Vigorexia: o que é, causas, consequências e tratamento

vigorexia

A vigorexia é à partida um conceito pouco familiar, no entanto, se a palavra nos soa estranha ou incomum, o fenómeno é cada vez mais comum e encontramo-lo com bastante regularidade. Quem não conhece casos de pessoas obcecadas com o culto do corpo? Sempre à procura da próxima substância milagrosa que vai ajudar a obter os desejados músculos? Ou com um cuidado extremo com a alimentação? A vigorexia diz respeito um pouco a tudo isto.

Neste artigo pretendemos explorar o que é a vigorexia, porque acontece e quais as formas de prevenção e intervenção. Boa leitura!

O que é a vigorexia?

A vigorexia, ou dismorfia muscular, pode ser entendida como uma preocupação excessiva com o corpo, especificamente com o índice de gordura ou de massa gorda, que leva a comportamentos compulsivos e excessivos relacionados com o exercício físico, a alimentação e a toma de suplementos ou outras substâncias com o objetivo de diminuir a gordura do corpo. É um distúrbio que ocorre essencialmente nos homens.

A vigorexia está, assim, associada a um problema relacionado com a autoavaliação da imagem corporal, que pode ocorrer de três maneiras distintas: a pessoa pensa em extremos relacionados à sua aparência física ou é muito crítica em relação à mesma; a pessoa compara-se, em termos de aparência corporal, com os padrões extremos e rígidos da sociedade; a pessoa concentra-se obsessivamente num aspeto da sua aparência.

A vigorexia também é por vezes denominada como dismorfia muscular ou anorexia nervosa reversa. É considerada uma desordem dismórfica corporal, enquadrando-se assim nos transtornos dismórficos corporais. A vigorexia caracteriza-se essencialmente por uma preocupação acentuada em não ser suficientemente forte ou musculado em todas as partes do corpo.

Os homens que sofrem com este transtorno têm tendência para se descreverem como “fracos” ou “pequenos”, embora na realidade apresentem até uma musculatura desenvolvida algo acima da média. Como tal, verifica-se uma distorção da imagem corporal. Há uma preocupação acentuada e excessiva com a massa muscular, procurando atingir o mais possível um índice de massa muscular elevado e um índice de massa gorda baixo ou nulo.

Isso leva à adoção de comportamentos variados como prática excessiva de exercícios de musculação, adoção de dietas hiperproteicas, hiperglicídicas e hipolipídicas (aumentando o consumo de proteína e diminuindo o consumo de gordura), à toma indiscriminada de suplementos proteicos e ao consumo de esteroides anabolizantes.

Apesar de podermos pensar que os homens afetados por este transtorno praticarão exercício físico em excesso, seja de que tipo for, na realidade muitas vezes verifica-se que estes evitavam determinadas atividades físicas, como por exemplo aeróbicas, com medo de perder massa muscular. Ao invés, optam por praticar de forma quase exclusiva musculação.

Muitas vezes a prática desportiva é tão excessiva neste tipo de transtorno que é por vezes equiparada a uma espécie de fanatismo, uma vez que se caracteriza por pensamentos excessivos e obsessivos com o exercício físico, bem como a prática dos mesmos sem consideração das eventuais consequências e lesões para o corpo.

Por existir uma distorção da imagem corporal e uma consequente insatisfação com a mesma, muitas vezes há problemas em expor o corpo, que se revela na utilização de várias camadas de roupa, evitar ir à praia, etc.

Por ser um fenómeno relativamente recente, a vigorexia ainda não configura como doença nos manuais diagnósticos, o que pode dificultar o seu diagnóstico e avaliação objetiva.

Porque é que a vigorexia acontece?

Atualmente verifica-se um interesse crescente pelo desporto, alimentação, saúde e fitness. Há uma proliferação sem precedentes de informação neste sentido, de conteúdos fitness nas redes sociais, de dicas de como comer e como se exercitar, com vista ao corpo ideal. A pressão social para o atingimento de um determinado padrão de beleza é constante e crescente.

