogo Responsável, o que significa que um jogador deve ter a capacidade de orientar as suas opções de jogo de uma forma racional, controlando plenamente o tempo e o dinheiro despendidos sem colocar em causa as suas responsabilidades a nível pessoal, familiar e profissional.

Por esse motivo, e através da legislação aplicável, nomeadamente a Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 64/2015, de 29 de abril), que proíbe o acesso aos casinos de menores, bem como o encorajamento ou coação à prática de jogos de fortuna ou azar ou ainda a realização de empréstimos monetários ou de outros valores a jogadores, procura-se proteger grupos sociais mais vulneráveis, como os jovens, e desencorajar o endividamento dos jogadores.

Ajuda para lidar com o vício do jogo

Por fim, referir que o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) dispõe de um serviço de atendimento telefónico através do número 1414, disponível todos os dias úteis, das 10 às 18 horas.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.

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