A amnésia diz respeito a falhas de memória, isto é, à dificuldade ou incapacidade de recuperar informações armazenadas na memória. É um fenómeno que pode ocorrer por diversas causas ou ser sintoma e produto de patologias distintas. Para compreender melhor o fenómeno da amnésia, neste artigo explicamos em que consiste a amnésia, quais os tipos, porque acontece e quais as patologias ou causas subjacentes, bem como qual o tratamento e como prevenir.
O que é a amnésia?
A memória diz respeito à nossa capacidade de registar, manter e evocar factos já ocorridos. Assim, está diretamente relacionada com a consciência, a atenção e a afetividade. O processamento das memórias envolve a capacidade de captar novas informações, de conectar essas informações novas com memórias já armazenadas no cérebro ou com outras coisas que possam ajudar na evocação da memória, e a capacidade de recuperar as informações presentes na memória.
Podem ocorrer alterações ao nível da memória, e quando essas alterações traduzem uma dificuldade em recuperar a informação lá contida, falamos de algum tipo de amnésia.
Assim, de uma forma simples a amnésia consiste na incapacidade de recuperar informação anteriormente armazenada ou de armazenar informação nova. A amnésia pode ser de diferentes tipos:
- Amnésia psicogénica: consiste na perde de elementos psíquicos que têm um valor psicológico específico, ou seja, valor simbólico ou afetivo, quando a pessoa esquece um evento da sua vida que teve um significado especial, mas consegue lembrar-se de tudo o que ocorreu ao seu redor. É geralmente uma amnésia traumática ou dissociativa. Pode acontecer a pessoa esquecer-se da sua própria identidade, não tendo sentido de quem é e dos detalhes da sua vida;
- Amnésia orgânica: perda da capacidade de fixação de memórias imediatas e recentes. Acontece em estados avançados de doença, chegando também a afetar a memória remota ou de longo prazo;
- Amnésia anterógrada: consiste na incapacidade em fixar elementos mnésicos a partir do momento em que ocorre o traumatismo, por exemplo devido a um acidente. A pessoa não consegue lembrar-se de novas informações, como coisas que ocorreram recentemente. Ou seja, o que acontece é que as informações que são armazenadas na memória a curto prazo desaparecem. Quando este tipo de amnésia ocorre a pessoa pode conseguir-se lembrar de acontecimentos e informações que aconteceram antes da lesão. Esta amnésia pode ser temporária ou permanente;
- Amnésia retrógrada: é a perda de memória quando a pessoa esquece as informações que remontam a antes da doença ou do traumatismo. Assim, a pessoa não se lembra de coisas que aconteceram antes do trauma, mas lembra-se das coisas que ocorrem depois;
- Amnésia global transitória: diz respeito a uma perda temporária de toda a memória. Nestes casos a pessoa também tem grande dificuldade em conseguir formar novas memórias. Geralmente decorre de uma doença vascular;
- Blackout: acontece em estados de embriaguez, em que a pessoa não se consegue lembrar de acontecimentos que ocorreram enquanto estava embriagada;
- Prosopamnesia: a pessoa não se consegue lembrar de rostos de outras pessoas. A pessoa pode já nascer com esta incapacidade ou adquiri-la.
As alterações ao nível da memória encontram-se entre os problemas cognitivos mais comuns na prática clínica, especialmente nos casos de lesões cerebrais adquiridas. Podem acontecer devido à lesão, que afeta diferentes estruturas cerebrais, ou serem secundárias a outros fatores, como por exemplo défices de atenção ou uso de medicação que afeta a cognição. As queixas de memória e de esquecimento que surgem com mais frequência são:
- Esquecimento de factos e conversas recentes;
- Esquecer informações lidas em jornais, revistas ou livros;
- Esquecer-se do lugar onde guardou objetos pessoais, como chaves ou óculos, ou onde estacionou o carro;
- Esquecer-se de lugares e trajetos a serem percorridos;
- Esquecimento de nomes e rostos de pessoais conhecidas;
- Esquecer-se de horários, por exemplo da toma de medicações;
- Esquecimento de compromissos ou do pagamento de contas.
Mediante o tipo de esquecimento que a pessoa apresenta, podem estar afetados diferentes sistemas da memória. Por exemplo, quando a pessoa se esquece de factos ou conversas recentes, ou então de objetos guardados, há um comprometimento da memória episódica. Por outro lado, quando a pessoa se esquece de tomar a medicação à hora devida ou de pagar as contas na data adequada, verifica-se um comprometimento na memória prospetiva.
O quão longe no tempo as memórias são perdidas pode variar desde alguns segundos antes de terem acontecido até alguns dias, bem como serem mais distantes no tempo, afetando memórias passadas.
Quais os sintomas da amnésia?