Como sabemos, os padrões de beleza vão-se alterando ao longo do tempo e conforme as mudanças observadas na sociedade. Houve tempos em que a “gordura” era sinal de formusura, em que o corpo ideal para a mulher era um corpo voluptuoso e curvilíneo. Passou-se depois, de forma progressiva e crescente, para o ideal da magreza. Hoje em dia, assistimos a um fenómeno em que já não basta ser magro, tem de se estar em forma, essa magreza aparente tem de refletir um corpo tonificado e sem ponta de gordura.

Para além disso, estes padrões que afetavam, e continuam a afetar, sobretudo as mulheres, também se vão agora estendendo aos homens. Aqui o padrão ideal parece ser o de um corpo tonificado e musculado. Isto leva muitos homens a procurarem regimes dietéticos e suplementos nutricionais com vista a atingir uma melhor imagem corporal.

Assim, a sociedade atual exerce uma forte pressão acerca da estrutura e forma corporal ideal, quer para homens quer para mulheres. Estes padrões são muitas vezes proliferados pelos meios de comunicação social, e parece existir uma associação entre o padrão corporal ideal e a felicidade ou bem-estar. Para os homens este padrão diz respeito aos músculos desenvolvidos, a um corpo forte e que reflita “horas de treino no ginásio”.

No entanto, na procura por corresponder e encaixar nestes padrões sociais, esquecemo-nos muitas vezes de que moldar o nosso corpo a determinada forma não depende apenas do que comemos e de que como nos exercitamos.

O nosso organismo é influenciado pelos mais diversos fatores, hormonais, morfológicos, etc. Isto significa que o nosso corpo é moldável apenas a ele mesmo, nunca podendo vir a ser exatamente igual ao de outra pessoa ou àquilo que consideramos ideal. Isto leva a que, muitas vezes, vendo que o treino por si só não funciona, se recorra ao uso de esteroides anabolizantes e possam instalar-se situações de dependência.

Que fatores interferem na vigorexia?

Podemos identificar diferentes fatores que têm um papel importante na vigorexia, bem como ajudar-nos a identificar eventuais grupos de risco.

Um dos fatores óbvio e que já foi acima explorado tem a ver com a influência e a pressão social existente relativamente à forma corporal. A sociedade coloca uma ênfase cada vez maior na estética, no que é belo e deve ser almejado, existindo um padrão altamente rígido quanto ao ideal corporal.

Os assuntos e temas relativos a dietas, exercício físico, suplementos alimentares, cirurgias plásticas, entre outros, proliferam por todo o lado. Se refletir bem, é difícil que passe um dia sem ouvir algum destes temas, seja nas redes sociais, no trabalho, nos transportes públicos, na praia… Assim, a influência social é sem dúvida um fator de peso na vigorexia. Isto significa que quanto mais expostos estamos e quanto mais influenciados somos por esta pressão social, maior o risco de desenvolvermos um transtorno como a vigorexia.

Por outro lado, a baixa autoestima será um fator de risco para o desenvolvimento da vigorexia. A autoestima é desenvolvida mediante as nossas experiências de vida e características inerentes à nossa própria personalidade. Quanto mais baixa for a autoestima do indivíduo, mais provável será que a influência social interfira com a sua imagem corporal e possa conduzir a um transtorno como a vigorexia.

Outra característica de personalidade associada à vigorexia é o perfeccionismo. Pessoas perfeccionistas têm tendência a ser rígidas consigo próprias e a querer atingir padrões muitas vezes irrealistas, o que também se pode aplicar à imagem corporal. Na tentativa de atingir um corpo musculado, qualquer progresso nunca será o suficiente, querendo-se sempre mais por forma a atingir aquilo que a pessoa considera a “perfeição”.

A vigorexia afeta sobretudo homens entre os 18 anos e os 35 anos. Também pode ser observada em mulheres, embora seja mais rara. Ocorre mais frequentemente na classe média-baixa, mas também se verifica um pouco por todas as classes socioeconómicas.

Fatores cognitivos, contextuais e comportamentais, bem como o estado emocional e psicológico, podem tornar o indivíduo mais propenso a desenvolver um quadro de vigorexia.

