Relações tóxicas: sinais, consequências e soluções

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As relações são centrais e fundamentais na vida de qualquer ser-humano. Precisamos dos outros e, como seres sociais, não podemos viver isolados. Por isso, as relações são fundamentais para o nosso equilíbrio e bem-estar.

No entanto, existem relações que podem trazer mais malefícios do que benefícios. Falamos das relações tóxicas, como são habitualmente designadas. Mas afinal de contas, o que caracteriza uma relação tóxica? Quais os sinais? E como nos podemos libertar? Estas são algumas das questões às quais procuraremos dar resposta neste artigo. Boa leitura!

O que são relações tóxicas?

Não existe uma definição linear e simplista para definir as relações tóxicas. No fundo, esta foi uma expressão que surgiu como forma de abarcar vários tipos de relações que, em suma, são prejudiciais.

Se pensarmos no termo “tóxico”, este remete-nos para algo que causa efeitos nocivos. Por isso, de uma forma simples as relações tóxicas são aquelas que nos causam danos, que nos prejudicam e nos fazem mal. Mesmo que por vezes nem sempre sejamos conscientes disso.

Dentro deste âmbito de relações tóxicas ou relações nocivas, existem várias características que as tornam manifestamente prejudiciais, nomeadamente:

  • São mais os momentos ou aspetos negativos da relação do que os positivos;
  • A relação ou a pessoa faz-nos sentir mal connosco próprios;
  • As emoções causadas pela pessoa ou relação são sobretudo negativas (tristeza, ansiedade, raiva, zanga, confusão…);
  • A relação desgasta-nos e consome-nos demasiada energia;
  • A estabilidade na relação é escassa ou mesmo nula, há uma constante instabilidade e parece que as coisas nunca estão “calmas” muito tempo;
  • A relação ou pessoa introduziu mudanças muito significativas na nossa vida, de uma forma que não é positiva (ex: afastamento de outras pessoas, abandono de planos ou atividades de que antes gostávamos…).

As relações tóxicas podem acontecer tanto no âmbito amoroso como no âmbito da amizade ou mesmo em termos familiares. É mais comum falarmos de relações tóxicas no contexto de um casal, no entanto elas também existem noutro tipo de relacionamentos. Por exemplo, não é raro pessoas terem amigos que, ao invés de os fazerem sentir bem, os fazem sentir mal com eles próprios. Por exemplo, amizades em que a pessoa cobra demasiado, nos faz sentir em dívida constantemente, aponta de forma constante os nossos aspetos negativos, só aparece quando está tudo bem e não está presente quando mais precisamos…

Também é algo comum existirem relações tóxicas no meio familiar. sobretudo por muitas vezes encararmos os laços familiares como inquebráveis (“ele é meu irmão por isso não posso deixar de ter uma relação com ele”), acabamos por nos manter neste tipo de relações tóxicas, e pouco fazer para tentar alterá-las. Pais que fazem os filhos adultos sentirem-se minimizados, filhos que se sentem apavorados mediante a simples perspetiva de irem visitar os pais, irmãos que vivem numa competição desenfreada e negativa… Enfim, as relações tóxicas também acontecem em ambiente familiar.

Muitas vezes a culpa que acompanha este tipo de relações, porque a pessoa se sente culpada se não tiver uma boa relação com os seus familiares, faz com que a relação se torne ainda mais tóxica e cause ainda mais emoções negativas.

As relações tóxicas são também abusivas?

Embora sejam termos semelhantes, não são necessariamente a mesma coisa. As relações abusivas são sempre relações tóxicas, todavia, as relações tóxicas não são necessariamente abusivas. Não obstante, as tóxicas podem facilmente tornar-se relações abusivas, uma vez que a linha é muito ténue.

Nas relações tóxicas as situações nocivas acabam por ser subtis, fazem-nos mal, mas não são vistas como muito graves. Já no relacionamento abusivo existe um ciclo de violência: no início a pessoa é maravilhosa, depois tem explosões de raiva, ciúme, controlo e manipulação. Nas relações abusivas existem frequentemente agressões e violência física e/ou verbal.

Em suma, a diferença entre as relações tóxicas e as relações abusivas é que as relações abusivas tem uma maior gravidade e muitas vezes podem-se mesmo enquadrar em algum tipo de ilícito de âmbito criminal.

Porque é difícil sair de relações tóxicas?

Compreender o porquê de nos envolvermos em relações tóxicas e nos mantermos nelas é algo complexo, porque envolve múltiplos fatores e, além disso, é altamente variável. Ou seja, cada pessoa é diferente, as histórias de vida são diferentes e por isso variáveis muito distintas podem explicar o porquê do relacionamento tóxico.

