Body positivity: a autoaceitação do corpo

Body positivity

Os movimentos de body positivity têm vindo a surgir e proliferar nos últimos anos, e parecem surgir como resposta a uma necessidade: a de aprendermos a aceitar e acolher o nosso corpo.

De facto, com a existência de padrões de beleza corporal cada vez mais exigentes e difundidos pelos vários meios de comunicação social e pelas redes sociais, a autoimagem e a autoestima das pessoas – sobretudo das mulheres – sofre um impacto nefasto. Para minimizar esse impacto e sugerir uma alternativa, os movimentos de body positivity advogam a autoaceitação.

Neste artigo, exploraremos em maior detalhe o que é o body positivity e como promover a autoaceitação do corpo e da imagem corporal.

O que é o “body positivity” e como surgiu?

O movimento body positivity pode ser definido como um movimento que incentiva à autoaceitação, questionando e contrariando a ideia de um padrão de beleza, de um corpo ideal imposto pela sociedade. Assim, o body positivity é um movimento social que se foca na aceitação de todos os corpos, independentemente do peso, forma, tom de pele, género ou capacidades físicas.

O movimento surgiu há já alguns anos e, como tal, tem vindo a sofrer mudanças com o decorrer do tempo. Tem também vindo a ganhar uma maior visibilidade, para a qual em muito contribuem as redes sociais e o mundo digital.

Uma das origens do movimento de body positivity é apontada a Bill Fabrey, que, motivado pela indignação que sentia pela forma como a sociedade tratava a sua mulher com excesso de peso, formou o National Association to Advance Fat Acceptance (NAAFA). Com os anos, outros movimentos foram surgindo, procurando lutar contra a discriminação existente face a corpos não-normativos, ou seja, que de alguma forma não se enquadram no ideal de corpo ideal preconizado pela sociedade.

De facto, a existência de normas e rígidos padrões sociais no que diz respeito a beleza e imagem corporal é inegável. As redes sociais vieram agravar substancialmente esta pressão para ter um corpo magro, atlético, sem gorduras ou imperfeições aparentes.

É também inquestionável o impacto que estes padrões irrealistas acabam por ter, nomeadamente a nível da saúde mental, levando a problemas como perturbações do comportamento alimentar, depressão ou dismorfia corporal.

Todo este panorama criou o terreno fértil para a necessidade de movimentos como o body positivity, dada a importância de lutar contra estes ideias de beleza irrealistas e reverter ou minimizar as suas consequências.

Como se concretiza na prática o body positivity?

Em termos coletivos e sociais, o movimento do body positivity concretiza-se por diversas iniciativas e também pela passagem de mensagens mais inclusivas. A inclusão, por exemplo, de modelos com corpos distintos do habitual padrão de beleza, por parte de diversas marcas na indústria da moda, é um exemplo. Outro exemplo é a existência de ativistas body-positive, que procuram passar mensagens de autoaceitação e fomentar e promover a inclusão e a representatividade de todos os corpos.

No entanto, estes são apenas alguns exemplos mais visíveis. É importante ver o movimento de body positivity em toda a sua abrangência, para que o seu propósito não se torne demasiado restrito, já que o objetivo é a inclusão e respeito pela diversidade.

Quais os princípios do body positivity?

O movimento body positivity defende alguns princípios e ideias importantes, tais como:

  • Que a aparência dos corpos, o seu tamanho, forma, género, raça ou grau de incapacidade são formas de colocar os corpos numa hierarquia de poder e atratividade, e que isso deve ser mudado, devendo ser contrariada esta hierarquia;
  • Que o valor ou validade do nosso corpo não deve ser medido pela sua aparência e pelo cumprimento de determinadas normas sociais em termos estéticos;
  • Que devemos combater todas e quaisquer formas de body shaming, ou seja, de criticar, insultar ou discriminar alguém devido à sua imagem corporal;
  • Que todos os corpos são válidos e a sua existência deve ser igualmente reconhecida e validada;
  • Que devemos lutar contra ideais corporais irrealistas e promover a representatividade de diferentes tipos de corpos, promovendo a autoaceitação e construção de uma imagem corporal e autoestima mais saudáveis;
  • Que devemos olhar e encarar o nosso corpo mais a partir da sua funcionalidade – da forma como ele funciona, daquilo que ele nos permite fazer – e menos a partir da estética. Porque o corpo não é um “quadro” para ser observado, mas sim uma máquina maravilhosa e incrivelmente desenhada e coordenada para nos permitir viver e fazer todas as coisas que são importantes para nós e que nos trazem prazer e felicidade.
  • Que não nos devemos avaliar apenas pela nossa imagem corporal e pelo nosso corpo. Ainda que possamos não gostar de determinadas características do nosso corpo, devemos saber que somos mais do que um corpo e que a nossa identidade não é apenas corporal, pelo que a nossa autoavaliação não se deve basear apenas na imagem corporal.

