A relação contratual que se estabelece entre a entidade empregadora e o trabalhador é complexa, sendo geradora de um conjunto de direitos e deveres para ambas as partes.
A título de exemplo, referir que, se por um lado, o trabalhador fica obrigado a prestar a atividade acordada, por outro, a entidade patronal fica obrigada ao pagamento da respetiva remuneração. No entanto, a verdade é que os deveres do empregador vão muito além do pagamento do salário.
Tendo isso em consideração, redigimos o presente artigo, onde abordamos os deveres do empregador e procuramos responder a algumas das perguntas mais frequentes sobre este tema, nomeadamente quais são e o que poderá o trabalhador fazer em caso de incumprimento.
Quais os principais deveres do empregador?
Sem prejuízo da liberdade contratual de que as partes gozam na celebração do contrato de trabalho, a legislação laboral, nomeadamente o Código do Trabalho, estabelece um conjunto de deveres basilares. A saber:
- Respeito e urbanidade: a entidade empregadora fica sujeita ao dever de tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, estando expressamente proibidos quaisquer atos que descriminem, lesem, intimidem, hostilizem, humilhem ou afetem a dignidade do trabalhador, como por exemplo o mobbing (assédio);
- Pagamento pontual da retribuição: outro dos deveres do empregador passa pela obrigação de pagar pontualmente o salário ao trabalhador, devendo este ser justo e adequado ao trabalhado prestado;
- Boas condições de trabalho: a entidade patronal deve proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista moral, como físico, devendo, para tal, adotar as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, relativas a segurança e saúde no trabalho;
- Formação profissional: a legislação do trabalho atribui aos trabalhadores o direito a formação contínua, que permitam a elevação da sua produtividade e empregabilidade;
- Autonomia técnica: a entidade empregadora deve respeitar a autonomia técnica de todos os trabalhadores, que exerçam atividade, cuja regulamentação ou deontologia profissional assim o exige (por exemplo: advogados, médicos e engenheiros);
- Representação dos trabalhadores: outro dos deveres da empregadora passa pela obrigatoriedade de respeitar e não obstaculizar o exercício de cargos em estruturas representativas dos trabalhadores;
- Informação e indemnização em caso de acidente de trabalho: o empregador tudo deverá fazer para prevenir os riscos e doenças profissionais, nomeadamente fornecer ao trabalhador a informação e formação adequada e indemnizando dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho;
- Prevenção e combate ao assédio no trabalho: a entidade empregadora está obrigada a adotar um código de conduta para prevenção do assédio laboral, caso tenha mais de sete trabalhadores, bem como a instaurar os procedimentos disciplinares assim que tiver conhecimento de situações de assédio;
- Registo de trabalhadores: o empregador tem de manter atualizado o registo dos trabalhadores, com indicação de nome, datas de nascimento e admissão, modalidade de contrato, categoria, promoções, retribuições, datas de início e termo das férias e faltas que impliquem perda da retribuição ou diminuição de dias de férias.
Em específico, o empregador deve ainda observar o princípio geral da adaptação do trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho monótono ou cadenciado em função do tipo de atividade, e as exigências em matéria de segurança e saúde, designadamente no que se refere a pausas durante o tempo de trabalho.
Existem outros deveres do empregador?
Sim. Além dos deveres do empregador referidos no ponto anterior, esta deve:
- Afixar na empresa a informação relativa aos direitos e deveres do trabalhador, em matéria de igualdade e não discriminação, incluindo os relativos à parentalidade;
- Manter, durante um período de cinco anos, o registo dos processos de recrutamento efetuados, onde constem os seguintes elementos:
- convites para o preenchimento de lugares;
- anúncios de oferta de emprego;
- número de candidaturas para apreciação curricular;
- número de candidatos e presenças em entrevistas de pré-seleção;
- número de candidatos a aguardar ingresso;
- resultados dos testes ou provas de admissão ou seleção.
- Facultar ao trabalhador, após a licença para assistência a filho ou a pessoa com deficiência ou doença crónica, a participação em ações de formação e atualização profissional, de modo a promover a sua reinserção profissional;
- Proceder à avaliação da natureza, do grau e da duração da exposição de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, de modo a determinar potenciais riscos para a sua segurança e saúde e as que possa ter na gravidez ou a amamentação, bem como as medidas que deverão ser tomadas;
- Comunicar à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, no prazo de cinco dias úteis, o motivo da não renovação de contrato de trabalho a termo, sempre que estiver em causa uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante;
- Proporcionar ao trabalhador condições, que favoreçam a conciliação da sua atividade profissional com a sua vida pessoal e familiar, nomeadamente no que concerne à elaboração do horário de trabalho;
- Facilitar ao trabalhador a frequência de curso, bem como de formação técnica ou formação profissional;
- Organizar, na medida das suas possibilidades, os turnos de acordo com os interesses e as preferências manifestados pelos trabalhadores;
- Solicitar parecer prévio à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, no prazo legal, apresentando, para tanto, fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou da impossibilidade de substituir o trabalhador, se este for indispensável, se pretender recusar o pedido de trabalhador ou trabalhadora, com responsabilidades familiares, para prestar atividade em trabalho a tempo parcial ou em horário flexível;
- Solicitar parecer prévio à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, em qualquer modalidade de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental.
Existem proibições ao empregador?
Sim, o Código do Trabalho prevê garantias ao trabalhador que, “a contrario”, são obrigações de omissão ao empregador, ou seja, o que o empregador está proibido de fazer, sob pena de cometer uma contraordenação muito grave:
- Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício;
- Obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho;
- Exercer pressão sobre o trabalhador para que atue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros;
- Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho;
- Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos na lei;
- Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo;
- Ceder trabalhador para utilização de terceiro, salvo nos casos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho;
- Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio ou a pessoa por ele indicada;
- Explorar, com fim lucrativo, cantina, refeitório, economato ou outro estabelecimento diretamente relacionado com o trabalho, para fornecimento de bens ou prestação de serviços aos seus trabalhadores;
- Fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.
Incumprimento dos deveres do empregador
Em caso de incumprimento dos deveres do empregador, a legislação do trabalho confere ao trabalhador o direito de defender os seus interesses e direitos, nomeadamente através das seguintes vias:
- Contacto com a Autoridade para as Condições do Trabalho – o ACT trata-se de um serviço do Estado que visa promover a melhoria das condições de trabalho em todo o território português, através da fiscalização e controlo do cumprimento das normas laborais, que garantem os direitos dos trabalhadores, e, em particular, a promoção da saúde e segurança no trabalho. O trabalhador poderá apresentar uma queixa online, junto desta autoridade, caso os seus direitos não estejam a ser respeitados;
- Recurso à via judicial – Em último recurso, o trabalhador tem à sua disposição a via judicial, ou seja, o acesso aos tribunais do trabalho para assegurar o cumprimento dos seus direitos. A via judicial implica um custo para o trabalhador, dada a necessidade de pagamento das custas processuais e honorários de advogado, a menos que o trabalhador tenha direito a apoio judiciário, o qual poderá ser solicitado junto da Segurança Social.
Por fim, reiterar que no presente artigo abordamos apenas os deveres do empregador previstos no Código do Trabalho, podendo os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho estabelecer outros direitos e deveres.
– artigo redigido com base o disposto no Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009)