Entre algumas razões para o envolvimento em relações tóxicas podem estar as seguintes:

  • Vivência de experiências adversas na infância e/ou uma infância em que possivelmente algumas necessidades emocionais não foram satisfeitas;
  • Necessidade de colmatar as necessidades afetivas através de outra pessoa, podendo fazer surgir a dependência emocional;
  • Experiências negativas em relacionamentos anteriores;
  • Medo do abandono;
  • Insegurança e baixa autoestima;
  • Imaturidade emocional / défices ao nível da inteligência emocional;
  • Dificuldade em lidar ou tolerar o sofrimento e a incerteza;
  • Crenças disfuncionais sobre o amor, construídas a partir de experiências prévias e das próprias construções sociais que fomos habituados a observar.

Convém salientar que as relações tóxicas não têm necessariamente de ter um culpado e uma vítima. Por vezes tratam-se de um ciclo vicioso em que ambos fazem mal um ao outro. Nas relações abusivas pode também acontecer isto. Embora em muitas relações abusivas exista um agressor e uma vítima, noutras ambos assumem estes papéis de forma alternada ou paralela. As razões para isso podem ser as apresentadas acima para ambos. Alguém que tenta controlar a outra pessoa e dominá-la também o pode fazer por carência afetiva e imaturidade emocional.

E o que fará alguém manter-se em relações tóxicas? Assim que a pessoa se vê envolvida na teia de uma relação tóxica, porque não sai de imediato? O que a faz permanecer apesar de todo o sofrimento? Mais uma vez, as razões são múltiplas e variáveis, mas existem algumas que podem ser apontadas:

  • Por dependência emocional e afetiva, há uma distorção da realidade e consequente tentativa de desvalorizar ou justificar os atos negativos na relação;
  • Receio de ser discriminado/a se se assumir como vítima ou procurar ajuda;
  • Esperança de que a situação se vai resolver e que as coisas vão mudar;
  • Desejo de continuar a investir no relacionamento, por dependência emocional e dificuldade em aceitar que a relação não está a resultar;
  • Medo das perdas associadas ao fim da relação (ex: mudar de casa, distanciamento de filhos, alterações do estilo de vida…);
  • Medo de represálias ou consequências negativas ao terminar a relação;
  • Dependência económica ou financeira da outra pessoa;
  • Não querer perder determinado estatuto alcançado com a relação;
  • Sentir vergonha;
  • Estar fragilizada/o do ponto de vista emocional de tal forma que não se sente capaz de enfrentar o término da relação.

Quais os sinais de que uma relação é tóxica?

Embora para quem está de fora possa ser por demais óbvio que a relação é tóxica, para quem está nela nem sempre é assim tão óbvio. Como vimos, o facto de existirem muitas vezes mecanismos de dependência afetiva fazem com que a pessoa nem sempre saiba reconhecer que efetivamente está em relações abusivas.

Por isso, existem alguns sinais que podem ser importantes para a própria pessoa reconhecer que está numa relação tóxica, ou mesmo para outras que estão ao seu redor o possam ver e eventualmente procurar ajudar e aconselhar quem está na relação.

1. Desequilíbrio na relação

O desequilíbrio significa que o investimento na relação não é recíproco ou mútuo. Ou seja, os dois elementos do casal não estão investidos na relação de igual forma, há um que investe mais, que dá mais à relação, e outro que não o faz. É comum vermos isto por exemplo em relações em que um dos elementos faz tudo pelo outro, deixa de fazer coisas pela outra pessoa, torna-a no centro de tudo, enquanto que a outra pessoa faz precisamente o contrário. Não há coordenação entre ambos para perseguirem objetivos em comum.

2. Prejuízo na autoestima

Uma relação que faz com que a pessoa se sinta pior consigo mesma, se sinta que não é boa o suficiente ou passe a estar muito ciente e focada nos seus defeitos, é uma relação tóxica. Qualquer relacionamento deve fazer-nos bem e fazer-nos sentir aceites e amados da forma que somos. Se na relação em que estamos sentimos o contrário, então é um sinal que estamos numa relação tóxica.

3. Necessidade de mudar para permanecer na relação

Se sentimos que temos de mudar de forma significativa para continuarmos na relação, de tal forma que por vezes já não nos reconhecemos a nós próprios ou à nossa vida, é sinal de que efetivamente a relação é tóxica e nociva. Numa relação saudável as pessoas aceitam-se mutuamente.