A nível cognitivo, crenças associadas à importância da forma corporal e o impacto excessivo da forma corporal na autoavaliação pessoal estão associadas a um maior risco de desenvolver vigorexia.

A nível do contexto, atletas e pessoas que estão mais expostas às pressões sociais para ter uma figura corporal musculada terão também um risco mais acentuado. Por exemplo, no fisiculturismo os atletas dividem-se por categorias em termos de peso corporal, levando a uma pressão acrescida para utilizar formas de manter o peso corporal, para além de haver um claro julgamento pela aparência. Formas de controlar o peso corporal podem incluir manipulação da ingestão calórica, uso de medicamentos diuréticos, uso de suplementos ou agentes ergogénicos, como os esteroides anabolizantes.

Comportamentos demasiado perfeccionistas, minuciosos e obsessivos elevam também o risco de desenvolver um quadro de vigorexia. Os complexos com o corpo, a procura incessante pelo corpo ideal, acompanhado por estados emocionais desequilibrados e atitudes repetitivas e compulsivas conduzem ao estabelecimento da vigorexia.

Quais as consequências da vigorexia?

A vigorexia pode conduzir a consequências diversas, em vários domínios. A nível psicológico, o transtorno leva com alguma frequência a um estado depressivo ou a problemas de ansiedade, o que por sua vez causa disrupção a nível funcional, com problemas no trabalho e nas relações sociais. Muitas vezes os indivíduos com um quadro de vigorexia podem perder o emprego e apresentar problemas nos seus relacionamentos.

A nível de saúde física, muitas das consequências podem advir do uso de esteroides anabolizantes. Estes são derivados sintéticos da hormona masculina testosterona. O seu uso continuado e excessivo pode conduzir a consequências físicas, mas também psiquiátricas, considerando a forte influência que as hormonas têm no humor e funcionamento psíquico.

A nível físico verifica-se um maior risco de desenvolver problemas como hipertensão arterial, hipertrofia prostática, doenças coronárias, problemas sexuais como disfunção erétil, atrofia testicular, atrofia mamária, alterações na voz, alterações no desejo sexual, acne, aumento da incidência de aterosclerose, aumento da quantidade de pelos corporais. Nas mulheres também se pode verificar hipertrofia do clitóris e amenorreia (ausência de menstruação). A nível de alterações psiquiátricas podem ocorrer sintomas depressivos, hipomania, quadros psicóticos e comportamento agressivo.

A longo prazo o consumo excessivo de anabolizantes pode provocar prejuízos na massa muscular. A libertação de endorfina também pode conduzir a inibição da sensação de dor e também ao cansaço extremo, devido ao exercício físico prolongado e intensivo. O excesso de exercício físico pode levar a uma dependência, pois quanto maior a quantidade de endorfina libertada, maior a necessidade que a pessoa tem de obter a mesma sensação de prazer.

Para além disto, o levantamento de pesos pode levar a sobrecarga nos tendões, músculos, articulações e tendões.

A dieta inadequada que muitas vezes as pessoas com vigorexia levam a cabo, bem como o consumo excessivo de suplementos, pode levar a transtornos metabólicos, afetando sobretudo os rins, os níveis de colesterol e a taxa de glicemia.

Qual o tratamento para a vigorexia?

Uma vez que a vigorexia ainda não está estabelecida como doença, os tratamentos também ainda carecem de validação e definição de um protocolo específico. Até ao momento são utilizadas práticas de intervenção usadas noutros transtornos alimentares e transtornos dismórficos corporais.

Um dos principais entraves ao tratamento é o facto de os indivíduos com vigorexia raramente procurarem tratamento por vontade própria, devido à fobia intensa que têm em perder massa muscular e alterar a sua forma corporal.

O tratamento deve incluir equipa multidisciplinar, nomeadamente médico, nutricionista e psicólogo. Também é importante que a nível desportivo, principalmente com atletas, possa haver um acompanhamento adequado por parte de um profissional do desporto com conhecimento na área dos transtornos dismórficos corporais. A nível médico são avaliadas as consequências orgânicas do transtorno e adotadas medidas de tratamento adequadas. A nível nutricional existe uma intervenção ao nível do comportamento alimentar, procurando o ajuste da alimentação de forma saudável e equilibrada. No que diz respeito à intervenção psicológica, é importante a identificação dos padrões de pensamento distorcido relativos à imagem corporal, a identificação de aspetos positivos do corpo e da aparência física, ajudando-se o indivíduo a adotar atitudes, comportamentos e pensamentos mais saudáveis e ajustados, bem como a ultrapassar as dificuldades presentes a nível emocional e da autoestima.

