Família e trabalho são dois contextos fulcrais na vida de qualquer ser-humano. Ambos coexistem, no entanto, nem sempre de forma pacífica e conciliatória. Com o incremento da competitividade, instabilidade e a globalização do mercado laboral, verifica-se um aumento do atrito entre estes dois contextos.
Assistimos frequentemente em jovens adultos ao conflito interno entre investir na carreira ou na família, como se fossem dois polos opostos e que competem entre si. Será possível conciliar trabalho e família?
Porque é que é tão difícil conciliar?
Para além das razões macro, isto é, a competitividade e o estado global do mercado de trabalho atual, existem outras razões, mais específicas, que conduzem a uma dificuldade em conciliar a vida familiar e profissional.
Por um lado, frequentemente assiste-se a um desconhecimento, por parte dos trabalhadores, acerca da legislação vigente que auxilia a esta conciliação. Há um pressuposto de que o trabalho deve ser privilegiado e de que a família é um entrave ao qual não compete à empresa (pre)ocupar-se. Depois, verifica-se o medo, o medo que o progresso na carreira seja travado porque se pede flexibilidade de horário. De que a desvalorização ou até o despedimento sejam o resultado de sugerir o teletrabalho. De que o trabalho não seja seu se numa entrevista se revela a perspetiva de alargar a família.
A própria sociedade valoriza a quantidade de horas que se passa no trabalho, o sacrifício do trabalhador como mostras da sua competência.
É possível conciliar o trabalho e família?
Podem então estes dois mundos ser conciliados e, se sim, de que forma? Antes de mais, é preciso entender trabalho e família não como esferas opostas, mas sim interligadas e sinergéticas. Como duas faces inseparáveis da mesma moeda. Só desta forma é possível incrementar quer o bem-estar e felicidade dos trabalhadores, quer a produtividade das empresas.
O trabalhador feliz, realizado a nível não só profissional mas também pessoal, que beneficia de estabilidade familiar, também é um trabalhador mais produtivo. Entre as principais vantagens para as empresas de uma adequada política conciliatória de trabalho-família surgem:
- Menos custos ligados à saúde dos trabalhadores;
- Diminuição do absentismo, despedimentos, baixas por doença e da rotatividade laboral;
- Vantagem competitiva para as empresas em termos de capital humano e produtividade;
- Ligação emocional entre os trabalhadores e a empresa, incrementando assim a motivação e conduzindo a uma maior produtividade;
- Valorização da imagem da empresa, tornando-se exemplar no que diz respeito às questões sociais e os valores e práticas da cidadania, tornando-a mais atrativa;
- A longo-prazo, existência de resultados organizacionais positivos, tais como redução de custos e incremento do valor da empresa.
Trabalho e família podem ser sinergias, faces inseparáveis da mesma moeda, de várias formas. Primeiramente, as competências e experiências desenvolvidas num contexto são transferíveis para o outro. A mãe que gere a economia familiar torna-se uma melhor gestora no contexto profissional. O indivíduo que aprende a gerir conflitos familiares dominará melhor os inevitáveis conflitos laborais.
Em segundo lugar, urge entender que mais horas não significam mais produtividade. A produtividade depende mais do bem-estar global do trabalhador e, consequentemente, da sua motivação. Trabalhadores felizes são trabalhadores produtivos. E a felicidade reside para lá das paredes do escritório.
Por fim, é necessário entender o indivíduo na sua idiossincrasia, utilizando os recursos de cada um para a promoção do bem-estar do trabalhador e da empresa. Usar o que cada um tem de melhor implica entender que as nossas potencialidades residem, frequentemente, nos contextos em que nos movemos e nas pessoas que nos rodeiam.
Como conciliar trabalho e família?
Conciliar dois polos que parecem quase opostos é possível. A solução passa pela adoção de um conjunto de medidas e regras pelas empresas, bem como pelas famílias.
O que devem as empresas fazer?
