Insucesso escolar: o que é, causas e como o combater?

Insucesso escolar

Dificuldade em assimilar o conteúdo académico; distúrbios do desenvolvimento, como dislexia, disgrafia e discalculia; Perturbação de Hiperatividade / Défice de Atenção; distúrbios pedagógicos; desigualdade social; práticas pedagógicas ultrapassadas e má gestão escolar: estes são os principais fatores que levam ao abandono ou insucesso escolar.

Este é um assunto de extrema relevância, e que cada vez mais preocupa o sistema de ensino, as famílias e a sociedade, uma vez que está em causa o percurso escolar das crianças, bem como o seu futuro.

Importa referir que, na última década houve, em Portugal, um aumento significativo no número de alunos retidos, retrocesso que evidencia a necessidade urgente de abrir caminho à solução deste problema que, quando não combatido, pode levar a consequências nefastas, entre elas, a exclusão social.

Se ficou interessado neste tema, então não deixe de ler este artigo, no qual abordaremos o problema do insucesso escolar, as suas principais causas, tipos, consequências e possíveis formas de superar este fantasma que assombra muitas crianças e jovens portugueses, especialmente nas camadas menos favorecidas.

O que é o insucesso escolar?

Etimologicamente, a palavra insucesso vem do latim insucessu(m), o que significa “malogro; mau êxito; falta do sucesso que se desejava” ou ainda “mau resultado, mau êxito, falta de êxito, desastre, fracasso”.

Nesta perspetiva, entende-se por insucesso escolar a dificuldade que a criança ou adolescente apresenta para acompanhar a formação académica e atingir os objetivos de aprendizagem propostos no tempo previsto para a idade. O conceito faz também alusão aos alunos que deixam de frequenter as aulas e ficam de fora do sistema de ensino, bem como às pessoas que embora cumprindo o ensino obrigatório, não alcançam outro título que lhes permita formarem-se numa profissão específica. 

De acordo com a UNICEF, a pobreza, a exclusão e a escassa capacidade de as escolas superarem a contenção estão entre as principais causas do insucesso escolar. Ou seja, não se pode, portanto, considerar que a responsabilidade recaia exclusivamente no aluno, mas também na comunidade escolar, nas questões socioeconómicas e no ambiente familiar.

Causas do insucesso escolar

Como referido, são várias as causas do insucesso escolar, por isso, não é possível determinar um fator preponderante. Via de regra, essas causas constituem diferentes tipos, a saber:

1. Características individuais do aluno

Quando relacionadas às características individuais do aluno, as principais causas do insucesso escolar são:

  • Distúrbios específicos do desenvolvimento, associados à existência de dificuldades significativas em competências básicas como leitura (dislexia), escrita (disgrafia) ou raciocínio matemático (discalculia);
  • Distúrbios de aprendizagem relacionados ao Déficit de Atenção e às suas diferentes modalidades (hiperatividade, combinação, impulsividade etc.);
  • Distúrbios pedagógicos em razão da dificuldade das escolas ajustarem os seus objetivos às necessidades dos alunos;
  • Transtornos psicológicos, como medos, fobias, inibição emocional ou timidez excessiva;
  • Problemas relacionados às habilidades básicas de memória, atenção, aptidão verbal ou numérica que afetam o desempenho do aluno;
  • Sobrecarga de atividades curriculares ou extracurriculares ou conteúdos a serem aprendidos;
  • Falta de apoio familiar;
  • Pais autoritários, conflitos familiares, divórcios litigiosos fazem parte de uma complexa lista de causas que podem fazer com que o aluno se sinta rejeitado, e comece a desinteressar-se pelo seu percurso escolar, adotando um comportamento indisciplinado;
  • A instabilidade característica da adolescência, questão que figura entre as principais causas individuais do insucesso escolar, podendo conduzir o aluno, não raras vezes, a rejeitar a escola, a desacreditar o estudo e a tornar-se indisciplinado.