4. Clima de tensão

Um sinal claro de que a relação não é saudável é a existência de um clima de tensão constante e a ocorrência frequente e contínua de discussões, que muitas vezes são muito intensas e violentas: gritos descontrolados, ameaças, insultos… Quando um ou ambos tentam a todo o custo “ganhar” a relação subjugando ou magoando o outro, a relação é tóxica.

5. Ciúme e controlo

Até certo ponto o ciúme pode estar presente numa relação sem que esta seja tóxica, dependendo do grau do ciúme e da existência ou não de tentativas de controlo sobre a outra pessoa. Uma forma de perceber se o ciúme é um problema, é o grau de sofrimento que acarreta ao indivíduo e àqueles com quem interage.

Outro ponto é perceber de que forma o ciúme é compatível com a realidade ou é completamente distorcido e passa a dominar as atenções da pessoa, que vê ameaças à relação em todo o lado. Por fim, o ciúme é problemático quando envolve de forma clara o controlo sobre o outro: a necessidade de controlar os seus movimentos, as invasões de privacidade, a proibição de determinadas interações ou atividades ou mesmo de vestir determinadas roupas.

Por vezes pode começar de forma ténue e a pessoa “vítima” do ciúme pode deixar de fazer determinadas coisas apenas para “evitar problemas e discussões”. Isto gera um ciclo de controlo que é um sinal claro de que a relação é tóxica. Invadir a privacidade, ver o telemóvel do outro ou as redes sociais, vasculhar as coisas da pessoa, não querer que ela vá a determinado sítio ou fale com determinadas pessoas, tudo isto são aspetos de controlo em relações tóxicas.

6. Isolamento

Se a pessoa se sente cada vez mais isolada, muitas vezes de forma progressiva, e dá por si longe das pessoas e das coisas de que antes era próxima, é um sinal de relação tóxica. Nas relações tóxicas é comum as pessoas se irem afastando progressivamente do resto do mundo, porque a outra pessoa assim o exige, de forma direta ou indireta (por exemplo não gostar dos amigos ou da família, isto ser motivo de discussão). Quanto mais isolada a pessoa se torna mais difícil se tornará também a saída da relação.

7. Dependência emocional

A dependência emocional nunca é um bom sinal. Embora muitas vezes tenhamos uma ideia romantizada de que as pessoas que se amam não conseguem viver uma sem a outra, é preciso distinguir que uma coisa é amar e querer estar com a outra pessoa, outra é ser quase “viciado” na pessoa e na relação. A dependência afetiva observa-se em alguns sinais:

  • Incapacidade ou dificuldade intensa em estar sem a pessoa, ou a ausência é suportada sempre com angústia;
  • Medo persistente e constante do abandono, que leva a submeter-se à outra pessoa / fazer tudo para não a perder / não expressar realmente o que senta, pensa ou quer;
  • Abandono de atividades, objetivos ou relações em prol da pessoa e do relacionamento amoroso;
  • Desvalorização dos aspetos negativos da relação ou da pessoa e constante justificação desses aspetos (“ele/a é assim mas ama-me”, “ele/a é assim porque tem problemas”, “apesar de todos os problemas gostamos um do outro”…);
  • Ciúme e hipervigilância excessivos e constantes, necessidade de controlar o/a parceiro/a por medo intenso da perda ou do abandono;
  • Dificuldade em controlar as próprias emoções e estados emocionais muito intensos sempre que acontece algo de menos positivo na relação, ao ponto de poder incapacitar e a pessoa não se conseguir concentrar noutra coisa ou realizar as suas atividades normais;
  • Idealização exagerada da relação ou da outra pessoa, deturpando a realidade (ver o que se quer ver e o sonho de como a relação deveria em vez de ver a realidade da situação).

Quais as consequências das relações tóxicas?

Começamos por definir relações tóxicas como relações que têm efeitos nocivos, ou seja, que nos fazem mal. Como tal, é evidente que as relações tóxicas trazem consequências negativas para quem está envolvido nelas.

As principais consequências tendem a estar relacionadas com a autoestima. O facto de estarmos envolvidos numa dinâmica relacional caracterizada por discussões, conflitos, controlo, faz com que nos sintamos desvalorizados, o que progressivamente nos vai atirando cada vez mais para baixo. Forma-se a crença de que de facto somos inadequados, de que agimos mal, de que não conseguimos fazer o outro feliz ou de que simplesmente não conseguimos encontrar alguém melhor, que veja o nosso valor.

Além disso, existe um claro desgaste, uma vez que a relação, dada a intensidade emocional, leva a um grande dispêndio de energia. Isto acaba por afetar outras áreas da vida da pessoa, tal como o trabalho.

