Assédio sexual: o que é, prevenção e consequências

assedio sexual

O assédio sexual é uma problemática muito presente e que tem estado frequentemente no centro do debate público. Isto tem permitido que comportamentos de assédio sexual cometidos ao longo do tempo tenham sido agora reavaliados e tenham saído do escuro para ser encarados e debatidos.

É, de facto, fundamental compreender o que é o assédio sexual e que condutas o constituem, para que muitos dos comportamentos não sejam legitimados como normais. Prevenir um problema passa primeiro por compreendê-lo e estarmos informados sobre ele.

Como tal, neste artigo pretendemos explicar o que é o assédio sexual, que condutas podem ser consideradas assédio sexual, quais as consequências e penalizações, bem como formas de prevenir o assédio sexual.

O que é o assédio sexual?

O assédio sexual caracteriza-se por constranger alguém, através de gestos, atos ou palavras, com o objetivo de obter vantagem ou favorecimento sexual. Existe assim uma natureza claramente sexual nos atos de perseguição ou constrangimento levados a cabo. Considera-se que o assédio sexual está presente mesmo que ocorra uma única vez e mesmo que os favores sexuais não sejam entregues ou acedidos por parte da pessoa assediada.

O assédio sexual envolve uma ação ofensiva que atenta contra a liberdade ou dignidade sexual de outra pessoa, restringindo a sua liberdade, nomeadamente através de atos não consentidos. Estes comportamentos constituem uma ofensa à honra e à dignidade sexual da pessoa, que é entendida como o direito de conceber, definir e exercer, respeitados os limites da moralidade pública, da atividade sexual.

É necessário assim, que estejam presentes alguns aspetos para se considerar uma conduta enquadrada no assédio sexual: o não consentimento por parte da pessoa que é assediada e o objetivo da conduta ser o de obter algum tipo de vantagem ou favorecimento sexual.

Alguns dos principais exemplos de assédio sexual podem ser:

  • Insinuações, quer sejam explícitas ou implícitas, de carácter sexual;
  • Piadas ou comentários sobre o aspeto e o corpo da outra pessoa;
  • Uso de palavras, escritas ou faladas, e de gestos, de carácter sexual;
  • Envio de desenhos animados, fotografias, desenhos ou imagens da internet indesejados e de carácter sexual;
  • Fazer telefonemas, enviar SMS, e-mails ou cartas de teor sexual;
  • Promessas de um trato privilegiado ou diferenciado se forem concretizados favores sexuais;
  • Perturbação ou ofensa;
  • Conversas indesejáveis sobre sexo;
  • Contar piadas ou usar expressões de conteúdo sexual;
  • Contacto físico não consentido e não desejado (tocar, mexer, apalpar, beijar ou tentar beijar, agarrar…);
  • Tentativa de agressão sexual;
  • Solicitar favores sexuais;
  • Fazer convites impertinentes, como convidar persistentemente para participar em programas sociais ou lúdicos, quando a pessoa já deixou claro que não quer;
  • Exibicionismo;
  • Criação de um ambiente pornográfico.

Muitas vezes pequenos comportamentos ou atos acabam por ser inicialmente desvalorizados. Frequentemente as condutas de assédio sexual vão escalando, começando por uma aparentemente simples e menor falta de respeito, que cria depois um ciclo persistente e repetitivo. Como tal, nenhum comportamento deve ser desvalorizado ou encarado como sendo de menor gravidade.

O assédio sexual pode ser caracterizado por três dimensões distintas: a atenção sexual indesejada, a coerção sexual e o assédio de género. A atenção sexual indesejada traduz-se geralmente em comportamentos ofensivos com natureza sexual, por exemplo apalpar, tocar ou beijar, e que são indesejados por parte da pessoa que é assediada.

No que diz respeito à coerção sexual, consiste na tentativa de obter favores sexuais dando em troca benefícios, por exemplo profissionais, para que a pessoa assediada aceda. Já no que diz respeito o assédio de género, consiste num conjunto de comportamentos verbais e não-verbais que podem não visar necessariamente a troca sexual, mas têm como fundamento atitudes que são sexistas, hostis, humilhantes ou degradantes em relação a uma outra pessoa, em função do seu género.