A quem se destina o body positivity?

Autoaceitação do corpo
A autoaceitação do corpo não se prende apenas com o excesso de peso

Por vezes pode existir a ideia errada de que o body positivity se destina e serve pessoas com excesso de peso, sobretudo mulheres. No entanto, o body positivity é muito mais abrangente do que isso, na medida em que ele assenta na inclusividade, representatividade e autoaceitação. E isto são valores e princípios que se querem universais.

Assim, o body positivity é universal e não tem género, pretende incentivar a representatividade em termos de corpos, e fomentar o amor-próprio, permitindo atestar a validade de todas as pessoas e a possibilidade de aceitarem o seu corpo, independentemente do seu tamanho e das suas características.

Embora muitas vezes o movimento de body positivity se foque mais nas mulheres, por os padrões de beleza incidirem mais e colocarem mais pressão nas mulheres, o movimento não é apenas feminino nem beneficia só mulheres. Na verdade, os homens também enfrentam pressões sociais no que diz respeito ao corpo e à imagem corporal. Também existe uma imagem idealizada do que deve ser o corpo masculino “ideal”: musculado, forte, tonificado. Este padrão e ideal social pode criar pressão nos homens para manterem determinada forma corporal e, pela ansiedade que causa, pode levar a problemas como ansiedade, perturbações do comportamento alimentar ou dismorfia corporal.

Desconstruir mitos sobre o body positivity

O movimento do body positivity, apesar de todos os elogios e divulgação que recebe, também recebe muitas vezes críticas que, geralmente, se baseiam em mitos e ideias erradas acerca do mesmo. Vamos então desconstruir alguns destes mitos:

  • Body positivity ou autoaceitação não é o mesmo que elogio da obesidade – a autoaceitação preconiza que a pessoa não deixa de ser válida apenas porque tem excesso de peso, o que não é o mesmo que dizer que ela deve manter-se obesa. Mas sim que, independentemente do corpo que tem, não é menos válida e merecedora de respeito. Assim, autoaceitação não significa negligenciar a saúde nem elogiar comportamentos de risco para a saúde;
  • Body positivity ou autoaceitação não é o mesmo que conformismo – aceitar o corpo não significa que não se possa mudá-lo, não significa que seja errado emagrecer, querer perder peso ou alterar qualquer outra característica da imagem corporal ou forma física. O movimento de body positivity defende que cada um pode e deve ter a liberdade de gerir e cuidar do seu corpo da forma que quiser. No entanto, que o nosso corpo merece respeito e aceitação independentemente da sua forma. E que podemos cuidar do corpo porque gostamos dele, e não porque o odiamos. 
  • Body positivity não é só sobre peso e forma – também é sobre aceitação de corpos com diversidade funcional, da existência de imperfeições, da possibilidade de cada pessoa decidir livremente sobre o seu corpo e sobre questões como a menstruação ou os pelos corporais.
  • Body positivity não implica, necessariamente, gostar do corpo ou achar que ele é perfeito, mas sim ser capaz de o aceitar e ser capaz de se ver a si mesmo, como indivíduo, para além do corpo. No fundo, é não determinarmos e cingirmos o nosso valor próprio e tudo o que somos com base apenas no nosso aspeto ou imagem corporal.

Que impacto pode o body positivity ter?

Está claramente demonstrado, de forma inequívoca, que os padrões irrealistas de corpo e a ditadura da beleza têm um impacto no bem-estar e na saúde mental das pessoas. A perceção que a pessoa tem do seu corpo pode influenciar significativamente a sua saúde mental e o bem-estar geral, e isto é mais acentuado ainda em adolescentes.

A insatisfação com o corpo e com a imagem corporal está ligada a problemas como a anorexia, a bulimia, a depressão, a ansiedade ou a dismorfia corporal.

A autoaceitação é o movimento contrário ao da insatisfação com o corpo. Envolve um trabalho interno de autoconhecimento e de autoaceitação, que em muito é influenciado pela sociedade em que vivemos e pelas mensagens que dela recebemos.

Por isso, a existência de movimentos de body positivity pode ser muito importante para promover uma melhor autoaceitação. A autoaceitação tem um impacto importante no nosso bem-estar e equilíbrio psicológico.

Como trabalhar a autoaceitação e ser mais body-positive?

Compreendido o movimento do body positivity e a importância da autoaceitação, pode estar a questionar-se: mas como faço isto? É uma questão legítima já que, de facto, todos acabamos por estar de alguma forma sujeitos à pressão social das ideias de beleza e é difícil aceitarmos e celebrarmos o nosso corpo – ou conseguirmos estar bem connosco para além dele.