2. O ambiente (fatores socioeconómicos)

Os fatores socioeconómicos continuam a exercer a sua influência durante o período de escolaridade, penalizando mais gravemente grupos sociais menos favorecidos, aos quais estão associadas as maiores percentagens de insucesso escolar. Quando esta é a principal questão, entre as principais causas do fracasso académico temos:

  • O nível económico familiar;
  • A relação do aluno com o seu ambiente;
  • A origem e classe social do aluno;
  • A profissão dos pais (filhos de assalariados agrícolas, operários e empregados dos serviços estão mais suscetíveis ao insucesso escolar);
  • As expetativas de futuro dos pais dos alunos e dos professores;
  • A incapacidade de suportar os custos com o material escolar, livros, transportes, roupa etc.;
  • A necessidade de aumentar o rendimento familiar com mais um vencimento, fator que leva ao abandono escolar e ao trabalho infantil;
  • Ocupação diferenciada do espaço, no que se refere à distância geográfica da escola (em Elvas, Beja, Silves, Crato, Serpa, Sines, Moura e Castro Marim, concelhos de interior, com baixa densidade populacional, a maioria das escolas são de insucesso) e o habitar áreas residenciais degradadas (a incidência e disseminação do insucesso escolar assume proporções mais dramáticas em alguns concelhos da periferia de Lisboa, lugares em que as escolas estão expostas e vulneráveis às desigualdades dos contextos territorial e social em que se inserem).

3. O sistema de ensino

O insucesso escolar também tem uma forte relação com o funcionamento do sistema educativo, especialmente no que concerne à gestão e administração, bem como à atuação do professor. Neste contexto, as principais causas do fracasso académico são:

  • Gestão ineficiente dos centros educacionais;
  • Prática docente que não incentiva o desenvolvimento do potencial dos alunos e não fortalece o raciocínio científico e lógico;
  • Métodos de ensino e recursos didáticos inadequados às características da turma ou de cada aluno;
  • A má formação dos professores, as elevadas taxas de absentismo laboral e o facto de o professor não respeitar o ritmo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças, são fatores que provocam o insucesso escolar;
  • Não colocação do aluno como protagonista do processo de aprendizagem. Aqui, o professor coloca-se como o centro das atenções ao desconsiderar os saberes dos alunos e as suas experiências;
  • Violência física e psicológica no ambiente escolar. As vítimas de bullying estão mais vulneráveis ao insucesso escolar, visto estarem constantemente amedrontadas e desmotivadas a frequentar o espaço onde são assediadas por colegas e/ou professores;
  • Falta de interesse dos alunos pela proposta pedagógica da escola;
  • Atitude e crenças de professores que não acreditam nas possibilidades de êxito dos seus alunos, fenómeno que ocorre mais frequentemente em crianças de camadas económica e culturalmente desfavorecidas;
  • O elevado número de alunos por escola e turma, fator que leva ao aumento de conflitos bem como à diminuição do rendimento individual.

Tipos de insucesso escolar

Como referido, o insucesso escolar está associado a múltiplas causas, o que nos permite classificar este problema de acordo com algumas variáveis. Por isso, é possível afirmar que existem diferentes tipos de fracasso académico, sendo mais frequentes quatro: primário, secundário, circunstancial e habitual.

1. Insucesso primário

Comum nos primeiros anos de escolaridade, o insucesso escolar primário é caracterizado pelo surgimento de problemas no desempenho académico. Ademais, está relacionado às dificuldades de amadurecimento da criança, sendo que estas podem tornar-se um problema de insucesso escolar permanente, quando não atempadamente solucionadas

2. Insucesso secundário

Costuma ser decorrente do insucesso escolar primário, nos primeiros anos após o começo da escolaridade do aluno. Via de regra, devem-se a mudanças no aluno, como a transição da infância para a adolescência ou a qualquer evento importante na vida da criança que interfira momentaneamente na sua vida escolar.

3. Insucesso circunstancial

Transitório e isolado, o insucesso escolar circunstancial acontece numa época determinada da vida da criança, por isso está associada a causas específicas e excecionais. Quando essas causas são identificadas, é possível abordá-las e tratá-las sem maiores contratempos. Na generalidade das situações, diz respeito a crianças que outrora tiveram um bom desempenho académico, mas em razão desse fracasso transitório ou circunstancial têm os seus resultados afetados por situações que causaram grande impacto emocional.

4. Insucesso habitual

Crianças que vivem o insucesso escolar habitual recebem más notas e são frequentemente suspensas. Este tipo de fracasso está relacionado a causas individuais do aluno, como por exemplo, o facto de sofrer de um transtorno de desenvolvimento, o que leva a uma dificuldade de adaptação à escola. Via de regra, manifesta-se logo nos primeiros anos escolares.