De facto, as questões de género parecem ter um papel preponderante no assédio sexual. A longa tradição de subordinação feminina e supremacia masculina e as suas repercussões no contexto laboral criam um terreno fértil para práticas de assédio sexual contra as mulheres. Também a sub-representação feminina nos lugares de poder ou decisão, bem como as desigualdades a nível salarial, contribuem para que as mulheres estejam em lugares mais vulneráveis no contexto laboral e por isso sejam mais suscetíveis a situações de assédio sexual.

O assédio sexual no trabalho

O assédio sexual no trabalho geralmente caracteriza-se pelo uso, por parte de um supervisor ou de alguém com ascendência inerente ao exercício da sua profissão, para constranger outra pessoa com vista a obter algum tipo de favor sexual.

O ambiente laboral é um espaço comum onde o assédio sexual acontece, e afeta especialmente mulheres, caracterizando-se como uma forma de exercer controlo e poder no âmbito das relações profissionais.

No contexto laboral a prática de assédio sexual fere os direitos e a dignidade dos trabalhadores, violando os seus direitos à igualdade de oportunidades, à segurança no trabalho, para além de prejudicar a sua saúde. Geralmente as condutas de assédio sexual no contexto laboral são alimentadas pelo segredo que é mantido sobre elas.

No trabalho algumas formas de assédio incluem procurar os favores sexuais usando a chantagem para manter o emprego ou obter uma promoção ou ameaças explícitas ou implícitas de represálias, por exemplo perder o emprego, caso os favores sexuais não se concretizem.

O assédio sexual no trabalho pode ser vertical ou horizontal. Falamos de assédio sexual vertical quando alguém de posição superior se faz valer dessa superioridade para constranger outra pessoa, intimidá-la ou pressioná-la, com algum tipo de objetivo sexual. Já no que diz respeito ao assédio sexual horizontal, neste caso não há distinção hierárquica entre a pessoa que é assediada e a pessoa que a assedia. Falamos de assédio sexual horizontal quando ele ocorre, por exemplo, entre colegas de trabalho.

No entanto, mesmo entre colegas de trabalho podem acontecer assimetrias ou situações de poder. Imaginemos o caso de alguém que quer disputar o lugar de outra pessoa e procurar denegrir sistematicamente a sua imagem ou simplesmente desmoralizá-la, atacando a sua autoestima ou identidade.

Assim, o assédio sexual trata-se muitas vezes de um uso indevido e abusivo do poder, tornando o local de trabalho um local de vulnerabilidade social, devido às relações hierárquicas e de dependência. O assédio sexual é de facto praticado com mais frequência por superiores hierárquicos e chefias diretas, sobre pessoas que geralmente se encontram numa posição inferior hierarquicamente.

As más condições de trabalho e a precaridade dos vínculos laborais também contribuem, de uma forma significativa, para que possam ocorrer formas de violência psicológica, como o assédio sexual, nos contextos laborais. É frequente verificarem-se condutas de assédio sexual sobre trabalhadores/as que têm um vínculo laboral precário ou instável. O assédio sexual também tende a atingir mais profissionais jovens, até aos 34 anos de idade, em fases iniciais do percurso de carreira.

É possível verificar, através dos estudos realizados, que o assédio sexual tem uma expressão significativa em Portugal. Em 2015, o assédio sexual é referido por 12,6% das pessoas inquiridas, sendo 14,4% das mulheres inquiridas e 8,6% dos homens inquiridos. As situações de assédio sexual mais frequentes no local de trabalho são a atenção sexual não desejada e as insinuações sexuais.

Quem assedia e quem é assediado?

Qualquer pessoa pode sofrer de assédio sexual, no entanto algumas pessoas poderão estar em maior risco, como é o caso das mulheres (pelas questões de género explicadas anteriormente), pessoas de diferente etnia, minorias, pessoas com preferência sexual não-normativa, pessoas com algum tipo de deficiência ou incapacidade… O assédio geralmente concretiza-se através de uma desvalorização ou objetificação da vítima.