Pode inclusivamente surgir sintomatologia mais grave, associada à ansiedade, stress e depressão. O desgaste e o sofrimento emocional e psicológico podem também inclusivamente levar a alterações na própria saúde física, causando por exemplo cansaço, fadiga, dores de cabeça

Por fim, existem também consequências mais do ponto de vista relacional, uma vez que viver em relações tóxicas pode fazer com que seja difícil para a pessoa o envolvimento em relações posteriores: receio de confiar, medo que aconteça o mesmo…

As relações tóxicas têm solução?

Podem existir duas soluções perante as relações tóxicas: transformá-las numa relação saudável ou deixar a relação.

Será possível transformar relações tóxicas em relações saudáveis? Em alguns casos sim. Claro que quanto mais tóxica a relação é, dificilmente podemos dizer que se alterará. No entanto, em certos casos em que alguns sinais estão lá, mas a situação não se agravou demasiado, é possível alterar a dinâmica do casal se ambos estiverem dispostos a isso. Para isso é necessário os dois elementos do casal estarem conscientes dos problemas existentes e dispostos a trabalhar na relação para a melhorar.

No fundo, mais do que transformar relações tóxicas em relações saudáveis, trata-se de construir uma novas relações e novas dinâmicas relacionais. A terapia de casal é muitas vezes necessária e muito útil neste tipo de situações. O terapeuta de casal ajuda a rescrever a história e a narrativa do casal, mudar o seu modo de funcionamento e dinâmica, através de um processo de redescoberta, de si, do outro e da relação, enfatizando-se as forças e características positivas.

Por outro lado, muitas vezes a solução passa mesmo por sair das relações tóxicas. Se não conceberíamos fazer mal a nós próprios, não nos devemos também manter numa relação que faz isso mesmo: faz-nos mal. No entanto, como vimos, nem sempre é fácil sair deste ciclo e abandonar as relações tóxicas. Além disso, este processo é doloroso e penoso, e muitas vezes pode ser necessário recorrer à intervenção psicológica.

A intervenção psicológica vai ajudar não só a sair da relação e a fazer devidamente o luto, mas também pode ajudar em casos em que estar em relações tóxicas já se tornou num padrão da pessoa. Ou seja, a pessoa repetidamente envolve-se em relações tóxicas, e por detrás disto estão muitas vezes mecanismos psicológicos, carências emocionais, experiências passadas adversas e modos de pensamento que precisam de ser reprocessados e reestruturados.

Ainda assim, deixamos-lhe algumas dicas para ajudar a recuperar o amor próprio e a abandonar as relações tóxicas:

  • Aprender a ouvir as suas próprias emoções: esteja mais atento/a a si mesmo/a, muito provavelmente tomará consciência de que não está bem e que precisa de uma mudança;
  • Quebrar o isolamento: reconecte-se com as suas relações antigas e/ou faça novos amigos. Quebre o isolamento e conte com o apoio de pessoas que gostam de si, será muito mais fácil enfrentar a situação se não estiver sozinho/a;
  • Aceitar que o processo é doloroso: quase ninguém termina uma relação amorosa e fica feliz e contente. O sofrimento é normal, faz parte, mas não dura para sempre. O processo de luto e de recuperação demora algum tempo. Dê e a si próprio/a esse tempo necessário para fazer o luto do fim do relacionamento, bem como das expectativas e desejos que tinha em relação ao mesmo;
  • Aceitar que vão haver dias bons e maus, e não se esquecer que existem inúmeras formas de ultrapassar os dias maus, afinal de conta são passageiros;
  • Falar sobre o que se sente: não reprima as emoções, fale sobre o que está a sentir com familiares, amigos e/ou pessoas da sua confiança, ou procure apoio de um psicólogo/a;
  • Mude a sua perspetiva sobre o amor e as relações, compreendendo que o amor não é sinónimo de sofrimento, e que o respeito deve ser a base de qualquer relação;
  • Não normalize a situação e os pontos negativos da relação, não tente encontrar constantemente justificações. Se não está bem, é porque não lhe faz bem, e não há justificação que seja superior a isso;
  • Vá tomando decisões progressivas: quando assumimos o controlo e começamos a tomar decisões, por mais pequenas que sejam, ganhamos um outro alento e capacidade. Ficamos mais fortes e o nosso cérebro ativa o modo resolução de problemas. Por isso, comece a tomar decisões, mesmo que pequenas, como estar menos tempo com a pessoa, retomar relações antigas, até chegar ao momento de decidir efetivamente terminar o relacionamento.

Lembre-se: em relação ao amor, primeiro sempre o próprio!

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.