Consequências do insucesso escolar

São várias as consequências do insucesso escolar, sendo que estas afetam não apenas o aluno, mas também os profissionais docentes, as famílias e a própria sociedade. Confira as principais:

  • Insatisfação e sentimento de incompetência: o insucesso escolar faz com que os alunos se sintam incapazes de conseguir atingir resultados satisfatórios no que respeita à vida académica. Para eles, a sua passagem pela escola foi inútil, pois enfrentam grandes dificuldades para se inserirem no mercado de trabalho ou para conseguir boas colocações profissionais;
  • Insatisfação dos professores: o insucesso escolar faz com que muitos docentes se sintam desmotivados e ineptos no momento de transmitir os seus conhecimentos para os alunos;
  • Desigualdade social e problemas trabalhistas: o insucesso escolar pode levar à marginalização e ao risco social, pois os alunos que não concluíram os seus estudos básicos dificilmente conseguem aperfeiçoar-se e ter uma formação profissional específica. Por isso, é comum que ocupem vagas de trabalho precárias, cuja remuneração é insuficiente para atender às demandas tido como básicas;
  • Abandono escolar: uma das consequências mais nefastas do insucesso escolar é o abandono escolar, problema que, além de favorecer o trabalho infantil, reduz drasticamente o acesso a boas oportunidades de trabalho. Ademais, a falta de escolaridade ou níveis escolares desvalorizados estão entre as principais causas da marginalização e de casos sociais que sobrelotam as cadeias portuguesas.

Como superar o insucesso escolar?

O insucesso escolar pode ser superado quando a escola, a sociedade e a família se unem em prol desta causa. Para isto, é indispensável repensar medidas políticas e administrativas das instituições de ensino, eliminar práticas pedagógicas obsoletas, bem como mitigar problemas sociais que afastam crianças e adolescentes do ambiente escolar.

Quanto à família, esta pode colaborar para o fim do insucesso escolar, basta que para isso se comprometa a adotar alguns cuidados, como:

  • Envolver-se na vida escolar dos seus filhos;
  • Ouvir e compreender as preocupações dos filhos sobre a escola;
  • Abordar de forma séria o tema do insucesso escolar, bem como as suas principais consequências;
  • Disponibilizar acompanhamento profissional para as crianças que tenham algum diagnóstico relacionado a distúrbios de aprendizagem;
  • Estar atento a quaisquer mudanças de comportamento que possam evidenciar possíveis transtornos de aprendizagem e/ou psicológicos;
  • Intervir quando se apercebem que existem situações de risco que estão a causar ansiedade nos filhos ou estes evitam ir para a escola;
  • Não retirar a autonomia do estudo ao aluno, como fazer por ele os trabalhos de casa. Este tipo de comportamento pode colaborar para o insucesso escolar, visto impedir que a criança enfrente e supere dificuldades tão necessárias para o seu crescimento;
  • Não tornar o medo dos castigos a principal motivação para o estudo;
  • Relembrar que, nalguns casos, algo externo ao aluno pode estar a dificultar. Assim, é importante perceber que, por vezes, o foco do problema (ou um dos focos) pode estar não propriamente na criança, mas sim no contexto à sua volta.

Concluindo…

Conforme o mapeamento do abandono escolar precoce realizado pelo Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP) e a Fundação Manuel Leão, em Portugal, a taxa de abandono escolar precoce diminuiu de 44,3% em 2001 para 8,9% em 2020.

No entanto, Portugal mantém-se uma sociedade bastante desigual, com um quinto da total população a viver em risco de pobreza (21,6%) e cerca de 30% dos alunos apresentam insucesso escolar acumulado antes de concluir os nove primeiros anos da escolaridade obrigatória.

Tais resultados indicam a necessidade de se investigar as histórias de vida de crianças e jovens que abandonaram as escolas, as práticas das instituições de ensino que provocam a evasão, fomentar iniciativas que promovam a inclusão escolar, capacitar docentes para que novas metodologias sejam colocadas em práticas, entre outras medidas que visem a mitigar os impactos do insucesso escolar.

Importa ressaltar que a aprendizagem constrói-se através de um contexto, em que todos são corresponsáveis pelo ensino, seja a família, a comunidade, a escola e todos os outros que de alguma maneira se fazem presente no quotidiano do aluno.

Portanto, pode-se afirmar que o fracasso académico está associado a múltiplas causas, que devem ser investigadas e sanadas. As crianças e jovens que não alcançam o conhecimento esperado na sua fase de escolarização são mais suscetíveis ao insucesso escolar, problema que causa sofrimento aos alunos, à família e prejuízos inestimáveis para a sociedade.

Luana Castro Alves

Licenciada em Letras e Pedagogia, redatora e revisora, entusiasta do universo da literatura, sempre à procura das palavras. "Não se pode escrever nada com indiferença." (Simone de Beauvoir)