Os sintomas mais comuns e sinais de alerta a que devemos estar atentos para perceber se estamos perante um caso de amnésia são:
- Incapacidade em reconhecer lugares;
- Incapacidade em reconhecer rostos;
- Dificuldade em lembrar-se de coisas novas;
- Dificuldade em lembrar-se de acontecimentos do passado;
- Apresentação de falsas memórias, completamente inventadas ou desfasadas no tempo;
- Confusão e desorientação;
- Perda parcial ou total de memória;
- Movimentos descoordenados, por vezes acompanhados de tremores;
- Problemas na memória a curto prazo.
Quais as causas da amnésia?
A amnésia pode acontecer por causas diversas, nomeadamente devido ao uso de determinado tipo de medicação, devido a acidente vascular cerebral, a epilepsia, a encefalite ou a lesões cerebrais provocadas, por exemplo, por um acidente. Assim, a amnésia acontece quando áreas cerebrais ligadas à memória são afetadas de alguma forma.
As principais áreas cerebrais associadas à memória estão localizadas no lobo temporal e no lobo frontal. O hipocampo, localizado profundamente no interior do cérebro, está envolvido na capacidade de formar novas memórias e de recuperar as memórias armazenadas. O hipocampo ajuda a conectar memórias com emoções vividas quando essas memórias se formaram. Assim, as nossas emoções podem influenciar o armazenamento e a recuperação das memórias.
A natureza da amnésia, bem como a sua duração, dependerá da gravidade da lesão ou doença que a causou. Podemos ter diferentes tipos de lesões ou patologias na origem da amnésia, designadamente:
- Distúrbios nutricionais, sobretudo défice de tiamina, que pode causar a síndrome de Wernicke-Korsakoff (surge geralmente em pessoas que abusam do álcool ou pessoas com estados graves de subnutrição e geralmente provoca uma grave perda de memória para acontecimentos recentes);
- Traumatismo craniano, causado por exemplo por uma pancada na cabeça decorrente de uma queda ou acidente;
- Acidentes vasculares cerebrais;
- Privação de oxigénio para o cérebro, o que pode acontecer num ataque cardíaco, insuficiência respiratória ou envenenamento por monóxido de carbono;
- Convulsões;
- Demências, como por exemplo a demência de alzheimer;
- Infeção cerebral ou encefalite;
- Abuso crónico de álcool;
- Stress psicológico grave;
- Tumor cerebral;
- Uso de determinados medicamentos, como alguns antidepressivos, opioides ou relaxantes musculares.
Dependendo das causas da amnésia, este pode ser temporária, o que tende a acontecer por exemplo no caso dos traumatismos cranianos, em que a pessoa depois consegue recuperar a memória. No entanto, a amnésia também pode ser permanente, por exemplo no caso de um AVC grave que afete grande parte do cérebro ou de uma encefalite. Pode ainda ser progressiva, o que geralmente acontece nas demências.
O trauma psicológico pode causar amnésia?
A amnésia também pode ser causada não por uma lesão cerebral, mas sim pela vivência de um trauma psicológico grave, como guerra, maus-tratos infantis, desastres naturais, abusos físicos e sexuais, violência interpessoal grave, entre outros. Falamos, neste caso, de amnésia dissociativa.
A amnésia dissociativa diz respeito à incapacidade de recordar informações respetivas a acontecimentos que a pessoa vivenciou. Esta perda de memória pode ser localizada num determinado evento ou período de tempo, pode ser seletiva para um aspeto específico do acontecimento ou pode ser generalizada. Embora algumas pessoas que sofrem de amnésia dissociativa consigam ter consciência de que há uma lacuna na sua memória, muitas delas inicialmente não têm consciência da amnésia.
Neste caso, a consciência da amnésia acontece apenas quando a identidade pessoal é perdida ou quando as circunstâncias confrontam a pessoa com a ausência de informações, por exemplo, quando descobrem evidências de situações que não conseguem recordar ou quando outras pessoas contam ou perguntam acerca de situações que a pessoa não se lembra.
No caso da amnésia dissociativa a pessoa esquece-se de situações que foram muito traumáticas e geradoras de um elevado grau de stress psicológico. A amnésia dissociativa é diferente daquela causada por danos neurológicos que impedem a retenção ou a recordação de memórias. No caso da amnésia dissociativa existe sempre a possibilidade de recuperar a memória, uma vez que as informações foram armazenadas devidamente.
A forma mais comum de amnésia dissociativa é a amnésia localizada, ou seja, a pessoa não consegue recordar acontecimentos durante um período limitado de tempo. A amnésia localizada pode ser mais ampla do que a amnésia de um único evento traumático (por exemplo, meses ou anos associados a abuso infantil). Na amnésia seletiva, a pessoa consegue lembrar-se de alguns eventos de um determinado período de tempo, mas não de todos.
