Body shaming: causas, consequências, prevenção e combate

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Atualmente com as preocupações crescentes com a inclusão, e com uma sociedade mais crítica onde os temas relativos à igualdade e à discriminação são mais explorados e debatidos, também o body shaming é uma temática que está na ordem do dia.

A discriminação pode assumir diferentes formas e uma delas diz respeito à imagem corporal e à forma como aceitamos, respeitamos ou, pelo contrário, discriminamos diferentes corpos e formas corporais que se distinguem do padrão de beleza que a sociedade convencionou existir. Neste artigo pretendemos explorar a temática do body shaming, compreender porque é que este fenómeno acontece, as suas consequências e como preveni-lo.

O que é o body shaming?

O body shaming pode ser definido como o conjunto de declarações e atitudes negativas e discriminatórias em relação ao peso, tamanho ou forma do corpo de outra pessoa. Assim, o body shaming constitui uma forma de agressão que envolve a crítica ou a humilhação através de comentários depreciativos relativos à aparência física ou ao corpo.

Estas atitudes podem ser concretizadas em público ou em privado, e podem ser feitas cara-a-cara ou por meios virtuais, como por exemplo as redes sociais. O body shaming também pode ser autoinfligido, quando é a própria pessoa que critica, discrimina e tece comentários negativos sobre o seu próprio corpo. O body shaming afeta tanto homens como mulheres, de todos os tamanhos e formas corporais. Pode ser feito não só por desconhecidos, mas também por colegas, amigos, familiares.

Mesmo compreendendo o que significa, por definição, o body shaming, nem sempre abarcamos toda a complexidade do fenómeno e podemos pensar em situações muito específicas, sem compreender o seu verdadeiro alcance. O body shaming não está apenas em chamarmos gordo(a) a alguém, abrange diversas situações:

  • Comentar aquilo que alguém está a comer ou criticarmos os seus consumos alimentares em função da forma ou peso corporal da pessoa (ex: “não comes? Por isso é que estás um pau de virar tripas!”; “achas mesmo que devias comer esse bolo?”);
  • Criticar as práticas e os hábitos quotidianos da pessoa em função do seu corpo (ex: “devias ir ao ginásio”);
  • Criticar aquilo que a pessoa usa ou veste, por referência ao seu corpo (ex: “não devias vestir essa roupa”; “essa roupa não te favorece”; “não tens corpo para isso”);
  • Desvalorizar outros aspetos e realizações da pessoa em função da sua imagem ou forma corporal. Um exemplo disto é, por exemplo, quando uma figura pública faz alguma aparição para apresentação de um projeto e os primeiros comentários que surgem são sobre o corpo dessa pessoa, praticamente ignorando as ações positivas dela;
  • Afirmar de alguma forma que alguém tem menos valor moral (persistência, motivação…) por ser maior, ter os dentes “tortos”, vestir-se de determinada maneira…
  • Assumir que a forma corporal da pessoa ou o seu corpo de forma geral tem consequências negativas para o seu futuro (ex: “nunca vais arranjar namorado/a assim”);
  • Assumir o estado de saúde da pessoa pela sua forma ou peso corporal (ex: “está tão magra deve estar doente”; “é gorda, não se preocupa com a saúde”).

Muitas vezes as pessoas podem fazer body shaming de uma forma subtil e sem a real consciência de que estão a cometer um ato de agressão que pode prejudicar o outro. Frequentemente a própria família ou amigos da pessoa fazem comentários depreciativos acreditando que o estão a fazer de forma bem-intencionada. Assim, para além de alterar estes comportamentos é necessário, antes de tudo, que exista consciência da sua ocorrência e do seu impacto.

Body shaming e gordofobia

O body shaming não é apenas dirigido a pessoas com um peso mais elevado, no entanto não podemos falar de body shaming sem falar de gordofobia, um fenómeno que surge diretamente associado e que consiste em atitudes preconceituosas explícitas contra gordos. A dificuldade em compreender e “atacar” o fenómeno da gordofobia advém do facto de esta muitas vezes surgir de forma subliminar, ou até mesmo disfarçada de elogio ou preocupação: “tens uma cara tão bonita, se emagrecesses ias ficar mesmo bem!”.

Há de facto, na sociedade atual, um preconceito e intolerância para com as pessoas gordas, que não só é cultivado nos meios de comunicação social como é muitas vezes encorajado por órgãos de saúde pública ou campanhas de publicidade. Quem nunca viu as campanhas de emagrecimento com o antes e o depois, sendo o “antes” representado por uma pessoa gorda com ar abatido e triste? Ou os programas como o Biggest Loser onde as práticas de humilhação e quase tortura são legitimadas para a perda de peso?

Existem formas distintas e diferentes expressões da gordofobia:

  • Criticar as escolhas de vida da pessoa e culpabilizá-la por ser gorda;
  • Assumir o excesso de peso como um erro, pecado ou crime;
  • Não existirem recursos adequados para as pessoas com tamanho maior, desde os assentos dos aviões à roupa disponível nas lojas.