Apresentamos, então, algumas dicas que podem ajudar a trabalhar a autoaceitação e a ser mais body-positive:

  • Trabalhar e investir no autoconhecimento – conhecermo-nos bem a nós próprios permite-nos ter uma visão mais realista, abrangente e completa de quem somos, do que gostamos, do que nos faz felizes… Esta informação é poderosa e fundamental para podermos promover a nossa autoaceitação e melhorar a nossa autoestima. Afinal, não posso aceitar e gostar de alguém que não conheço;
  • Ver o corpo como um todo, em vez de olhá-lo apenas pelas partes. Isto significa ter em conta as suas características distintivas, aquilo que gostamos mais ou menos, não havendo um foco exclusivo ou excessivo nas imperfeições e em pormenores. Olhe-se e observe-se sem se deter apenas na celulite, na marca ou imperfeição na barriga, etc;
  • Compreender as raízes da insatisfação, analisando o porquê da mesma: tem a ver com as expectativas sociais, aquilo que vejo nos outros? Tem a ver com o que acho que devo ser e aparentar? Ou tem a ver com aspetos do meu corpo que gostaria de facto de melhorar porque iria impactar no meu bem-estar e saúde? Compreender melhor as raízes da insatisfação permite-nos perceber se há aspetos do nosso corpo que possamos ter de trabalhar e cuidar melhor, ou se se trata mais de crenças e pensamentos que precisamos de modificar;
  • Compreender os truques e as distorções da nossa mente. Muitas vezes, a forma como processamos a informação e a realidade é enviesada de acordo com os nossos medos, receios e com as crenças que construímos ao longo da nossa vida. É importante analisarmos e desconstruirmos alguns dos nossos pensamentos – por exemplo, quando achamos que as outras pessoas nos veem de determinada maneira, ou que quando olham para nós reparam na celulite ou em determinada imperfeição, isso trata-se de uma distorção chamada “leitura da mente”. É a crença de que sabemos o que os outros estão a pensar. Na verdade, quando analisamos logicamente, percebemos que as pessoas nos veem de forma mais holística e não tanto detida em pormenores. Além disso, geralmente as pessoas estão mais focadas e preocupadas com elas próprias do que com as imperfeições dos outros;
  • Aprender a avaliarmo-nos não apenas a partir da imagem corporal. Perceber que somos um todo, que a nossa identidade tem diversas dimensões, e que não somos apenas o nosso corpo, nem é ele que determina o nosso valor, a nossa capacidade, a nossa felicidade. Questione-se: por que motivo as pessoas que ama gostam de si? Será que é pelo seu corpo? Quais são as coisas que mais o fazem feliz? Se emagrecesse ou engordasse 10 quilos, essas coisas iriam mudar? Iriam deixar de existir ou de o fazer feliz? O que é que gostaria que dissessem sobre si quando o recordassem? O seu corpo tem alguma influência nisso?
  • Aprender a olhar o corpo além da parte estética, focando-nos sobretudo na sua funcionalidade. É o corpo que nos permite fazer todas as coisas de que gostamos – abraçar, beijar, ouvir música, comer, fazer amor, aprender… É ele que nos permite respirar, sentir, enfim, viver. Ele é uma máquina incrível e maravilhosa, não um quadro para ser observado de forma estática e passiva!
  • Mudar o diálogo interno e ser mais compassivo e compreensivo consigo próprio. Da próxima vez que se criticar, pense no que diria a um amigo. Tratá-lo-ia dessa maneira? Reformule o seu diálogo interno e fale consigo mesmo como falaria com alguém de quem gosta;
  • Evitar comparações com outras pessoas, perceber que cada pessoa é única, que os nossos corpos têm características únicas e inigualáveis. Por mais que tentemos, nunca vamos ter o corpo igual ao de outra pessoa, uma vez que temos características metabólicas, genéticas, etc.;
  • Dissociar imagem corporal de valor moral ou competência. A pessoa que tem excesso de peso não é necessariamente preguiçosa ou com falta de força de vontade. Há inúmeros fatores que determinam a forma corporal ou o peso de alguém – desde fatores psicológicos e emocionais a fatores genéticos e metabólicos. Ser magro não é ser moralmente superior e ter um corpo magro não é uma qualidade!
  • Prezar a saúde acima da estética, e focar em ter um corpo saudável, que funciona bem e que nos permite fazer todas aquelas coisas de que falamos anteriormente;
  • Perceber que mudar o corpo não significa necessariamente que vamos gostar mais dele, já que a autoaceitação não depende das alterações físicas, mas sim da nossa interpretação do nosso corpo e da forma como pensamos e sentimos acerca dele;
  • Investir no autocuidado do corpo, nomeadamente através da prática de exercício físico, alimentação equilibrada e variada, hidratação, atividades prazerosas e agradáveis, respiração consciente, sono reparador e descanso, vestir-se da maneira que gosta e que o faz sentir bem…

Lembre-se que só tem um corpo e que, como tal, é importante aprender a aceitá-lo, cuidá-lo e amá-lo.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.