A vítima geralmente é uma pessoa que exibe competências profissionais, podendo até sobressair-se pela positiva. O assédio pode resultar nalgum tipo de confronto ou reação ao autoritarismo do agressor, que se recusa a ser subjugado. A capacidade de resistir torna muitas vezes a vítima num alvo.

No que diz respeito à pessoa que assedia, geralmente esta tem um perfil autoritário, manipulador, vendo na vítima uma forma de demonstrar ou exercer o seu poder. Pode ser alguém que tem tendência a evitar assumir a responsabilidade pelas suas ações e pelos seus erros.

A legislação relativa ao assédio sexual

Em 2009 a conduta de assédio foi regulada no Código de Trabalho, e em 2015 foi regulada no Código Penal. Assim, a regulação do assédio sexual acontece em dois planos: no geral e no das relações laborais.

No âmbito laboral o assédio sexual é considerado uma contraordenação muito grave. Já no que diz respeito ao assédio sexual num contexto abrangente e não específico ao trabalho, este encontra-se previsto no artigo 154.º-A do Código Penal sob a epígrafe “perseguição”.

Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

Artigo 154.º-A do Código Penal (Decreto-Lei n.º 48/95)

Referir ainda que no Código Penal foi também acrescentada a “importunação sexual”, definindo que fazer propostas de teor sexual a outra pessoa ou constrangê-la a contacto de natureza sexual constitui crime punível com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.

Quais as consequências do assédio sexual?

O assédio sexual é uma conduta altamente prejudicial e nefasta, que pode trazer consequências sérias, sobretudo para a pessoa assediada, nomeadamente:

  • Diminuição da autoestima;
  • Sentimentos de ansiedade intensos decorrentes das ameaças sentidas face à sua integridade física e psicológica;
  • Privação da autonomia;
  • Instabilidade emocional, bem como sentimentos de vergonha, culpa e isolamento;
  • Sentimentos de culpa e inferioridade;
  • Irritabilidade constante e alterações de humor;
  • Dificuldades de concentração;
  • Possibilidade de desenvolver transtornos como depressão, ansiedade, transtorno de pânico, perturbação de stress pós-traumático, entre outros;
  • Sintomas somáticos como dores generalizadas, dores de cabeça, palpitações, tremores, aumento da pressão arterial, distúrbios digestivos, tonturas, falta de apetite, falta de ar, entre outros;
  • Comprometimento da saúde física e da saúde mental, devido à pressão psicológica sentida;
  • No caso do trabalho pode ocorrer desmotivação, quebra da produtividade e qualidade do trabalho, isolamento, baixa assiduidade, faltas e baixas médicas, bem como desmotivação em posteriormente integrar-se noutros contextos profissionais.

Os sintomas do assédio variam de pessoa para pessoa e também mediante a situação. Estes levam frequentemente a sequelas na pessoa que é assediada, devido ao carácter traumático das memórias dos momentos de exposição e humilhação. A pessoa assediada vê a sua confiança, saúde, moral e desempenho altamente afetados, o que acaba por interferir nos vários domínios da sua vida.

Como prevenir o assédio sexual?

Prevenir o assédio sexual é uma responsabilidade da sociedade como um todo, das diferentes instituições e também de cada indivíduo. A prevenção do assédio sexual deve ser uma prioridade, uma vez que este é uma forma de abuso que promove contextos hostis que colocam em causa o bem-estar das pessoas.