As empresas devem criar mecanismos de suporte que fomentem o equilíbrio trabalho-família que levem em conta que a conciliação entre vida de trabalho e vida pessoal e familiar não é um problema de solução única e universal. Tendo em conta que a vida familiar difere entre indivíduos e entre etapas do ciclo de vida, as medidas para conciliar trabalho e família não devem obedecer a um modelo único e universal. Sugerem-se algumas das principais medidas:
- Flexibilização do tempo e das formas de trabalho (teletrabalho, redução de horário, isenção de horário, horário flexível…);
- Reduzir longas jornadas de trabalho;
- Igualdade de tratamento dos trabalhadores em part-time;
- Garantir proteção contra a discriminação e despedimento em razão do género ou de questões familiares (ex: mulheres grávidas);
- Criação de serviços de apoio à vida familiar (ex: serviços de acolhimento de crianças ou de prestação de cuidados a idosos);
- Criação de bases de dados com todo o tipo de serviços que possam ser úteis aos trabalhadores com filhos (creches, infantários, clínicas…);
- Atividades de lazer, festas, atividades desportivas entre outras com o envolvimento dos trabalhadores e seus familiares;
- Licenças para mães e pais trabalhadores;
- Existência de uma cultura organizacional que reconheça a importância da família;
- Políticas de benefícios sociais (seguros, planos de reforma, etc.);
- Políticas empresariais de apoio profissional ao trabalhador (assessoria e formação ao trabalhador, incluindo aconselhamento legal, financeiro, psicológico ou de carreira);
- Ações de sensibilização e formação dirigidas a empregadores, gestores de recursos humanos, chefias, representantes dos trabalhadores e trabalhadores em geral, no sentido de consciencializar acerca da conciliação da vida familiar e profissional.
O que devem as famílias fazer?
- Informar-se acerca da legislação vigente, particularmente das medidas referentes à conciliação trabalho-família (por exemplo, medidas referentes à parentalidade);
- Conhecer a cultura organizacional da empresa e as suas práticas;
- Evitar a existência de uma constante “conexão” e procurar desligar-se do trabalho após o horário laboral;
- Procurar gerir de forma mais equitativa e equilibrada as tarefas domésticas e outras tarefas referentes à vida familiar (pedir ajuda, dividir as tarefas, priorizar as tarefas mais importantes, delegar);
- Planear e gerir o tempo de forma antecipada e organizada (por exemplo, organizar as compras e as refeições da semana num dia em que tenha mais tempo livre, registar em casa as tarefas prioritárias da semana e fazer uma divisão dessas tarefas);
- Partilhar com a família as suas preocupações e aspirações referentes ao contexto profissional;
- Tomar decisões conjuntas no que diz respeito a alterações profissionais que possam impactar a vida familiar (ex: aceitar uma promoção ou uma transferência, mudar de emprego, etc.);
- Ser empático e apoiante para com os seus familiares;
- Primar pelo tempo de qualidade nas relações com os outros, desligando-se de possíveis distrações;
- Definir o tempo em família como uma “prioridade na agenda”, podendo mesmo marcar no calendário dias ou eventos regulares para passar tempo com a família. Se não desrespeita o que a agenda lhe diz quando se trata de trabalho, também não a deve desrespeitar quando se trata da família;
- Dialogar com as chefias e procurar soluções conciliatórias desde o início;
- Procurar um emprego que se adeque ao seu perfil e às suas aspirações e objetivos, quer pessoais quer profissionais.
O que diz a lei?
A Constituição da República Portuguesa e o Código do Trabalho determinam que o trabalhador tem direito à organização do trabalho em condições socialmente dignas, de forma a permitir a conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar. A proteção na parentalidade (maternidade e paternidade) é, porventura, um dos melhores exemplos da proteção que a lei confere no âmbito da conciliação entre a vida pessoal e o trabalho.
Exemplos de direitos conferidos pela lei aos trabalhadores no âmbito da parentalidade:
- Licença em caso de gravidez de risco;
- Licença em caso de aborto;
- Licença de parentalidade;
- Licença por adoção;
- Dispensa de trabalho por parte de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, por motivos relacionados com a sua segurança e saúde;
- Dispensa para consulta pré-natal;
- Dispensa para avaliação para adoção;
- Dispensa para amamentação ou aleitação;
- Faltas para assistência a filhos;
- Faltas para assistência a netos;
- Licença para assistência a filho;
- Licença para assistência a filhos com deficiência, doença crónica ou doença oncológica;
- Trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares;
- Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares;
- Entre outros.
Em suma, urge entender trabalho e família como faces inseparáveis da mesma moeda. Como realidades que não se anulam, mas que se complementam. Entender que a capacidade de trabalho advém, primeiro, do nosso bem-estar, da nossa capacidade para, simplesmente, ser e estar. Com aqueles que mais amamos.
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