Como prevenir a vigorexia?

Para prevenir este tipo de problemática, em primeiro lugar é necessário estar atento e sensível aos sinais de alerta, quer para si mesmo quer para as pessoas que estão ao seu redor. Este sinais de alerta podem incluir:

  • Estar obcecado com o exercício físico e com a alimentação;
  • Passar demasiado tempo no ginásio e a preparar refeições, tendo pouco tempo para as outras atividades e podendo mesmo abandonar muitas delas;
  • Frustração intensa quando não consegue fazer exercício ou ir treinar;
  • Focar-se excessivamente no levantamento de pesos e fazê-lo de forma excessiva ou por várias horas;
  • Falhar obrigações profissionais ou pessoais importantes para ir treinar;
  • Continuar a treinar e a fazer exercício físico mesmo sentindo dor ou apresentando lesões;
  • Não ser capaz de deixar de ir ao ginásio ou treinar mesmo que tenha algo muito importante;
  • Uso excessivo de suplementos ou abuso de esteroides ou outras substâncias com objetivo de ganhar massa muscular;
  • Alterações de humor;
  • Comentários muito frequentes acerca do próprio corpo, geralmente negativos;
  • Ver-se ao espelho de forma muito frequente e obsessiva, apesar de se esforçar para o não o fazer;
  • Comparação frequente com outras pessoas;
  • Necessidade de validação e aprovação por parte dos outros;
  • Isolamento e afastamento de atividades laborais ou sociais.

Para além da deteção dos sinais de alerta, os nossos comportamentos e atitudes podem ter um papel fundamental na prevenção da vigorexia, bem como de outros transtornos associados à imagem corporal. Alguns dos aspetos importantes a manter e preservar:

  • A aceitação e compreensão da diversidade de corpos e formas corporais;
  • A consciência crítica do que consumimos e do que vemos nos meios de comunicação social, redes socais, etc;
  • A distinção entre padrões e ideais e a realidade;
  • O autoconhecimento e autoconsciência corporal, nomeadamente a capacidade de ouvir e respeitar o corpo, primando pelo autocuidado;
  • A gestão de expectativas, traçando metas saudáveis e com moderação, respeitando e valorizando corpo e mente;
  • O investimento na autoestima, vendo-a como uma dimensão completa que inclui vários domínios e não apenas a aparência física;
  • A limitação de estímulos associados a padrões de beleza irrealistas;
  • A procura por profissionais adequados e devidamente capacitados no que diz respeito à nossa saúde e à prática de exercício físico;
  • O investimento em espaços de atividade física e de saúde inclusivos;
  • A adoção de padrões alimentares e de uma educação alimentar saudável;
  • O autoconhecimento emocional e a capacidade de compreendermos as nossas emoções e o impacto que estas têm na nossa imagem corporal e no nosso comportamento alimentar;
  • A adoção de uma vida preenchida e completa, com fontes de prazer diversificadas, que não se restrinjam apenas ao corpo, com inclusão de momentos de prazer variados no dia-a-dia;
  • O investimento na capacidade de experienciar e viver emoções positivas;
  • A educação baseada nos afetos e na educação emocional.

Diana Pereira

Amante de histórias, gosta de as ouvir e de as contar. Tornou-se Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, pela Universidade do Porto, mas trouxe sempre consigo a escrita no percurso. Preocupada com histórias com finais menos felizes, tirou pós-graduação em Intervenção em Crise, Emergência e Catástrofe. Tornou-se também Formadora certificada, e trabalha como Psicóloga Clínica, com o objetivo de ajudar a construir histórias felizes, promovendo a saúde mental. Alimenta-se de projetos, objetivos e metas. No fundo, sonhos com um plano.