A amnésia generalizada, em que ocorre a perda completa de memória da história de vida da pessoa, é mais rara. Geralmente acontece de foram aguda, em que a pessoa apresenta perplexidade e desorientação, andando sem rumo. Este tipo de amnésia ocorre por exemplo em veteranos de guerra, vítimas de abuso sexual e pessoas em situações de stress emocional extremo.
Pode ainda existir uma amnésia sistematizada, em que a pessoa perde a memória para uma determinada categoria de informação específica (por exemplo, todas as recordações associadas à família, a uma determinada pessoa ou ao abuso sexual na infância).
Muitas vezes as pessoas com amnésia dissociativa apresentam histórias de trauma, abuso infantil e vitimização. Alguns apresentam flashbacks dissociativos, ou seja, revivem temporariamente os eventos traumáticos como se eles estivessem a acontecer outra vez. Também é comum verificar-se um historial de automutilação ou tentativas de suicídio, bem como outros comportamentos de elevado risco. É comum verificar-se a presença de sintomas depressivos e sintomatologia neurológica, bem como despersonalização, sintomas auto-hipnóticos ou disfunções sexuais.
No que diz respeito à duração da amnésia dissociativa, ela é variável. Por vezes a pessoa recupera a memória de forma relativamente rápida, por exemplo quando é retirada da situação de stress intenso. Outras vezes, a amnésia persiste por períodos prolongados. Algumas pessoas podem começar a ir recordando gradualmente as lembranças dissociadas. À medida que a amnésia vai desaparecendo e as memórias são recuperadas, pode existir sofrimento intenso e sintomas de stress pós-traumático. Podem surgir emoções de pesar, raiva, culpa, vergonha, ideação e impulsos suicidas…
Como é feito o diagnóstico da amnésia?
Quando se verifica a presença de sinais claros de comprometimento ao nível da memória, é fundamental existir um diagnóstico o mais precoce e atempado possível. Este diagnóstico geralmente deve ser feito por um neurologista, que fará um levantamento do historial clínico do paciente e avaliará a perda de memória, através de perguntas simples e realizando testes e provas formais de memória. Uma vez que o paciente pode não se recordar de muitas informações, é fundamental também a recolha de informação com familiares ou pessoas próximas.
No diagnóstico da amnésia é fundamental compreender alguns aspetos importantes:
- A pessoa consegue-se lembrar de situações que aconteceram recentemente?
- Quando é que começaram os problemas ou as queixas de memória?
- Como é que têm evoluído os problemas de memória? Tem havido um agravamento? De que forma?
- Há fatores identificáveis que possam estar na origem da perda de memória, como por exemplo uma queda, um acidente, um ferimento na cabeça, um AVC ou uma cirurgia realizada recentemente?
- Existe historial na família de problemas neurológicos ou psiquiátricos?
- A pessoa consome álcool em excesso ou consome outras substâncias como cocaína, por exemplo?
- A pessoa encontra-se a tomar alguma medicação?
- A pessoa tem apresentado dificuldade em ser autónoma e cuidar de si mesma?
- Existe histórico de depressão ou de convulsões?
Para além do historial clínico e da avaliação da situação, bem como da aplicação dos testes de memória, podem ainda ser pedidos exames complementares, tais como a ressonância magnética, a tomografia computadorizada ou TAC, o eletroencefalograma ou análises de sangue (para detetar possíveis infeções ou deficiências nutricionais).
Qual o tratamento para a amnésia?
O tratamento para a amnésia vai depender diretamente das suas causas. Considerando que a amnésia é um sintoma e não uma doença, o tratamento deve dirigir-se à doença ou à origem da amnésia, mais do que à amnésia em si. Por exemplo, se a amnésia se deve a uma deficiência nutricional, devem ser repostos os níveis nutricionais adequados e tratados esses défices.
Por outro lado, algumas causas não são completamente reversíveis. Por exemplo, no caso de um AVC a pessoa pode ficar com danos permanentes. Nesse caso, não sendo possível reverter completamente os danos ao nível da memória, são usadas estratégias compensatórias para ajudar a pessoa a funcionar o mais adequadamente possível no seu dia-a-dia. Podem ser usados exercícios de reabilitação cognitiva e estratégias de auxílio de memória como agendas, lembretes, entre outros.
Como prevenir a amnésia?
Prevenir a amnésia passa por prevenir as causas que estão na sua origem. Uma vez que ela é secundária a algum problema, lesão ou patologia, é importante que estas sejam prevenidas, através de:
- Uma alimentação adequada e uma dieta saudável que inclua frutas, grãos integrais, legumes e proteínas com baixo teor de gordura;
- O evitamento de consumo abusivo de álcool ou de outras substâncias;
- O mantimento de um estilo de vida ativo, para manter o cérebro em funcionamento;
- O uso de capacetes de proteção durante a condução de motas ou a prática de desportos de alto risco;
- A atividade física regular;
- A realização de rastreios e exames médicos com regularidade;
- A procura de um profissional de saúde assim que surgem alterações cognitivas ou emocionais evidentes.