Ao nível das instituições, algumas das estratégias que devem ser adotadas na prevenção do assédio sexual são:

  • Fornecer informação pertinente e correta sobre o assédio sexual, estabelecendo uma estratégia de informação e divulgação relativa à prevenção e combate ao assédio sexual, nomeadamente em contexto laboral;
  • Conceber e implementar planos de formação específicos que permitam a gestores, diretores e trabalhadores no geral compreender os mecanismos de assédio sexual e as formas de prevenção;
  • Estabelecer nos contextos laborais uma política de tolerância zero face às práticas de assédio sexual;
  • Incluir nos protocolos e convenções de trabalho medidas para a prevenção do assédio sexual;
  • Incentivar, no contexto laboral, a prática de relações saudáveis e respeitosas;
  • Avaliar e monitorizar os conflitos existentes e os problemas nas relações existentes no contexto laboral;
  • Nos contextos de trabalho ter um mecanismo ou unidade disponível para denúncias de condutas de assédio sexual, procurando garantir-se o anonimato da pessoa que fez a denúncia;
  • Não desvalorizar condutas de assédio sexual que podem ser consideradas de menor gravidade (por exemplo, fazer piadas de teor sexual que deixam a outra pessoa desconfortável);
  • Nos contextos laborais deve ser prestado apoio jurídico, técnico ou financeiro ao/à trabalhador/a para que este possa recorrer à justiça civil e/ou criminal;
  • Avaliar e punir as condutas de assédio sexual que são denunciadas, criando sanções específicas, que, no contexto laboral, podem ser: ação disciplinar, cessão de contratos, agravamento das sensações mediante repetição de comportamentos.

No que diz respeito a cada indivíduo enquanto cidadão e parte ativa da sociedade, o seu papel também é relevante na prevenção das condutas de assédio sexual. É fundamental que cada um de nós seja capaz de reconhecer e ter informação sobre o que é o assédio sexual, bem como romper e quebrar o silêncio em relação ao mesmo. O ciclo de silêncio, que é gerado pelo medo, faz com que o assédio sexual se perpetue e repita.

No fundo, a prevenção do assédio sexual não passa apenas pela aplicação de punições, sanções ou leis. É necessário consciencializar todas as pessoas que possam estar envolvidas neste tipo de situação: a vítima para saber identificar e reagir às condutas de assédio; o assediador, para perceber as consequências dos seus atos e comportamentos; as outras pessoas e a sociedade no geral, incluindo os locais de trabalho e as várias instituições, para reagirem perante as situações de assédio sexual.

O que fazer perante uma situação de assédio sexual?

Se tiver conhecimento de que alguém está a passar por este tipo de situação ou se acontecer consigo, é importante que:

  • Manifeste claramente ao abusador a sua recusa e desagrado;
  • Conte o que está a acontecer a pessoas da sua confiança, formando uma rede de apoio;
  • Procure apelar à solidariedade e ao apoio de colegas de trabalho;
  • Encare o problema como algo sério e grave, e não o desvalorize;
  • Leve a situação ao conhecimento da sua entidade patronal, eventualmente por carta registada com aviso de receção;
  • Se existir, procure ajuda por parte dos recursos humanos ou dos serviços de saúde ocupacional;
  • Se não se sentir confortável a contar com alguém dentro da empresa ou contexto de trabalho, procure ajuda e denuncie junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT);
  • Apresente queixa à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE);
  • Pode dirigir-se ao Serviço de Informação Jurídica da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, que fornecerão todas as informações úteis;
  • Informar o sindicato;
  • Reúna todas as informações e provas possíveis, bem como testemunhas;
  • Procure apoio de instituições como a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).

Muitas vezes as vítimas sentem-se receosas e minimizadas, pela dificuldade que pode existir em provar condutas de assédio sexual. Muitas vezes o assédio sexual ocorre de uma forma muito subtil, dissimulada em palavras ou gestos. Por ser algo subjetivo, pode ser difícil para a vítima ter meios de prova e registar as situações constrangedoras que vive.

Assim, podem ser usadas algumas estratégias, como por exemplo:

  • Registar os episódios que ocorrem, anotando o dia, hora e a situação que aconteceu, se necessário gravando conversas;
  • Conversar com as pessoas que rodeiam sobre o que está a acontecer;
  • Evitar estar a sós com o agressor, não só para se proteger dos atos de assédio sexual, mas também para conseguir ter testemunhas;
  • Guardar outros tipos de provas como e-mails trocados, registos restrições como férias adiadas ou restrições financeiras.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.