Frequentemente há um assumir que o peso é totalmente controlável e, consequentemente, também a aparência ou forma corporal. É necessário entender que o excesso de peso não tem necessariamente que ver com comer demasiado ou comer mal, sendo que inúmeros fatores podem contribuir para isso, desde as condições socioeconómicas, a genética, problemas de saúde mental, desequilíbrio hormonal, medicamentos… Enfim, há uma multiplicidade de fatores que definem a forma e o peso corporal de alguém, já para não falarmos do fator fundamental, que é a escolha de cada um sobre como quer ser e que aparência quer ter.

Também há o mito de que as pessoas gordas não são saudáveis. Mais uma vez, excesso de peso não é necessariamente sinónimo de uma alimentação pouco saudável nem de hábitos de vida pouco saudáveis como o sedentarismo. Teremos pessoas aparentemente magras que serão mais sedentárias e com pior alimentação do que pessoas gordas, assim como pessoas gordas que apresentam um bom estado de saúde global. A questão do ser ou não saudável e do peso como fator controlável leva também muitas vezes ao fenómeno de atribuir às pessoas gordas características morais negativas, como a falta de motivação ou persistência ou a falta de preocupação com a saúde.

Esta questão da saúde faz referência também a um outro fenómeno, que é a gordofobia médica. A gordofobia médica diz respeito à discriminação existente por parte dos profissionais de saúde face às pessoas gordas. É algo frequente pessoas gordas não receberem o tratamento adequado ou a avaliação médica adequada, porque quando apresentam alguma queixa de saúde automaticamente há uma atribuição do problema ao seu excesso de peso. No limite há mesmo situações em que os profissionais não prescrevem qualquer tipo de exame e mandam a pessoa simplesmente perder peso ou fundamentam o problema de saúde no excesso de peso sem evidências adequadas para tal.

Porque é que o body shaming acontece?

body shaming significado
O body shaming tem consequências nefastas para a saúde mental e psicológica

O body shaming surge, sobretudo, da existência de um padrão social e cultural de beleza e daquilo que o corpo deve ou não ser. Vemos com muita frequência determinados padrões corporais na televisão e outros meios de comunicação social, que acabam por definir e transmitir a mensagem de que existe um “corpo perfeito” ou um padrão corporal que devemos tentar alcançar como forma de integração e aceitação na sociedade. Isto conduz a uma hiper consciencialização do próprio corpo e a constantes comparações do nosso corpo e do corpo dos outros com o padrão e o ideal corporal.

Esta dinâmica social conduziu a sentimentos cada vez mais frequentes de vergonha perante o próprio corpo, bem como a uma preocupação excessiva relativamente à forma e à imagem corporal.

O advento da internet e das redes sociais também abriu mais espaço para práticas como o body shaming. Se antes acabávamos por não expressar determinadas opiniões e críticas, a possibilidade de o podermos fazer “escondidos” atrás de um perfil na internet possibilita e dá aso a esse tipo de comportamentos. Além disso, a internet e as redes sociais também trazem uma maior exposição e práticas como o uso de edição e Photoshop que reforçam o padrão de beleza ideal e do “corpo perfeito”.

O body shaming não afeta só quem de forma mais evidente se afasta de algum aspeto do padrão corporal ideal. Não é só o ser demasiado gorda ou demasiado magra, também o ser demasiado sexy pode ser alvo de body shaming. O ser demasiado provocadora. A pele deve ser perfeita, sem borbulhas, os dentes alinhados e brancos, os pelos inexistentes, o bronze no ponto… A pressão constante para atingir o corpo e a imagem ideais criam um terreno fértil para o body shaming.

Basta observarmos os anúncios que surgem nas redes sociais e um pouco por todo o lado, para atingir o corpo ideal, estar em excelente forma física, preparar para o “corpo de verão”, conseguir o “corpo de sonho”, tratamentos que prometem milagres para a pele e que se identificam como verdadeiros super-heróis na batalha contra o envelhecimento.

Quais as consequências do body shaming?

O body shaming pode ter consequências nefastas para a saúde mental e psicológica, expressando-se em questões como a baixa autoestima, a preocupação excessiva com determinadas partes do corpo, a depressão ou a ansiedade, o isolamento social, bem como o aumento do risco de desenvolver perturbações do comportamento alimentar tais como a anorexia ou a bulimia. O body shaming gera sentimentos de vergonha, inferiorização, constrangimento, desconforto…

Para além das mais óbvias consequências emocionais e psicológicas, o body shaming e a gordofobia escondem consequências altamente nefastas e perigosas. Um exemplo disto é Ellen Bennett, uma mulher de 64 anos que nos últimos anos procurou ajuda médica por diversas vezes, tendo-lhe sido sempre indicada apenas a perda de peso. Ellen foi mais tarde diagnosticada com um cancro já em fase avançada, que a levou à morte. Este é um exemplo extremo, mas não raro, das consequências mais graves do body shaming.

Não devemos ainda esquecer que o body shaming coloca-nos e mantém-nos numa sociedade opressora e repressora, que deteriora a saúde mental e nos leva a atentar contra a nossa própria saúde, de formas diversas, em nome do “corpo perfeito”.

Como prevenir e combater o body shaming?

A primeira forma de combater o body shaming é assumir que este não é, em nenhuma forma, aceitável ou legítimo. Em suma, é não aceitar este tipo de prática e não permitir que ela seja levada a cabo. Isto deve ser uma missão individual, de cada um de nós, mas também da sociedade como um todo e dos diversos organismos sociais.

A escola não deve permitir práticas de body shaming, os locais de trabalho não devem permitir que este aconteça, o governo deve assumir também a responsabilidade para a criação de políticas promotoras de inclusão e contra a discriminação de qualquer tipo.

Depois, individualmente todos podemos alterar os nossos comportamentos e atitudes para contribuirmos para a abolição de fenómenos como o body shaming. Algumas das coisas que podemos fazer para não nos tornarmos perpetuadores ou vítimas deste tipo de comportamentos:

  • Simplesmente não falar do corpo do outro – na dúvida, é preferível não falar. Na verdade, qual é a utilidade ou o propósito de tecermos comentários ao corpo de alguém? De que forma é que isso é necessário ou sequer lógico? O corpo é de cada um, e abstermo-nos de tecer comentários a corpos alheios é um passo muito simples e importante;
  • Sempre que quiser comentar o corpo de outra pessoa, imagine que esse mesmo comentário é dirigido a si, e procure perceber de que forma o encararia e como se sentiria;
  • Repensar os elogios – mesmo que teçamos comentários que acreditamos ser um elogio, isto também pode, por vezes, ser problemático. Isto porque um elogio esconde na face oposta que o contrário desse elogio seria um defeito. Por exemplo, imaginemos que comentamos “que corpo fantástico depois de ser mãe! Parabéns!”. Inadvertidamente estamos a tecer uma crítica subtil e indireta a todas as mães que não readquirem um “corpo fantástico”;
  • Perceber que a aparência não é algo pelo qual se deva ter mérito ou descrédito. Devemos elogiar as pessoas pelos seus feitos e ações, e não pela sua aparência, e o mesmo se aplica para as críticas;
  • Mudar o olhar sobre o corpo das pessoas – muitos dos comentários que tecemos são fruto dos nossos próprios preconceitos e crenças acerca da aparência e do corpo. Aprenda a observar as pessoas a partir de um critério de variedade e diversidade e não partindo de um padrão específico e único;
  • Não permitir que outras pessoas critiquem ou teçam comentários sobre o seu corpo, mesmo que ache que não o fazem por mal ou que não têm má intenção. Não precisa de responder de forma rude ou agressiva, simplesmente explique à pessoa porque é que esse comentário não é o mais apropriado;
  • Respeite e aprecie o seu próprio corpo – compreenda que o seu corpo tem valor e lhe permite viver, trabalhar e fazer todas as atividades de gosta e das quais retira prazer. Sem ele estaria limitado/a. O corpo não é apenas um elemento estético nem tem de corresponder a padrões específicos. Os corpos são variados e dependem de inúmeros fatores, é impossível duas pessoas terem corpos iguais. Por isso, aceite o seu corpo com as suas imperfeições e aspetos bonitos, valorize o seu corpo para além daquilo que vê refletido no espelho;
  • Questione os ideias de beleza existentes por detrás da relação com o seu corpo e evite comparar-se com outras pessoas, percebendo que cada corpo é único e se transforma ao longo do tempo;
  • Tenha cuidado com as redes sociais, com as pessoas que segue e com as comparações que estabelece. Seja mais seletivo/a com os conteúdos que consome nas redes sociais, deixe de seguir páginas com as quais não se identifica ou que preconizam ideais que não defenda. Aquilo de que nos rodeamos e os estímulos a que estamos expostos têm influência direta em nós, pelo que expor-se a estímulos e envolver-se num contexto de maior diversidade pode ser útil;
  • Invista no autocuidado, cuidando de si e do seu bem-estar, bem como do seu corpo, mas porque gosta dele, e não porque não gosta;
  • Saber distinguir entre hábitos alimentares saudáveis e diversificados e privação ou envolver-se em dietas restritivas que não são saudáveis;
  • Fale e, se necessário, procure ajuda. Não se isole, falar com alguém em quem confia pode ajudar bastante e incrementar a sensação de compreensão e aceitação. Se se sentir mal e perceber que a sua autoestima e bem-estar emocional estão afetados, procure ajuda de um psicólogo.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.